Cercada de expectativas, a reunião realizada nesta quarta-feira (21) no Ministério do Trabalho em Brasília sobre as novas regras de funcionamento do comércio aos domingos e feriados terminou em novo impasse. No alvo do encontro, estava o setor de gêneros alimentícios, o que incluí os supermercados.
A tentativa era estabelecer um acordo entre entidades patronais e sindicais para permitir o trabalho nessas ocasiões, sem a necessidade de convenções. O tema voltou ao debate no final do ano passado, após a edição de uma Portaria do governo federal.
O texto retirava algumas atividades da lista das que estariam dispensados de efetivar acordos coletivos para a abertura dos estabelecimentos nos tradicionais dias de descanso de maneira permanente.
De um lado, a bancada dos trabalhadores manteve o argumento de que seria necessário primar pela isonomia entre as regras válidas para o varejo, em que é preciso realizar negociações prévias, e o de alimentos, incluindo os mercados.
O presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec-POA), Nilton Souza Neco participou do encontro e relata que o evento foi marcado por debates aprofundados. A decisão dos sindicatos foi a de pedir mais tempo para consulta.
O prazo estabelecido por Portaria se encerraria em março. Em razão disso, uma nova resolução de prorrogação por, pelo menos, 15 dias deverá ser editada pelo ministério.
Sindicatos vivem impasse entre flexibilizar e perder garantias
O impasse, argumenta Neco, se estabelece em torno dos supermercados. Existe a possibilidade de que algumas centrais – como a CUT, a Força Sindical e a UGT, entre outras – flexibilizem para esses estabelecimentos, mas o temor é que isso traga na esteira a liberação das convenções para os shoppings e lojas de material de construção, por exemplo.
De acordo com o dirigente do Sindec, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não se posicionou, mas aconselhou os representantes laborais a repensarem o posicionamento. Isso porque, em paralelo, tramita um projeto de lei no Congresso que substituiria a atual lei vigente (a 10.101 de 2000, que regra os domingos) e permitiria a abertura generalizada de todos os estabelecimentos, sem negociação prévia com os sindicatos. (leia mais abaixo)
— Na maioria das cidades e dos setores isso já funciona. Os acordos são muito importantes para garantir o pagamento de prêmios salariais sobre as horas trabalhadas nos dias de folga como domingos e feridos ou a concessão de folgas em outros dias. Sem isso, não há direito algum — argumenta.
Entidades patronais argumentam que bonificações estão previstas
Na outra ponta do balcão, o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo se diz defensor da livre iniciativa e da desburocratização da possibilidade de trabalho em feriados. Segundo ele, a entidade também incentiva os sindicatos patronais e laborais, que cumprem papel fundamental no equilíbrio das relações.
— Sempre valorizamos a força de trabalho em feriados, entendendo o trabalho nestes dias como um trabalho extra. Por isso, todas as convenções coletivas já preveem bônus aos trabalhadores em feriados. Hoje, mesmo sem a necessidade de negociar a autorização para abrir aos domingos, as convenções coletivas já preveem bonificações e valorizações dos trabalhos nestes dias.
Para Longo, a resolução é simples: o supermercado precisa funcionar aos feriados, os trabalhadores precisam ganhar mais por isso e os consumidores precisam ter opções para fazer as compras.
O que está em discussão
- Desde a década de 1990, uma série de portarias começou a regrar o funcionamento do comércio aos domingos e feriados com base na necessidade de garantir direitos aos trabalhadores.
- Em 2000, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a lei federal 10.101 pacificou a possibilidade de abertura dos estabelecimentos aos domingos. No entanto, na avaliação de advogados consultados por GZH, o texto é inconclusivo quanto ao trabalho nos feriados.
- A mesma lei definia os setores que necessitariam de acordo prévio em convenção coletiva para regrar os direitos aos trabalhadores e assim permitir a abertura dos estabelecimentos.
- A reforma trabalhista de 2017 (instituída pela lei 13.467), durante a gestão de Michel Temer, reduziu o campo de atuação dos sindicatos nas negociações.
- A Secretaria do Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia, na gestão de Jair Bolsonaro, editou a Portaria 19.809 de 2020 e “autorizou permanentemente” o trabalho aos domingos e feriados.
- Em 13 de novembro do ano passado, o atual ministro do governo Lula, Luiz Marinho, assinou a Portaria 3.665 que revogava vários itens da portaria anterior. O texto retirou da lista de permissão permanente diversos segmentos, dentre os quais, o varejo de gêneros alimentícios, o que inclui supermercados, farmácias e outros. Com isso, retornaram as exigências de autorização por convenção coletiva, o que fortalece a atuação dos sindicatos nas mesas de negociação.
- As normas vigorariam de imediato, mas já no feriado de 15 de novembro, ações judiciais resguardaram o direito de estabelecimentos em funcionar, sem convenções coletivas. Foi o caso de uma liminar da Justiça do Trabalho do RS, que revogou por 60 dias os efeitos da portaria do governo federal para farmacêutica Panvel.
- Criticado por entidades empresariais, em 22 de novembro, o ministro editou a Portaria 3.708, prorrogando o início da vigência dessas novas diretrizes para 1°de março de 2024. Na ocasião, foi instalada uma mesa de negociações tripartite, ou seja, com a representação do ministério, dos sindicados de trabalhadores e das entidades patronais.