De forma silenciosa, a exemplo dos motores que os impulsionam, os carros elétricos ganharam terreno de forma significativa no Rio Grande do Sul em 2023. As vendas de veículos híbridos ou movidos puramente por energia elétrica saltaram acima da média nacional, e a inauguração de uma nova rota de postos de recarga elevou o nível da infraestrutura destinada a esses modelos no Estado ao facilitar viagens de longa distância.
Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) revelam que o emplacamento de novos automóveis eletrificados cresceu 85% entre janeiro e novembro deste ano em comparação com o mesmo intervalo de 2022, acima do patamar nacional de 78% verificado nesse período. A expectativa do setor é de que a tendência de expansão acelerada se mantenha mesmo com a volta progressiva do imposto de importação sobre esses modelos, a partir de janeiro do ano que vem.
— O ano de 2023 foi espetacular para o setor elétrico. As vendas cresceram quase 80% no país, e o Rio Grande do Sul ainda ficou acima dessa média. É um movimento muito importante porque nos coloca de forma definitiva nessa nova onda de transformação da indústria automotiva. Chegamos a um ponto em que, em outros países, como na China ou entre os europeus, houve uma virada definitiva logo depois dele — avalia o presidente da ABVE, Ricardo Bastos.
Em números absolutos, a quantidade de novos emplacamentos no Estado saltou de 2,1 mil de janeiro a novembro do ano passado para quase 4 mil agora (veja dados detalhados no infográfico abaixo). Isso envolve automóveis híbridos, que combinam motores elétrico e a combustão, e modelos movidos exclusivamente impulsionados por energia elétrica. Em todo o país, a elevação foi de 43 mil para pouco mais de 77 mil modelos com menor ou nenhum consumo de combustível fóssil.
Entre as razões para esse fenômeno, além da preocupação com o ambiente ao reduzir as emissões de carbono, estão fatores econômicos. Um deles é o progressivo barateamento dos carros eletrificados, que pouco tempo atrás custavam a partir de R$ 250 mil e agora podem ser encontrados por R$ 150 mil ou menos, e já existe previsão de lançamento de modelos mais em conta para o ano que vem como o Dolphin Mini da montadora chinesa BYD. Outro motivo que acelera a conversão da frota gaúcha e nacional é a economia para colocar o motor em funcionamento.
Executivo do Instituto de Ciência e Tecnologia Equatorial (braço de inovação da CEEE Equatorial), Lucas Pinheiro afirma que comparações feitas com base em um veículo elétrico adquirido pela empresa datado de 2020 mostram que o custo por quilômetro rodado saía por menos da metade do valor de um carro a combustão. Mas há outras estimativas, realizadas com modelos mais novos e eficientes, que apontam uma economia de quase cinco vezes em comparação a um motor abastecido a gasolina. O aumento da autonomia, que hoje faz muitos carros conseguirem percorrer cerca de 400 quilômetros com uma carga, também favorece.
— Gasto cerca de R$ 50 para recarregar completamente a bateria do meu carro. Não faz nenhum sentido pensar em voltar a ter um automóvel a combustão — afirma o empresário Alessandro Ponzio, que tem uma garagem na Capital equipada com 26 recarregadores e é um entusiasta da eletrificação.
Apesar da alta voltagem do entusiasmo, ainda há um longo caminho a ser trilhado pelo novo tipo de veículo. A ABVE aponta que há cerca de 207 mil carros eletrificados no país, em meio a uma frota circulante de 38,3 milhões de automóveis leves.
Lançamento de novos eletropostos estimula consumidores
Um dos maiores obstáculos à expansão dos veículos movidos por eletricidade no Rio Grande do Sul é a baixa disponibilidade de postos públicos de recarga, os chamados eletropostos. Mas, nas últimas semanas, isso começou a mudar e tende a aumentar ainda mais a atratividade desse tipo de carro para os gaúchos. Lançado formalmente neste mês, a chamada Rota Elétrica do Mercosul é uma rede de 10 pontos de recarga rápida — onde o condutor consegue recompor a bateria do veículo em até uma hora.
Distribuídos a distâncias inferiores a cem quilômetros um do outro, os eletropostos fazem parte de um projeto desenvolvido em parceria pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pela CEEE Equatorial. Por enquanto, os motoristas podem utilizar sem qualquer custo a infraestrutura montada mediante um investimento de R$ 13,8 milhões. Cada local de recarga foi erguido junto a um local com estrutura para receber viajantes, como postos de combustíveis ou restaurantes.
— A intenção, hoje, é incentivar o mercado a continuar nessa frente de mobilidade elétrica e também fazermos o nosso dever de casa para, quando o mercado virar de vez, estarmos preparados para atender os clientes — afirma Lucas Pinheiro.
Coordenadora do projeto da rota elétrica na UFSM, a professora Alzenira Abaide afirma que a estrutura também servirá como uma espécie de laboratório para estudos de demanda de energia, modo de utilização desse tipo de equipamento, entre outras informações importantes para nortear o futuro da nova rede de abastecimento em solo gaúcho.
— Quando desenvolvemos esse projeto, lá em 2019, não tínhamos estações de recarga rápida e de uso público no Estado. Tínhamos uma rota de Leste a Oeste no Paraná, algumas estações em Santa Catarina. Hoje, já podemos viajar para Uruguai ou Argentina — compara Alzira.
O empresário Eliseu Cunha Fernandes, 39 anos, se tornou um frequentador assíduo do eletroposto localizado ao lado da Casa Rural, no km 334 da BR-116, em Barra do Ribeiro. Proprietário de um Haval H6 GT híbrido (elétrico e a combustão) adquirido por R$ 315 mil, deixou de gastar cerca de R$ 3 mil mensais com combustível.
— Quase todas as noites, encosto aqui para recarregar gratuitamente, o que me dá uma autonomia de uns 120 quilômetros só com o motor elétrico. Agora, com a rota do Mercosul, estou planejando fazer a primeira viagem para fora do país, até Rio Branco, no Uruguai — conta Fernandes.
Ainda não há um prazo exato para começar a cobrança na rota do Mercosul. Em pontos comerciais onde já se cobra pela recarga rápida, que geralmente é concluída em menos de uma hora, o preço costuma ficar em torno de R$ 2 por kilowatt (kW). Um carro com bateria de 60 kW, por exemplo, pagaria R$ 120 para "encher o tanque". Mas há opções de carregamento mais vagaroso que podem seguir sendo oferecidas gratuitamente, como em estacionamentos de estabelecimentos comerciais como forma de atrair a clientela. Também é possível que estações "ultrarrápidas", ainda em fase inicial, custem mais caro em razão da comodidade de garantirem carga completa em menos de meia hora.
Em caso de uso urbano, o custo do kilowatt em média costuma ficar abaixo de R$ 1.
— As pessoas falam que pode demorar 10, 12 horas para carregar o caso na rede doméstica. Mas é preciso lembrar que isso vale para quem usa toda a bateria. Normalmente, não é o que ocorre. Funciona de forma parecida com o celular: a gente chega em casa e, mesmo que ainda tenha bateria, coloca para carregar. Nesse caso, uma carga de poucas horas já resolve — afirma o empresário Alessandro Ponzio.
Tempo de carga depende de capacidade do recarregador
De emergência
Costuma acompanhar o carro no momento da compra, podendo ser levado no porta-malas, e permite carregar a bateria em tomadas comuns. Como geralmente têm pequena potência (1 ou 2 kilowatts), podem exigir de 20 a 40 horas de carregamento para uma carga completa. Por isso, são destinados a situações realmente emergenciais até que o condutor consiga chegar até um ponto de abastecimento de maior capacidade.
Portátil
Semelhante ao carregador de emergência, mas com potência maior - geralmente ficam entre 3,7 kilowatts (kW) e 22 kW. Um carregador de 22 kW, por exemplo, exigiria menos de três horas para recarregar um veículo com bateria de 60 kw (um dos tipos mais comuns atualmente). A vantagem é permitir uso em diferentes locais, como em casa ou durante o trabalho.
Residencial
Costumam ter potência semelhante à de um carregador portátil. A principal diferença é que são projetados para ficar fixos na parede, razão pela qual também são conhecidos como wallbox.
Estação de carga rápida
Os carregadores rápidos, também chamados de fast charge, por envolverem custos mais elevados geralmente estão disponíveis apenas comercialmente. Como contam com mais capacidade, ao redor de 60 kW, são capazes de abastecer um carro elétrico que esteja com a bateria quase zerada em cerca de uma hora. Há ainda opções "ultrarrápidas", de 150 kW ou mais, que podem recarregar um automóvel em menos de meia hora.