A notícia sobre a venda de um grupo gaúcho para uma gigante dos Estados Unidos despertou curiosidade sobre o mercado de reciclagem de resíduos de abates de animais. Responsável por dar destino ao que não é aproveitável para consumo humano na cadeia animal, o setor é uma indústria que movimenta cerca de R$ 100 bilhões por ano e que tem no Rio Grande do Sul um dos seus principais polos.
O Grupo Fasa, com sede em Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, foi vendido por R$ 2,8 bilhões para a norte-americana Darling Ingredients. A empresa gaúcha tem 15 fábricas no Brasil, cinco delas no Rio Grande do Sul, para processamento dos resíduos. A reportagem tentou contato com a empresa, mas não obteve retorno.
Mas como funciona o setor? A indústria de reciclagem animal se abastece do resíduo do abate de animais de produção, como aves, bovinos, suínos e peixes. Com essa matéria-prima, produz farinhas e gorduras de origem animal que servem de produto para outras indústrias.
O Brasil é o segundo maior fabricante de produtos da reciclagem animal, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Segundo Decio Coutinho, presidente executivo da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), o setor gera sustentabilidade à cadeia animal e de pescado. A entidade representa 210 indústrias do segmento no país.
— Não fosse a reciclagem, o resíduo dos abates teria de ser depositado em lixões e aterros sanitários. Isso traria perigo à saúde pública pela degradação e liberação de odores, alimentando roedores e insetos, além do surgimento de doenças. E mais: a degradação desse material orgânico libera CO2 e metano, dois gases que o Brasil se comprometeu a reduzir a emissão na COP26 — diz Coutinho.
O setor recolhe, anualmente, em torno de 13 milhões de toneladas de resíduos de origem animal. Com esse resíduo, são produzidas 5,7 milhões de toneladas, entre farinha e gordura.
A partir da farinha, são fabricadas rações que alimentam tanto animais de produção (aves, suínos e pescado) como animais de companhia (cães e gatos). Outro uso da farinha é como fertilizante, principalmente para hortas.
— Essas indústrias têm uma característica de fazerem o ciclo completo, diferentemente do que se vê em outros setores de reciclagem. O animal é abatido, nós transformamos o resíduo em farinha e gordura, e a maior parte disso volta para alimentar novos animais e realimentar o ciclo — destaca Coutinho.
As gorduras também são utilizadas como matéria-prima para as rações, mas, em maior parte, para a produção de biodiesel e para as indústrias de saboaria, higiene e limpeza e cosméticos.
O biodiesel é uma alternativa para substituir os combustíveis fósseis, como os derivados do petróleo. A sua fabricação teria sido o maior interesse da Darling em adquirir o grupo Fasa. No Brasil, o seu uso tem sido incentivado a partir do RenovaBio, programa que determina que a cada ano se aumente a mistura de biodiesel nos combustíveis. Atualmente, a mistura obrigatória de biodiesel ao diesel é de 10%.
Fatia gaúcha tem destaque
Tradicionalmente detentor de importantes plantéis de animais de produção de carne, o Rio Grande do Sul também está entre os Estados que melhor realizam aproveitamento de resíduos de abates, disputando a liderança com o Paraná. Atualmente, o RS é um dos que concentram o maior volume de empresas de reciclagem do Brasil.
No ano passado, segundo a Abra, o RS abateu 577 mil cabeças de bovinos, sendo que cerca de 35% do peso vivo do animal é resíduo. Somaram-se aos abates, ainda, 8,9 milhões de suínos, 760 milhões de aves e 500 mil pescados, que também geraram resíduos.
Além de abastecer o mercado interno, que é o maior destino, o Rio Grande do Sul exporta o material processado. Em 2021, o principal mercado para farinhas do Estado foi o Vietnã, seguido do Chile e da Argentina. Para gordura, o maior mercado foram os Estados Unidos.
Ao todo, o setor no país movimenta em torno de R$ 88 bilhões a R$ 100 bilhões por ano. E exporta em torno de US$ 110 mil a US$ 115 mil por ano, segundo a Abra.