O ritmo de busca por crédito imobiliário mostra sinais de desaceleração no Rio Grande do Sul. O número de unidades financiadas com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) caiu 5,5% no primeiro trimestre de 2022 ante o mesmo período do ano anterior. No âmbito dos valores financiados, a cifra manteve certa estabilidade, com avanço de 0,7%. Os dados são da da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Juro alto, inflação e pressão nos custos ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas.
De janeiro a março, 11.068 unidades foram financiadas nessa modalidade. No mesmo intervalo de tempo de 2021, esse montante fechou em 11.712. Já os valores financiados com recursos da poupança atingiram R$ 2,442 bilhões — R$ 17 milhões a mais na comparação entre os dois anos.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, afirma que, no ano passado, juro e inflação em patamares menores e aumento de demanda após represamento aqueceram o mercado imobiliário no Estado. No entanto, esse cenário mudou nos últimos meses, segundo o dirigente:
— Esse tipo de imóvel é um estilo de unidade residencial que depende muito do acesso ao crédito. O aumento dos indicadores de inflação e de taxa de juros dificultou um pouco a tomada de crédito.
Em relação ao ligeiro aumento no valor financiado, mesmo em um cenário com recuo no total de unidades, Teitelbaum explica que parte desse movimento pode ter influência dos custos de produção. A desorganização das cadeias de insumos e matérias-primas causada pela pandemia e que segue no radar eleva o preço de uma série de produtos utilizados pelo ramo da construção, como o aço.
— Tem insumos com mais de 100%, 150% de aumento nos preços. Itens que são muito impactantes no custo de uma obra. Então, muitos lançamentos estão sendo reestudados, teve aumento nos gastos das construtoras e no valor de venda para o comprador final — salienta o executivo.
O professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que a escalada de inflação e juros é complexa. Nesse sentido, o especialista afirma que, além de aumentar os custos de construção e, consequentemente, dos imóveis, esse cenário econômico reduz o poder de compra das famílias, que precisam elencar as prioridades dentro do orçamento.
— Se tem inflação, fica mais caro construir e a população tem menos renda. Se tudo está mais caro, a renda tem que dar prioridade para aquilo que é de sobrevivência, como alimentação, transporte, vestuário e educação. Depois, pensa em nova moradia e lazer — explica Ajzental.
Imóveis de luxo
O presidente do Sinduscon-RS afirma que o segmento de imóveis de alto padrão segue mais aquecido em relação ao ramo de médio valor:
— A gente tem observado que a velocidade de venda em empreendimentos de alto padrão é maior do que a média. Isso ocorre porque o imóvel de alto padrão não depende tanto da tomada de crédito. O aumento do custo do material de construção também impacta menos em um imóvel de preço maior do que em uma unidade onde o custo é muito enxuto e o mercado é mais competitivo.
A gente tem empresas mais preparadas para este momento. Estão fazendo o tema de casa para estudar bem o cenário e fazer bons produtos, que sejam aceitos pelo mercado num preço adequado
CLAUDIO TEITELBAUM
Presidente do Sinduscon-RS
O professor Alberto Ajzental, da FGV, destaca que os segmentos de valor médio e de luxo têm ciclos e demandas diferentes. Como o valor utilizado para a aquisição de unidades de alto padrão não depende exclusivamente de salário ou outro tipo de renda mensal, os efeitos da inflação não eliminam o poder de compra desse grupo, segundo o especialista.
— É um cenário absurdamente diferente nas famílias de renda menor, que estão no limiar da sobrevivência ou que eventualmente conseguem um extra, uma sobra de caixa para durante 20, 25 anos pagar um imóvel pequeno, mais barato, de entrada. E é justo esse dinheiro extra que sumiu com a inflação — observa Ajzental.
Cenário nos próximos meses
No cenário nacional, os financiamentos com recursos da poupança apresentaram recuo mais forte em relação ao movimento observado no Estado. No país, o valor financiado no primeiro trimestre diminuiu 4,7% ante o mesmo período do ano passado. No âmbito das unidades, a retração foi de 6,6%.
Com estimativas de crescimento tímido na economia e manutenção do juro em patamar mais elevado para conter a inflação, que demora para diminuir o passo, especialistas apontam para continuidade de desaceleração no mercado imobiliário neste ano.
Esse par, inflação e juros, anda de mãos dadas. Quando os juros sobem, fica mais caro construir por causa da necessidade de capital e também fica mais caro para o cliente final, que precisa financiar
ALBERTO AJZENTAL
Coordenador do curso de Negócios Imobiliários da FGV
O presidente do Sinduscon-RS projeta que o setor deverá registrar crescimento neste ano, mas em nível menor na comparação com 2021. Teitelbaum cita que a inflação seguirá sendo um complicador para as empresas na hora de construir e comercializar imóveis:
— A gente vai ter de fazer um pouco de malabarismo para chegar no custo previsto de obra e ter uma margem, ainda, frente ao preço de venda.
O dirigente destaca que o setor conta com empresas que investem em caixa e previsibilidade. Isso deixa os negócios mais preparados para estudar o cenário econômico e entregar produtos que sejam aceitos pelo mercado com um preço adequado, de acordo com Teitelbaum.
O professor da FGV Alberto Ajzental afirma que, com a permanência dos elementos que pressionam o setor, a tendência é de um mercado arrefecido. Nesse contexto, a velocidade de vendas acaba perdendo força nos próximos meses, segundo o professor:
— O que você vai perceber daqui para o final do ano é a continuidade de aumento de estoque, diminuição do ritmo de vendas e, em breve, desaceleração nos lançamentos.