Após a publicação de uma portaria do Ministério da Agricultura que autorizou a retomada da pesca de arrasto de camarão no litoral do Rio Grande do Sul a partir do dia 30 de março, autoridades relacionadas à atividade divergem sobre o assunto. O tema é alvo de polêmica entre empresários do ramo pesqueiro, pescadores artesanais e pesquisadores, e está longe de navegar em águas calmas.
A pesca de arrasto é uma modalidade que utiliza grandes redes anexadas na estrutura dos barcos. O objetivo principal é a captura de peixes e frutos do mar. Nesse caso, a liberação se dá com foco na pesca do camarão. Mas esse método não recebe o nome de “arrasto” à toa. Ao serem jogadas no mar, as redes literalmente arrastam tudo o que encontram pela frente. Com isso, pequenas espécies de peixes e até mesmo animais marinhos maiores, como tartarugas, são trazidas para a superfície.
A atividade estava proibida por legislação estadual, foi alvo de ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e liberada, agora, após o Ministério da Agricultura publicar uma portaria com regras para a prática.
Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg) estima que, com a ausência da pesca de arrasto, peixes menores permanecem no ambiente, crescem e são capturadas futuramente por pescadores artesanais. No entanto, quando há arrasto, os pescados menores não são aproveitados pelas embarcações maiores.
— Quando são pegos pelo arrasto, são jogados fora, desperdiçados. Isso diminui o número de peixes no ambiente e o potencial deles se desenvolverem também — explica Luís Gustavo Cardoso, professor do Instituto de Oceanografia da Furg.
Ainda de acordo com Cardoso, a pesquisa revelou também que, dentro de um período de dois anos, cada tonelada de peixes pequenos descartada pelo arrasto poderia se transformar em 10 toneladas de peixes maiores, que poderiam ser aproveitados por todas as frotas pesqueiras, inclusive artesanais.
Em 2018, uma lei gaúcha proibiu toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas nas 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira do Estado. Porém, houve pressão do setor de pesca industrial para retomada da atividade.
Com isso, a Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) propôs um plano que visa o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira na região. O secretário Jorge Seif Jr diz que é possível promover a pesca de forma sustentável, gerando emprego e sem agredir o meio ambiente.
— Realmente, a pesca tradicional de arrasto pode ser prejudicial ao meio ambiente, mas, após estudos com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) aprovados pelo Supremo Tribunal Federal, conseguimos fazer uma pesca sustentável, gerar empregos, sem agredir o meio ambiente. O Brasil agora tem uma normativa alinhada com o que há de mais sustentável, sem prejudicar as atividades produtivas.
Segundo o ministério, entre as regras está a obrigatoriedade do uso de dispositivo redutor de fauna acompanhante, de dispositivo de escape de tartarugas com dimensões diferenciadas e de apresentação do mapa de bordo para que possa ser verificada a efetividade das medidas implementadas.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também diz que a legislação favorece a sustentabilidade da prática:
— Foi uma longa espera, mas vencemos o tempo com a ciência. Depois desses estudos prontos, agora, todo mundo ganha. A pesca volta, mas volta uma pesca moderna e com sustentabilidade.
Mesmo assim, a medida gera críticas dos pesquisadores.
— Não existe sustentabilidade em pesca de arrasto. São utilizados esses termos para colocar algo que não é verdade. Ela não é uma pesca seletiva para capturar camarão, vão junto muitas outras espécies, e isso traz um grande dano ambiental — afirma o biólogo e pesquisador Pedro Fruet, que também é secretário de Meio Ambiente de Rio Grande.
Fruet ainda questiona parte do plano que promete fortalecer a fiscalização das áreas de pesca. Para ele, trata-se de algo inviável em razão da alta demanda. Já Cardoso entende que o problema não seja a proposta de maior equilíbrio ambiental, mas sim a falta de itens que garantam que isso aconteça.
— Até acho que pode existir um contexto sustentável, mas não da forma como está estabelecida no plano. Por exemplo, estão obrigando o uso de dispositivos na rede que evitariam a captura dos peixes pequenos. Só que esse dispositivo já é obrigatório por lei e não é utilizado, pois precisa ser testado em cada local onde ocorre — explica o professor.
Como o arrasto do camarão não era realizado por pescadores gaúchos, a atividade se concentrou no setor industrial de Santa Catarina. Agora, a liberação pode beneficiar pescadores e atrair a modalidade para o litoral gaúcho. O principal período da atividade se dá entre a primavera e o início do verão na área catarinense.