Com US$ 300 bilhões em dívidas, a incorporadora imobiliária chinesa Evergrande tem balançado o mercado financeiro global com a possibilidade de entrar em falência. Já deixou de pagar juros de parte da dívida e, mesmo assim, o governo de Xi Jinping diz que não fará seu resgate.
Para Arthur Kroeber, fundador da consultoria Gavekal Dragonomics e autor do livro China's Economy: What Everyone Needs to Know (Economia Chinesa: O que Todo Mundo Precisa Saber), a saída mais provável para esse imbróglio é que empresas estatais comprem ativos do conglomerado - como já está ocorrendo com um banco do grupo - e que credores sejam pagos conforme sua importância política.
— Uma solução politizada.
Kroeber destaca que o caso não deve desencadear uma crise no sistema financeiro, mas afirma que uma desaceleração da China vai ocorrer, prejudicando emergentes como o Brasil.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.
A Evergrande já deixou de pagar juros da dívida, mas o governo chinês continua afirmando que não vai salvá-la. Ao mesmo tempo, o Banco Central do país disse que ajudará os compradores de imóveis da empresa. Como avalia a situação atual da Evergrande?
— O governo está tentando realizar algumas coisas. O objetivo é reduzir a especulação e o risco financeiro do mercado imobiliário, obrigando os incorporadores a contrair menos dívidas. A Evergrande é vítima dessa mudança de política do governo. A questão é: o governo vai intervir para salvar a Evergrande por ela ser muito grande e ter uma implicação sistêmica? Ou vai deixá-la fracassar e manter a agenda de reduzir os riscos no setor imobiliário? Acho que o que está tentando fazer é atingir o objetivo principal, mas minimizando o impacto do colapso da Evergrande. Está negociando com empresas estatais para que assumam projetos de construção da Evergrande e trazê-los para quem comprou os imóveis. Está tentando evitar o pânico entre os compradores. O problema é se ele vai deixar a Evergrande ir à falência. Ele não pode fazer isso sem criar um problema financeiro maior, mas também não quer fazer nada que pareça estar salvando a Evergrande.
O governo deve forçar um acordo entre empresas e credores?
— É provável. O governo também está pressionando a empresa para ela arrecadar dinheiro com a venda de ativos e pagar pelo menos alguns dos credores. Meu palpite é que haverá uma aquisição de certos ativos da Evergrande por companhias estatais. A partir disso, eles devem classificar os credores de acordo com a importância política deles e pagá-los. Não completamente, mas uma parte. Uma solução politizada.
O sr. disse que a empresa foi "vítima" de uma mudança de política, mas ela também não errou?
— Vítima no sentido de que tinha um modelo de negócios que funcionava bem em um determinado ambiente de políticas. Aí o ambiente mudou, e seu modelo de negócios deixou de ser adequado. Foi vítima não porque era alvo do governo, mas porque não estava preparada para uma mudança. Aí o governo disse: "Cabe a você resolver seus problemas".
Podemos ver outras empresas em situação semelhante à da Evergrande e gerando outras crises dessa magnitude?
— A Evergrande é a maior incorporadora imobiliária. Mas há milhares de outras incorporadoras. É uma indústria muito fragmentada e muitas empresas estão inadimplentes. Se olharmos para o setor, a cada mês há pelo menos um bilhão de renmimbi (cerca de R$ 845 milhões) de inadimplência em títulos, o que é sem precedentes. Mas a maioria é de empresas menores. Se elas fecharem, não terá um impacto sistêmico. A questão é: se você tem a Evergrande e muitas dessas empresas em crise, isso cria um efeito cascata. Mas a preocupação seria maior se as pessoas parassem de comprar imóveis. Enquanto as pessoas continuarem comprando, as empresas ruins sairão do mercado, mas as boas ainda serão capazes de ganhar dinheiro, e o fluxo continua. Acho que é isso que o governo espera que aconteça. No entanto, pode haver um problema se os compradores olharem para o setor e disserem: "Não quero dar uma entrada em um apartamento, porque não sei se essa empresa vai estar funcionando até terminar o apartamento; então, vou esperar".
Alguns analistas estão comparando essa crise com a de 2008/2009. O sr. já disse que não é a mesma coisa. Se não vamos ter algo semelhante ao caso do Lehman Brothers (banco americano que faliu em 2008), o que devemos esperar?
A diferença é que o governo chinês tem a capacidade de intervir de maneira muito rápida. O governo também aprendeu a administrar colapsos corporativos, porque houve vários casos no país nos últimos cinco anos. O maior risco é uma desaceleração econômica mais acentuada do que imaginamos. As implicações disso para o resto do mundo seriam uma desaceleração significativa na demanda chinesa por commodities.
Além da queda na exportação de commodities, quais impactos países emergentes como o Brasil devem esperar?
Já vimos uma redução enorme no preço do minério de ferro. Isso está menos relacionado à Evergrande e mais ao fato de que o governo está tentando frear a capacidade de aço por questões ambientais. Mas, se você tem uma desaceleração na demanda imobiliária chinesa, o preço do minério de ferro cai. O quadro geral é de risco de desaceleração econômica, e isso é negativo para os preços das commodities na maioria dos casos. Portanto, será difícil para os mercados emergentes que dependem do comércio de commodities com a China.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.