A sessão caminhava em ritmo preguiçoso para um desfecho modorrento até que o inesperado sobreveio: uma bandeira de paz acenada pelo presidente Jair Bolsonaro, em forma de nota, passadas apenas duas tardes dos acalorados pronunciamentos de Brasília e São Paulo, no Dia da Pátria.
O gesto moderado do presidente já havia sido ensaiado no pedido para que os caminhoneiros suspendessem os protestos que ganhavam, desde quarta-feira (8), força em estradas de diversos Estados.
A expectativa de convívio mais urbano entre os poderes, essencial para a economia em busca de normalização, foi celebrada com sprint final do Ibovespa, virando aceleradamente do negativo para o positivo. O dólar também reagiu bem: com uma leve recuperação nos minutos finais da sessão, a moeda americana fechou a R$ 5,2273, em baixa de 1,86% — a maior queda percentual desde 24 de agosto (-2,23%).
Em tarde ruim em Nova York, a referência da B3, a bolsa de valores, não encontrava fôlego para sustentar leve recuperação que havia chegado a esboçar mais cedo na sessão, vindo de perda de 3,78% no dia anterior, maior em percentual desde 8 de março (-3,98%). Com a nota de pacificação apresentada por Bolsonaro, o Ibovespa chegou às 16h45min aos 116.353,62 pontos no topo do dia, uma variação de 3.533,14 pontos em 13 minutos, saindo de baixa aos 112.820,48 pontos, assinalada às 16h32min.
Ao final, o índice da B3 mostrava ganho de 1,72%, aos 115.360,86 pontos, após ter fechado o dia anterior aos 113.412,84 pontos — uma recuperação de quase 2 mil pontos. O giro financeiro ficou em R$ 39 bilhões, após ter chegado a R$ 40,1 bilhões na véspera.
A chacoalhada de Bolsonaro jogou os principais setores e empresas para cima, a maioria em baixa, até então, nesta quinta-feira. Ao fim, Petrobras PN e ON mostravam ganho de 2,12% e 0,93%, respectivamente, enquanto, entre os grandes bancos, os ganhos chegaram hoje a 1,76% (BB ON). Na ponta do Ibovespa, PetroRio (+8,32%), WEG (+6,44%) e Eletrobras ON (+6,07%). No lado oposto, Suzano (-0,54%), Bradespar (-0,38%) e Vale ON (-0,36%).
— A importância do diálogo entre os poderes para reduzir os ruídos políticos e, em especial, evitar o isolamento, era a única forma de reduzir o estresse da curva de juros e oferecer um risco menor, para, assim, justificar o potencial de valorização atual — diz Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora.
Após apelo direto de Bolsonaro, o relativo esvaziamento do protesto de caminhoneiros em relação ao que se viu na quarta-feira chegou a contribuir mais cedo para algum respiro, em dia de câmbio menos pressionado após a reação do dia anterior à crise político-institucional, aguçada pelos eventos do 7 de setembro. Por outro lado, a leitura acima do esperado para o IPCA em agosto (0,87%), no maior nível para o mês em 21 anos, e que aproxima a inflação dos dois dígitos no acumulado em 12 meses, reforça a perspectiva de Selic mais restritiva, o que tende a reduzir o apelo da renda variável em momento marcado por aversão a risco.
— Como consequência (do IPCA), a curva de juros deu uma nova guinada para cima e já projetava Selic na faixa de 9% no ano que vem, o que aumenta a percepção de risco para o mercado brasileiro, sem falar nos potenciais ganhos da renda fixa, que retiram atratividade da renda variável — observa Ribeiro, da Clear Corretora, destacando que "dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, oito registraram aumento de preços".
Dólar
Após a alta de 2,89% na quarta-feira, em meio ao agravamento da crise institucional na sequência das manifestações de 7 de setembro, o dólar caminhava para encerrar o pregão desta quinta-feira em leve queda, na casa de R$ 5,30.
Operadores afirmavam que o declínio da moeda americana no Exterior e a perspectiva de alta mais forte da taxa Selic, na esteira do IPCA de agosto acima das expectativas, abriam espaço para ajuste de posições e davam certo fôlego ao real, em dia até então marcado por queda da bolsa e alta firme dos juros futuros.
Na reta final dos negócios, o jogo virou. Declarações em tom apaziguador de Bolsonaro sobre a crise dos poderes colocaram o Ibovespa em rota ascendente e fizeram o dólar despencar — no momento mais agudo, a moeda rompeu o piso de R$ 5,20 e desceu até a mínima de R$ 5,1943 (-2,47%).
Com uma leve recuperação nos minutos finais da sessão, a moeda americana fechou a R$ 5,2273, em baixa de 1,86% — a maior queda percentual desde 24 de agosto (-2,23%). Após o tombo, a valorização do dólar no acumulado da semana passou a ser de apenas 0,83%.
Analistas e operadores eram unânimes em afirmar que o dólar não cedia no mercado doméstico, a despeito do fluxo positivo e do aumento do diferencial de juros interno e externo, por causa do agravamento das tensões político-institucionais, que levava investidores a se abrigar no dólar e exigir prêmio de risco maior para carregar ativos domésticos.
O sócio e economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, afirma que o mercado rapidamente "operou" as declarações de Bolsonaro, derrubando o dólar e dando fôlego à bolsa.
— Mas acredito que o mercado se manterá receoso ainda para saber se essa carta do Bolsonaro vai realmente aliviar a crise entre os poderes — afirma Velho.
O economista ressalta que a crise institucional e o orçamento de 2022, ainda sem solução para a questão dos precatórios e do reajuste do Bolsa Família, acabam tirando força do real, que poderia se beneficiar mais dos fundamentos das contas externas e da queda do dólar em relação a divisas emergentes.