O acordo costurado por governo federal e Congresso na segunda-feira (19) deixa o país mais próximo de resolver o impasse do orçamento, mas não elimina as incertezas sobre o rumo das finanças públicas. Na visão de economistas e investidores, a previsão de aumento nas despesas fora do teto de gastos e da meta fiscal reforça a preocupação a respeito das contas do governo.
Os obstáculos na área fiscal, que já apareciam antes da pandemia, foram intensificados pela necessidade de medidas contra os impactos da covid-19.
Aprovado pelo Congresso em março, o orçamento da União foi alvo de críticas nas últimas semanas devido à dificuldade (ou até inviabilidade) de ser colocado em prática. O presidente Jair Bolsonaro tem prazo até quinta-feira (22) para sancionar ou vetar o texto.
Para tentar desatar o nó relacionado ao projeto, o acordo selado por governo e Congresso na segunda-feira pode elevar a mais de R$ 125 bilhões as despesas de combate à pandemia fora da meta fiscal e do teto de gastos.
Os desembolsos incluem a retomada dos programas BEm, de proteção ao emprego formal, e Pronampe, de crédito a micro e pequenas empresas.
A meta fiscal corresponde à diferença entre receitas e gastos primários do governo, exceto juros. Neste ano, permite rombo de até R$ 247,1 bilhões. Já o teto é a regra que limita o avanço das despesas à inflação.
— O governo não conseguiu diminuir tanto os gastos e, por isso, fez um acordo para tirar despesas da meta e do teto. No médio e no longo prazo, cria-se uma sensação de desconfiança em relação à capacidade de pagamento da dívida — analisa o economista Fábio Astrauskas, CEO da consultoria Siegen e professor do Insper.
Peso das emendas
O impasse sobre a peça orçamentária ganhou forma devido ao reforço nas emendas parlamentares. O projeto aprovado pelo Congresso em março previa acréscimo de R$ 26,5 bilhões em transferências do tipo. As emendas são usadas por deputados federais e senadores em suas bases eleitorais.
Para bancar o acréscimo, o projeto inicial remanejou recursos que estavam previstos para gastos obrigatórios do governo, como benefícios previdenciários, abono salarial e seguro-desemprego. Na segunda-feira, a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, disse que o Executivo deverá cortar R$ 10,5 bilhões em emendas.
— Quanto ao acordo para cortar parte menor das emendas, é possível que seja insuficiente. É preciso aguardar para ver se algum ajuste adicional será feito, porque o problema, nesse caso, é o teto de gastos — pontua o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Economista-chefe da corretora Necton Investimentos, André Perfeito sublinha que o acerto entre Planalto e parlamentares pode pavimentar a aprovação do orçamento. Contudo, ainda restam dúvidas sobre a condução da política fiscal neste ano, diz o analista:
— Parece que governo e Congresso encontraram uma solução. O orçamento é um plano de voo para 2021, mas é importante ver como ele será executado.
A cada ano, a peça orçamentária traz uma projeção para os gastos da União. As despesas obrigatórias, que representam em torno de 95% dos desembolsos, não podem ser adiadas ou canceladas.
Os outros 5% são compostos pelos gastos discricionários, isto é, com manejo flexível. Entre eles, estão investimentos em infraestrutura e recursos para custeio da estrutura de prédios públicos.
— Não é bom que o Brasil se acostume a estourar o teto de gastos — ressalta o professor Istvan Kasznar, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ebape).
Kasznar acrescenta que a melhora nas contas do governo depende da retomada da economia. A reação dos negócios, por sua vez, está relacionada ao avanço da vacinação contra a covid-19, conclui o professor.
Equipe econômica sai enfraquecida, diz analista
Ao longo desta terça-feira (20), o mercado financeiro continuou atento ao debate sobre o orçamento da União. Principal índice da bolsa de valores brasileira (B3), o Ibovespa operou em baixa. Ao final da sessão, teve recuo de 0,72%, aos 120.061 pontos.
O índice reflete o desempenho das ações das empresas com maior volume de negociação na bolsa. O dólar fechou o dia com relativa estabilidade (avanço de 0,01%), cotado a R$ 5,551.
— O mercado não está explosivo em relação ao acordo entre Congresso e governo federal. O orçamento tem de andar. Mas há uma visão mais negativa porque o acerto mostra que se tentou fazer um puxadinho (para resolver o impasse) — comenta o assessor de investimentos Fábio Figueiredo Filho, da Messem Investimentos.
Economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte entende que a novela do orçamento fragilizou a equipe econômica do governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes.
— A mensagem deixada pelo acordo é de que o Congresso ganhou a disputa com o Ministério da Economia, que sai mais enfraquecido. O mercado reage ao pensar "ah, que bom que isso (o impasse) acabou", mas começa a se perguntar sobre o cenário fiscal — pondera Fernanda.
Economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia vai na mesma linha. Ele salienta que a volta de programas como o Pronampe e o BEm deve auxiliar no combate à crise da covid-19. Mas, segundo Miraglia, a "preocupação" com a área fiscal permanece.
— Tem o copo meio cheio e o meio vazio. Haverá dinheiro para auxílio de forma emergencial, mas a preocupação do mercado com a situação fiscal permanece como pano de fundo — relata o economista.
O impasse
O orçamento
- A cada ano, o orçamento traz uma projeção para os gastos da União
- As despesas obrigatórias representam em torno de 95% dos gastos. São aquelas que o governo federal não pode adiar ou cancelar, como o pagamento de aposentadorias
- Os outros 5% são compostos pelas despesas discricionárias, isto é, com manejo flexível. Entre elas, estão investimentos em infraestrutura e recursos para custeio da estrutura de prédios públicos
As dúvidas
- O impasse sobre o tema ganhou forma devido ao reforço nas emendas parlamentares. O orçamento aprovado pelo Congresso em março previa acréscimo de R$ 26,5 bilhões em transferências do tipo. As emendas são usadas por deputados federais e senadores em suas bases eleitorais
- Para bancar o acréscimo, o projeto de orçamento remanejou recursos que estavam previstos para gastos obrigatórios do governo, como benefícios previdenciários, abono salarial e seguro-desemprego
O acerto
- Na segunda-feira, o governo federal e o Congresso fecharam um acordo que pode pavimentar o caminho para resolução do impasse. A expectativa é de que, a partir do acerto, haja maior flexibilidade para que o governo acomode gastos dentro do orçamento
- O acordo desta semana pode elevar a mais de R$ 125 bilhões as despesas de combate à pandemia fora da meta fiscal e do teto de gastos. A meta corresponde à diferença entre receitas e gastos primários do governo, exceto desembolsos com juros. Neste ano, permite rombo de até R$ 247,1 bilhões. Já o teto é a regra que limita o avanço das despesas à inflação
- Pelo acordo, serão descontados da meta fiscal os gastos extraordinários na área de saúde e com programas de crédito a micro e pequenas empresas (Pronampe) e de redução de jornada e salário ou suspensão de contratos de trabalhadores (BEm)
O possível desfecho
- O presidente Jair Bolsonaro tem até quinta-feira para tomar uma decisão sobre o orçamento
- Bolsonaro pode sancionar o projeto ou vetar trechos do texto