A intenção do governo federal de intervir no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — de responsabilidade dos Estados — que incide sobre os combustíveis foi contestada por tributaristas consultados pelo Broadcast Político, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
A proposta foi anunciada nesta sexta-feira (5), em entrevista coletiva que teve a participação do presidente Jair Bolsonaro e ministros, com a finalidade de reduzir impactos de impostos sobre os preços dos combustíveis, que tem gerado protestos de caminhoneiros, categoria que apoia majoritariamente o mandatário.
Para o tributarista Carlos Eduardo Navarro, "é de causar arrepios as notícias de que o governo federal propõe mudanças de ICMS no setor de combustíveis". E explica que, em primeiro lugar, o Poder Executivo federal demonstra, "mais uma vez", não conhecer o filósofo francês Montesquieu e a separação dos poderes:
— Como se isso não bastasse, o governo federal possui instrumentos próprios para modificar a tributação sobre esses bens, notadamente o PIS/Cofins e a Cide combustíveis.
Para o ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT) e sócio da área tributária do Viseu Advogados Fábio Nieves Barreira, a ação do governo federal interfere no pacto federativo. Segundo ele, a única alternativa para uma mudança seria por meio de uma resolução do Senado, mas apenas para as operações entre Estados:
— Mas não é isso que o governo federal quer. Em princípio, ele quer uma alíquota única para todos os Estados. Mas ele não tem competência para isso, não pode interferir. Não existe essa alternativa para o governo federal, porque o imposto é de responsabilidade dos Estados.
Além disso, Barreira projeta que, se a questão acabar judicializada, deve ser vetada:
— Se a proposta acabar indo para o STF, a tendência é de que seja julgada como uma medida inconstitucional.
Na avaliação de Juliana Cardoso, mestre em Direito Tributário Internacional pela Queen Mary College — University of London, vai ser muito difícil Bolsonaro conseguir adesão dos Estados na redução do ICMS sobre combustíveis, considerando que o imposto representa de 18% a 20% na arrecadação total estadual:
— Mais factível seria trabalhar uma redução gradual do PIS e da Cofins, que é federal.
Segundo o tributarista Danilo Leal, é preocupante a ideia do governo de simplesmente criar um novo mecanismo, num contexto em que se discute muito a reforma do ICMS:
— Ao que tudo indica, o governo quer criar um outro regime tributário que concentra a tributação nas refinarias, mas creio que este não seja o momento. Por mais que se pretenda exonerar a cadeia do combustível, me parece que seria muito mais importante fazer uma reforma mais ampla, que permita um pouco mais de racionalidade para o sistema tributário.
Leal destaca ainda que isso poderá desembocar em algo sem precedentes no que tange à multiplicidade de regimes tributários. A despeito das críticas, diz que a redução tributária, num país como o Brasil, no qual se tributa muito o consumo, é sempre bem-vinda:
— Reduzir a carga incidente no preço do combustível poderá permitir uma redução do custo de frete, que tem sido muito pressionado em razão do dólar e da pandemia como um todo, com reflexo na redução do preço dos produtos.
Conforme o sócio da Maneira Advogados e integrante da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Donovan Mazza Lessa, o ICMS sobre o combustível é uma das principais fontes de receita dos Estados e, por isso, "qualquer mudança na cobrança gera enorme impacto na arrecadação". Assim, a análise deve ser feita de acordo com a situação fiscal de cada Estado, explica. A alteração proposta, no entanto, não representa a redução do preço necessariamente, afirma:
— Atualmente, o ICMS já é cobrado diretamente das refinarias, por meio de substituição tributária para frente, e é calculado com base numa estimativa do preço de venda do combustível na bomba pelos postos. A mudança para que a cobrança seja feita de acordo com o preço da venda da refinaria, caso a alíquota atual seja mantida, realmente reduziria o imposto, já que a base de cálculo seria menor na medida em que não estaria agregada da margem de lucro das distribuidoras e postos. Entretanto, a redução do ICMS não necessariamente representará a redução do preço, já que os postos podem manter o preço atual, aumentando seu lucro.