Em plena pandemia da covid-19, o governo Jair Bolsonaro prevê cortar o orçamento do Ministério da Saúde para R$ 127,75 bilhões em 2021. O valor é menor do que o aprovado para o começo deste ano (R$ 134,7 bilhões) e do que o limite atual de gastos da pasta (R$ 174,84 bilhões, alcançado após liberação de créditos para enfrentar a crise sanitária).
Se a proposta for confirmada, o orçamento da Saúde para 2021 pode ser R$ 7 bilhões menor do que o previsto inicialmente pelo governo para este ano, antes da pandemia, ou R$ 47 bilhões inferior ao limite de gastos alcançado durante a covid-19, o que tende a aumentar a pressão por mais espaço no teto de gastos — a regra fiscal que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
As discussões sobre o orçamento ocorrem no momento de disputa interna no governo sobre aumentar ou não as despesas públicas. No dia 11, o ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou que Bolsonaro pode parar na "zona sombria" do impeachment se furar o teto.
Depois da criação do chamado "orçamento de guerra" que permitiu o aumento de gastos na pandemia, há uma "guerra" aberta no governo e no Congresso para aumentar os recursos para bancar obras de infraestrutura, reforçar o caixa do Ministério da Defesa e tirar do papel o Renda Brasil — programa social do governo Bolsonaro que vai substituir o auxílio emergencial de R$ 600 e o Bolsa Família.
Com o risco de perder recursos, a área de Saúde também vai intensificar agora a pressão no Congresso. A proposta de orçamento da União para o próximo ano está nas mãos da equipe de Guedes e deve ser encaminhada até o fim deste mês ao Congresso.
Guedes, que vem enfrentando "fogo amigo" e críticas abertas de colegas de Esplanada, não quer mexer no teto. Ele afirma que o mecanismo, criado no governo do ex-presidente Michel Temer, foi responsável por viabilizar a queda recorde dos juros e dos custos de rolagem da dívida pública.
O ministro quer discutir o orçamento de 2021 junto com medidas de corte de gastos por meio de "gatilhos" — que disparariam quando o aumento dos gastos obrigatórios (como folha de salários) colocasse em xeque outras despesas como investimentos.
— É como se o governo achasse que a covid-19 vai simplesmente sumir no dia 31 de dezembro de 2020 — afirma a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Luiza Pinheiro.
Para Luiza, o governo desconsidera que parte da estrutura criada para atender a pandemia deve ser preservada, como leitos e respiradores:
— Além disso, ignora os serviços que não foram prestados em 2020 por conta da pandemia (como cirurgias eletivas) e o aumento da demanda do SUS (Sistema Único de Saúde) devido ao alto desemprego, que faz com que as pessoas percam seus planos de saúde, e da sua família.
Distribuição
Da verba prevista para 2021 para o Ministério da Saúde, R$ 110,14 bilhões seriam de gastos obrigatórios, como a folha de pagamento de servidores, que não podem ser bloqueados. Outros R$ 16,47 bilhões são valores discricionários, que podem ser remanejados pelo governo, como para contratação de serviços e investimentos.
Ou seja, o recurso que a Saúde pode escolher onde aplicar deve ser cerca da metade dos destinados à pasta no começo de 2020 e um quarto do que foi autorizado até agora, depois de reforço por força da pandemia. O valor apresentado pela equipe de Guedes não computa emendas parlamentares.
Consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Funcia estima que, para se cumprir o piso constitucional para a Saúde, será preciso acrescentar cerca de R$ 10 bilhões de recursos de emendas.
— É um duplo retrocesso. Não só reduz o orçamento atual, como ainda condiciona a uma fatia grande de emendas — afirmou.
Neste ano, para enfrentar a covid-19, o Ministério da Saúde recebeu aporte de R$ 41,7 bilhões por meio de 10 medidas provisórias. O recurso foi usado para reforçar o caixa de Estados e municípios no combate à pandemia, comprar respiradores, entre outros insumos, e custear as despesas de internação no SUS.
Além disso, cerca de R$ 2 bilhões serão usados pela Fiocruz para viabilizar a compra, processamento e distribuição de 100 milhões de doses de vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. Do recurso extra autorizado pela pandemia, o ministério autorizou o pagamento de R$ 27,62 bilhões e, de fato, desembolsou R$ 20,65 bilhões.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou. O Ministério da Economia afirma que a proposta de orçamento para 2021 ainda é discutida internamente e pode ser alterada até 31 de agosto, limite para envio ao Congresso Nacional.