Como se mais de 100 milhões de brasileiros passassem a ser monitorados por tornozeleira eletrônica. É assim que Pablo Bello, diretor de Políticas Públicas do WhatsApp para a América Latina, descreve os possíveis efeitos do projeto de lei sobre fake news que está em discussão no Senado.
O ponto do projeto que mais incomoda a plataforma é a rastreabilidade das mensagens, que obriga aplicativos a guardar as informações sobre todos os reencaminhamentos de cada mensagem, para que se possa identificar a origem de conteúdos potencialmente ilegais.
Há mais de 100 emendas ao projeto de lei apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e relatado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA). Ainda não se sabe qual será o texto final do relatório de Coronel, que será apresentado nesta quarta-feira (24), para ser votado na quinta (25). Mas o texto deve manter a rastreabilidade, ponto que mais incomoda o WhatsApp.
— É como se pusessem uma tornozeleira eletrônica em todos os usuários de WhatsApp no Brasil. Poderão monitorar todos os movimentos das pessoas, saber com quem todo mundo fala por mensagem — disse Bello.
Segundo os números mais recentes, de 2017, há mais de 120 milhões de usuários de WhatsApp no país. A legislação em discussão determina que o WhatsApp deve guardar os registros da cadeia de reencaminhamentos de mensagens até sua origem, e fornecer essas informações mediante pedido judicial.
— Tudo isso, essa coleta maciça de dados para que, no caso eventual de alguém cometer um crime, poderem obter essas informações... Isso transformará todos em suspeitos, subverte a presunção de inocência.
Segundo Bello, embora a medida não implique quebrar a criptografia, porque não revela o conteúdo das mensagens, ela representa violação de privacidade ao mostrar com quem se fala. Ele afirma que o WhatsApp de hoje é muito diferente do aplicativo em 2018, quando foi usado para disseminação de notícias falsas durante as eleições. Na ocasião, a plataforma teve de suspender 400 mil contas.
— Introduzimos várias modificações para reduzir a viralização de algumas mensagens — afirma.
O número de vezes que uma mensagem pode ser reencaminhada foi reduzido de 20 para 5, o que, segundo Bello, já diminuiu em 30% o número de reencaminhamentos. Em abril deste ano, o WhatsApp passou a permitir que as mensagens que estejam viralizando sejam reencaminhadas apenas uma vez. Bello voltou a enfatizar que apenas 5% de todas as mensagens trocadas pelo aplicativo são reencaminhadas.
A plataforma defendeu a proibição de envio em massa de mensagens de WhatsApp durante as eleições, o que foi incorporado na regulamentação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotada em novembro do ano passado.
A empresa também está acionando judicialmente agências que fazem disparos em massa, como a Yacows. E está cooperando com agências de checagem de fatos para criar chatbots no WhatsApp, como o da International FactChecking Alliance, para combater fake news sobre a pandemia de covid-19, e canais de informação reunindo ministérios da Saúde de vários países, entre eles o Brasil.
— Essa é nossa visão de como combater desinformação — diz Bello.
Segundo ele, a coleta e o armazenamento maciço de dados exigidos pela lei vão contra o modelo de negócios do WhatsApp. Ele lembra que o WhatsApp é uma plataforma global e, eventualmente, essas mudanças poderiam passar a valer em países não democráticos.
— É muito arriscado guardar todas essas informações. Imagine um hacker? Rastreabilidade de mensagens é um presente para governos autoritários; é um problema não apenas de privacidade, mas também de direitos humanos — questiona.
Bello afirma que o WhatsApp colabora com a Justiça ao fornecer os dados já previstos pelo Marco Civil da Internet — os logs de acesso, detalhes sobre quando uma determinada pessoa entrou e saiu do aplicativo, e o IP usado. E que está disposto a aperfeiçoar isso, fornecendo essas informações de maneira mais eficaz e rápida, sempre a partir de pedido judicial.