SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A multinacional brasileira Randon, que fabrica implementos rodoviários (como reboques para caminhões), vagões ferroviários e autopeças reativou suas fábricas em Caxias do Sul (RS) nesta semana em meio à pandemia do coronavírus.
À reportagem, o diretor-executivo da empresa, Daniel Randon, afirma que a empresa "provavelmente usará [dispositivos de] flexibilização de jornada e suspensão de contratos de trabalho" previstos na MP 396. A proposta é uma questão de tempo, segundo ele. A companhia tem 11.200 funcionários e teve receita de R$ 7,3 bilhões no ano passado.
Nesses casos, pelo texto da MP, os salários são reduzidos e o governo paga uma compensação ao trabalhador de acordo com o valor do seguro-desemprego ao que ele teria direito.
Randon diz que a indústria vai buscar reforçar investimentos em ganhos de produtividade e inovação neste momento de retração da economia.
A companhia, uma das maiores indústrias do país, reiniciou suas atividades com 25% dos funcionários. A decisão de retomada, segundo Daniel Randon, leva em consideração o caráter de serviço essencial das atividades da empresa e é reavaliada em tempo real.
"Não sabemos como a flexibilização da nossa produção pode afetar a curva [da pandemia], estamos revisitando o cenário o tempo todo", disse ele por telefone de seu escritório em Caxias do Sul.
Na entrevista, Randon afirma que a dificuldade de obtenção de crédito pelas empresas é um fator preocupante, mas se diz otimista com relação à atratividade do Brasil aos olhos dos investidores. "Quando você olha as oportunidades no mundo, o Brasil ainda é um ativo interessante para ser visto."
MEDIDAS CONTRA O CORONAVÍRUS
"Sentimos o impacto do coronavírus desde o início do ano porque temos nossa unidade da Fras-le Asia [fabricante de autopeças] na China, em Pinghu, perto de Shangai, com 130 colaboradores. A unidade parou a operação no Ano Novo Chinês e continuou parada por um tempo a pedido do governo por causa do surto de coronavírus.
Retomamos a produção só com 60% da capacidade em fevereiro. Havia uma restrição de mobilidade feita pelo governo e alguns colaboradores não conseguiram voltar à cidade.
Temos quatro brasileiros lá com suas famílias. À época oferecemos a eles a opção de voltar ao Brasil, mas eles preferiram lá. Tiveram de voltar duas semanas depois que a fábrica reiniciou a operação, por restrições do governo local. Enviamos máscaras e termômetros para lá, e não tivemos nenhum caso confirmado.
No caso da Randon no Brasil, começamos a ver pelo início de março que o coronavírus vinha forte, que o Brasil era afetado e fomos nos programando para entrar em férias coletivas, que se iniciaram em 23 de março por 20 dias nas nossas unidades em Caxias do Sul.
Sabíamos que a retomada seria gradual, a prefeitura da cidade agora permite a retomada de 25% do quadro de funcionários e fizemos isso. Estamos com 2.000 empregados trabalhando neste primeiro momento e criamos uma dinâmica na entrada de forma organizada e com orientações de prevenção.
Medimos a temperatura, usamos pulverizadores para higienização dos espaços, disponibilizamos máscaras de tecido para todos e temos equipamentos com tecnologia ultravioleta para esterilizar superfícies.
Temos atendimento médico domiciliar para quem tem sintomas do vírus. Em fevereiro, já havíamos restringido as viagens, especialmente depois do carnaval. Temos espaçamento de mesas nos refeitórios, regras de distância mínima de pessoas, cuidados para não ter aglomeração.
Mesmo com menos funcionários, mantivemos praticamente o mesmo quadro de transporte de ônibus fretado e fazemos um escalonamento do horário de saída dos funcionários para evitar que haja aglomeração no vestiário e nos ônibus.
A retomada dos trabalhos é fundamental porque o transporte de cargas é essencial no país. Nosso negócio é 70% baseado em agronegócio, um segmento que não parou.
Além disso, temos um mercado de reposição de peças que precisamos atender. Não precisamos escolher entre vida ou economia, mas buscar equilíbrio e pensar nos dois em um novo momento de trabalho."
CRISE ECONÔMICA
"Vai existir uma recessão global como resultado dessa pandemia e no Brasil o PIB negativo em 2020. Nossa visão é de calma nesta hora, para avaliar o cenário. A empresa tem trabalhado neste momento com férias, e vamos provavelmente usar [os dispositivos] de flexibilização de jornada e suspensão de contratos.
Trabalhamos com o sindicato patronal e vamos buscar um acordo [coletivo com propostas aos sindicatos]. Não temos uma proposta formal ainda, mas sabemos que é questão de tempo para definir isso.
Ao mesmo tempo, essa crise é uma alternativa de buscar mais produtividade. Aceleramos um projeto piloto de home office na empresa. A crise gera oportunidades de olhar para dentro e ver o que podemos melhorar.
Não sabemos como a flexibilização [na retomada das operações] pode afetar a curva [da pandemia], estamos passo a passo revisitando o cenário. O agronegócio, que é importante para nós, é um setor que por mais que a crise mundial exista, continua em atividade. As pessoas continuam consumindo, a exportação de grãos vai bem no país e a atual taxa de câmbio [com real desvalorizado] pode contribuir para isso.
O que me preocupa é a questão [da concessão] de crédito por parte dos bancos. Mas os governos têm injetado recursos na economia. Talvez comprar dívida dos bancos fosse uma solução. Buscar junto ao BNDES mais alternativas de financiamento de bens de capital pode reduzir a paralisia da economia que o vírus trouxe para todos.
Não sabemos o efeito da parada [dos negócios] ainda, mas haverá dinheiro injetado. Como consequência, nosso déficit fiscal será enorme, embora seja por uma nobre causa."
QUEDA NOS INVESTIMENTOS
"Sem dúvida, no primeiro dia [de paralisação dos negócios com a pandemia] pensamos 'cash is king' [do inglês, o caixa é o rei, sinaliza preservar recursos e cortar despesas]. É normal, quando a operação reduz, você preservar capital de giro.
É preciso fazer um trabalho forte junto a clientes, fornecedores, bancos. Aqui, temos o banco Randon, que apoia parte da nossa rede de fornecedores e clientes. Sem dúvida, todo o mundo vai segurar os gastos. Num primeiro momento, revisitamos os investimentos, os que tinham caráter de expansão são postergados.
Mas nós não temos postergado investimentos de produtividade, inovação e aumento de tecnologia, e sim reforçado. É uma maneira de agregar demanda, buscamos lançar produtos mais leves, que podem trazer economia de combustível de 15% a 20% para o caminhão, por exemplo."
BRASIL
"O país estava em um caminho importante de crescimento econômico, pós-aprovação da [reforma da] Previdência, quando a pandemia chegou.
Eu olho o copo meio cheio. Vamos sofrer agora, vamos ter retração da atividade econômica, mas o Brasil tem juros baixos e um agronegócio fortalecido.
Os EUA e a Europa estão sofrendo com o coronavírus, mas já estavam em processo de estagnação, com mercado em redução. Quando se olha as oportunidades no mundo, o Brasil ainda é um ativo interessante para ser visto.
É difícil prever o que vai acontecer amanhã ou daqui a dois meses, mas acho que sofremos até o fim do ano e negócios vão voltar a crescer. A roda não pode parar de girar 100%."