Os bancos emprestaram 28,2% a mais às empresas em março, enquanto as novas concessões às famílias tiveram queda de 11,4%, segundo dados do Banco Central divulgados nesta terça-feira (28). Em razão da crise gerada pela pandemia do coronavírus, grandes empresas se anteciparam e tomaram linhas pré-aprovadas para fazer caixa, o que pode explicar a alta no mês passado.
De acordo com dados semanais atualizados pela autoridade monetária nesta segunda-feira (27), de 16 a 20 de março, o volume de concessões para empresas, que vinha entre R$ 20 bilhões e R$ 40 bilhões, aumentou para R$ 52 bilhões. O ritmo se manteve na semana seguinte (23 a 27 de março), com R$ 52,1 bilhões em novos financiamentos.
Nas duas semanas posteriores (30 de março e 10 de abril), as concessões alcançaram patamares mais baixos, com R$ 34,2 bilhões e R$ 32,3 bilhões, o que indica que a alta mais intensa se deu no início do avanço da pandemia no Brasil.
Não há dados de concessões por porte da empresa, mas o estoque das grandes companhias aumentou 8,97% em março. As pequenas e médias tiveram acréscimo de apenas 2,10% no saldo.
— As linhas pré-aprovadas são fruto do relacionamento da empresa com o banco e se aplica em modalidades como capital de giro, conta garantida e desconto de duplicatas — explicou o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha.
Segundo ele, com os dados disponíveis não é possível afirmar, no entanto, se esse crédito veio ou não de linhas pré-aprovadas.
— Ainda assim, é importante ressaltar que, não é porque é crédito pré-aprovado que não é geração de crédito novo. Se o financiamento está disponível, mas o cliente não usa, a operação não ocorreu — pontuou.
Recentemente o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que, no início da crise, grandes empresas com linhas pré-aprovadas resgataram esses créditos para fazer caixa e enxugaram os recursos disponíveis no sistema financeiro.
— Da mesma forma que, quando um produto fica escasso no mercado ou numa loja, o preço sobe, acontece coisa parecida no mundo financeiro. Grandes empresas que tinham direito de pegar linhas para reforçar o seu caixa, que já tinham esse produto disponível, enxergaram um problema lá na frente, foram lá primeiro e resgataram esse dinheiro — analisou.
Empréstimos para famílias dentro da curva
Para as famílias, não houve movimento atípico nas concessões. Nas primeiras semanas do ano as concessões estavam entre R$ 10 bilhões e R$ 16 bilhões. No período seguinte às restrições, os novos empréstimos ficaram entre R$ 11 bilhões e R$ 14 bilhões por semana.
As famílias pegaram menos empréstimos para a aquisição de bens em março, com queda de 17,6%. O financiamento de veículos também caiu 7,7% no período.
Além disso, o cartão de crédito à vista — quando o cliente paga o valor total da fatura — teve contração de 3,4%. Houve aumento em modalidades mais caras, como parcelamento de fatura, com elevação de 7,8% e o rotativo, quando o cliente não paga o valor total da fatura, com 7,1%.
— Em momento de incerteza, podemos deduzir que as famílias adiaram a compra do carro e, pelo distanciamento social e fechamento do comércio, usaram menos o cartão de crédito — analisou Rocha.
A concessão de crédito pessoal consignado, descontado diretamente do salário, para servidores públicos diminuiu 3,2% no período. Para o trabalhador da iniciativa privada, teve alta de 1,2%. O não consignado total, que tem taxas de juros maiores, no entanto, subiu 20,9%.
Em 16 de março, as medidas de restrição impostas pelo governo para conter a propagação do vírus foram intensificadas. Na ocasião, a autoridade monetária liberou R$ 135 bilhões dos depósitos compulsórios dos bancos, primeira medida de injeção de liquidez no sistema financeiro.
Liquidez é a quantidade de recursos disponíveis nas instituições financeiras. Quanto mais dinheiro em caixa, maior a possibilidade de aumentarem a concessão de crédito.
Os números divulgados pelo BC foram registrados na série ajustada sazonalmente, em que particularidades do período são descontadas para facilitar a comparação. No total, foram R$397 bilhões em novos créditos, com aumento de 3,5% em relação a fevereiro.
— Entre fevereiro e março, a diferença de dias úteis é significativa. Em fevereiro há o Carnaval e o mês é mais curto. Março é um mês maior, fator que superestima as concessões observadas, por isso passamos a divulgar as dessazonalizadas — afirmou Rocha.
O estoque total de crédito cresceu 2,9% em março e ficou em R$ 3,6 trilhões, puxado pelos financiamentos tomados por pessoas jurídicas, que aumentou 6,4%. O saldo de crédito para as famílias cresceu apenas 0,3% no período. O saldo representa todo o montante de crédito do sistema financeiro, não só novos empréstimos.
Crédito para capital de giro subiu 148,9% em março
Em março, houve aumento expressivo nas concessões às empresas em capital de giro com prazos mais curtos, que subiu 148,9%, antecipação de recebíveis, 48,6% e desconto de duplicatas, 42,3% -modalidades utilizadas para fluxo de caixa.
Os adiantamentos sobre Contrato de Câmbio (ACC) tiveram o maior aumento entre as modalidades para empresas, com 297,8%. Os financiamento de exportações e importações também tiveram escalada de 265,9% e 128,7% respectivamente.
— Sobre o crescimento de concessões em modalidades de comércio exterior, em ACC principalmente, indica que as empresas aproveitaram a desvalorização cambial para anteciparem o crédito que elas tomariam ao longo do ano. Como a garantia da operação é a moeda estrangeira, se ela é valorizada, aumenta o crédito disponível nesta linha — disse Rocha.
Para Rocha, não há empoçamento de crédito.
— Na literatura econômica, o termo é usado quando a liquidez fica retida nos bancos e os recursos não são emprestados. O aumento nas concessões, além do padrão sazonal, indica que não ficou empoçado, foi ofertado como crédito e sacado pelas empresas — avaliou.
Nesta segunda-feira (27), a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou que os cinco maiores bancos do país liberaram R$ 266 bilhões em novos empréstimos durante a pandemia, entre contratações, renovações e parcelas suspensas, aumento de 22,2% em relação a março do ano passado. A entidade, no entanto, não informou quanto teria sido de linhas pré-aprovadas.
A taxa média de juros das operações contratadas em março diminuiu 0,4 ponto percentual em março e 2,3 pontos percentuais em 12 meses, alcançando 22,7% ao ano. Parte desse recuo vem do aumento das concessões em ACC, que, por terem uma boa garantia, têm taxas muito baixas, em torno de 5% ao ano, detalhou o técnico do BC.
O spread diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a taxa cobrada em empréstimos caiu 0,6 ponto percentual no mês e 0,8 ponto percentual nos últimos 12 meses.