Reynner Silveira ficou sem dinheiro para comprar comida no supermercado em que costumava trabalhar. O avanço do coronavírus nos Estados Unidos (EUA), país onde mora desde 2015, fez com que o brasileiro de 30 anos e histórico asmático decidisse ficar em casa.
Assistente administrativo de uma rede varejista em Iowa, no meio-oeste americano, ele precisou abrir mão do salário de US$ 1,5 mil (R$ 8 mil) mensais porque sua doença respiratória o colocava no grupo de risco da pandemia — mercados são considerados serviços essenciais e seguem abertos nos EUA.
Sua rotina mudou completamente, assim como as perspectivas de cada vez maior dificuldade para pagar as contas e o aluguel dos próximos meses. Mas, no dia 16 de abril, Silveira recebeu US$ 1,2 mil direto em sua conta bancária. Era o auxílio pago pelo governo americano para todos os cidadãos que possuem número de seguridade social válido e declaram Imposto de Renda no país.
— Foi um alívio. Temos que garantir dinheiro para quando tem mercadoria no supermercado, e cheguei numa situação em que não tinha como comprar nada — afirma Silveira, que divide as despesas domésticas com o marido brasileiro, que também recebe o benefício.
O auxílio emergencial começou a ser pago há duas semanas aos cidadãos que vivem nos EUA, como parte do pacote de US$ 2,2 trilhões (R$ 11,8 trilhões) que o governo de Donald Trump lançou para tentar estimular a economia em meio aos graves efeitos da crise. Nesta terça-feira (28), o país registrava mais de 988 mil casos de covid-19 e pelo menos 56 mil mortes, com perspectivas de recorde de desemprego desde 1930.
O pagamento do benefício tem sido feito em parcela única de US$ 1,2 mil para quem ganha até US$ 75 mil por ano. Casais com renda conjunta de até US$ 150 mil anuais recebem US$ 2,4 mil, com adicional de US$ 500 por filho de até 17 anos. Pessoas com salário entre US$ 75 mil e US$ 99 mil por ano têm descontados US$ 5 do valor integral do benefício a cada US$ 100 acima do teto. A mesma regra de proporcionalidade vale para casais com renda conjunta de US$ 150 mil a US$ 198 mil anuais.
Para receber o benefício, não é preciso ter cidadania americana ou green card, visto que garante a residência de estrangeiros nos EUA. Segundo as regras do governo, basta ter um número de seguridade social válido, equivalente ao CPF no Brasil, e declarar imposto de renda para que o Internal Revenue Service (a receita federal americana) faça as transferências diretamente para as contas bancárias em que os contribuintes recebem suas restituições — há também a opção de envio de cheques pelo correio.
O sistema incluiu Silveira e outros brasileiros com visto de estudante ou de trabalho temporário no escopo do auxílio, mas deixou de fora milhões de imigrantes sem documento que foram atingidos em cheio pelos danos econômicos da pandemia e não podem recorrer aos canais do governo devido ao risco de deportação. A conselheira financeira Ana Paula Panori, que vive nos EUA há 20 anos e presta consultoria a brasileiros, explica que há ainda nuances que podem prejudicar, por exemplo, americanos casados com estrangeiros que não possuem o número de seguridade social.
— Se o casal faz a declaração de imposto de renda conjunta e um possui o documento e o outro, não, nenhum deles receberá o benefício, mesmo se tiverem filhos americanos. Isso é muito cruel, mas Trump não vê o imigrante como uma contribuição para a economia do país.
Viver sob a política anti-imigração dos EUA fez com que o recebimento do auxílio causasse surpresa para o músico Hudson Lourenço e a bioquímica Silvia Gasparini. Ambos acreditavam que somente cidadãos americanos receberiam o dinheiro e, como não precisaram parar de trabalhar durante a pandemia, puderam encontrar alternativas para o extra em seus orçamentos.
Aos 27 anos, Lourenço diz que o benefício vai ajudar a pagar sua aplicação para o green card. O brasileiro vive nos EUA desde 2017 e afirma que as despesas para requisitar o documento de residência permanente chegam a US$ 3 mil, mais da metade de sua renda familiar.
Trump suspendeu na semana passada a emissão de green card por 60 dias para, segundo o presidente, proteger o emprego dos americanos durante a pandemia — já são mais de 26 milhões de cidadãos que pediram acesso ao seguro-desemprego nos EUA desde o início de março. Há exceções para trabalhadores temporários, de setores essenciais e núcleos familiares, como filhos e cônjuges, como é o caso de Lourenço, que hoje trabalha como instrumentista em igrejas e professor.
Gasparini, por sua vez, tem medo de não conseguir o documento via a universidade em que faz pós-doutorado — assim, poderia ser promovida a pesquisadora — e tem planos para voltar ao Brasil. Com o salário integral de cerca de US$ 6 mil durante a crise, já que pode seguir com seus experimentos, a bioquímica decidiu usar parte do auxílio do governo americano para comprar cestas básicas para pessoas de baixa renda em São Paulo e no interior do paulista.
O fácil acesso aos benefícios do governo dos EUA, porém, não tem sido realidade para brasileiros com pequenos negócios em Massachusetts e na Flórida, Estados com as maiores comunidades brasileiras no país. Moradora de Boston, a fotógrafa Helenita Morais tem uma empresa com dois funcionários e diz que não recebeu o auxílio individual mesmo tendo filhos americanos, um de 17 e outro de 11 anos.
Sua firma está fechada há mais de um mês, o que poderia qualificá-la também para outros programas de ajuda financeira do governo, mas ela diz que não teve sucesso em nenhuma seara. Um desses planos repassa recursos a pequenos e médios empresários para pagar o salário dos trabalhadores. Se o dinheiro for utilizado na folha de pagamento durante a crise, o empréstimo será perdoado.
— Estou de mão atadas. Fiz várias aplicações, mas todas sem retorno. Tenho uma reserva, mas não sei até quando vai durar. Talvez mais um mês, se muito.
É também uma reserva, somada ao salário do marido, que não precisou parar de trabalhar, que tem dado fôlego a Andrea Vianna, produtora de eventos na Flórida. Nos EUA há quase 30 anos, a brasileira conseguiu receber o benefício individual de US$ 1,2 mil, mas também não teve retorno sobre o plano para sua empresa e teme a instabilidade econômica daqui pra frente.
— Temos uma situação privilegiada comparada à de outros brasileiros. Tenho reserva, minha empresa é pequena, sem custos muito altos, mas, se a gente não for aprovado para essa ajuda, não vamos aguentar muito tempo. Estamos vivendo um dia por vez.
O que é o benefício?
- Pagamento feito pelo governo americano para criar condições para que pessoas fiquem em casa durante a pandemia. O valor não é um empréstimo e é isento de impostos
Qual o valor?
- US$ 1,2 mil é o valor integral que será pago em uma parcela, mas há faixas de renda para o recebimento
Quem recebe?
- Pessoas que possuem um número de seguridade social válido, equivalente ao CPF do Brasil, e que declaram imposto de renda
Faixas de renda para declarações individuais
- Renda de até US$ 75 mil por ano: valor integral do benefício
- Renda de US$ 75 mil até US$ 99 mil por ano: a cada US$ 100 acima do teto é descontado US$ 5 do benefício
Faixas de renda para declarações por casal
- Renda conjunta de até US$ 150 mil por ano: valor integral do benefício por pessoa, totalizando US$ 2,4 mil
- Renda conjunta de US$ 150 mil a US$ 198 mil por ano: mesma regra de proporcionalidade
- Adicional de US$ 500 a cada filho de até 17 anos
- Acima de US$ 99 mil para indivíduos e de US$ 198 mil para casal: não recebe o benefício
Forma de pagamento
- Débito em conta para quem opta por esse sistema no recebimento/pagamento do imposto de renda
- Cheque por correio para quem não tem a primeira alternativa