SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde o fim do Carnaval, a instabilidade nos mercados de câmbio e juros e na Bolsa brasileira era atribuída aos efeitos do coronavírus sobre à atividade econômica no mundo.
Os indicadores financeiros sinalizaram com mais clareza nesta quinta-feira (5) que há também uma perda da confiança dos investidores em relação à economia brasileira.
Nesse caso, os economistas olham não apenas câmbio e Bolsas. Houve também forte alta no risco-país do Brasil medido pelo CDS (Credit Default Swap), um tipo de contrato que funciona como termômetro da confiança dos investidores em relação a economias, especialmente às emergentes.
O CDS de cinco anos do Brasil subiu 14,4%, para 129 pontos. Foi a maior alta percentual diária desde o chamado Joesley Day, em 18 de maio de 2017, dia em que veio a público a informação de que Joesley Batista gravara conversa com o então presidente Michel Temer (MDB).
Na ocasião, o risco-país teve alta de 29%, para 265 pontos.
Se o CDS sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país; se ele cai, o recado é o inverso: sinaliza aumento da confiança em relação à capacidade de o país saldar suas dívidas.
O dólar também teve nesta quinta um dia de forte alta, e a Bolsa brasileira, acompanhando os pregões no mundo, despencou. Os investidores monitoram expectativas menores para o PIB de 2020 e declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.
Segundo Guedes, a cotação do dólar pode ir a R$ 5 caso "muita besteira" seja feita.
"Pode chegar a R$ 5? Ué, se o presidente pedir para sair, se todo o mundo pedir para sair. É um câmbio que flutua, se fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível", afirmou Guedes em evento na Fiesp.
O dólar fechou o dia a R$ 4,653, alta de 1,57%. Durante o pregão, chegou a R$ 4,667, mas desacelerou a alta com o terceiro leilão de swap cambial do Banco Central no dia. A moeda americana teve o 11º recorde nominal (sem contar a inflação) seguido em uma sequência de 12 altas consecutivas a maior desde janeiro de 1999, quando o BC encerrou a política do câmbio fixo.
O dólar turismo está a R$ 4,84 na venda. Em algumas casas de câmbio, está sendo vendido acima de R$ 5.
No acumulado do ano, a moeda brasileira registra o pior desempenho do mundo, com desvalorização de 16%. Desde 30 de dezembro de 2019, quando o dólar estava a R$ 4,014, subiu R$ 0,64.
"A queda de juros não vai ter impacto na economia real. É o remédio errado para controlar a epidemia de coronavírus e seus efeitos, mas é única coisa que você pode fazer", afirma Roberto Dumas damas, professor do Insper.
Indiretamente, o risco-país também aponta expectativas em relação aos demais indicadores da economia, como o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)
Nesta sessão, o BC ofertou US$ 3 bilhões divididos em três leilões de 20 mil contratos de swap cambial cada um. A medida aumenta a oferta da moeda no mercado, já que o BC oferece contratos que remuneram o investidor pela variação cambial, o que ajuda a reduzir o preço do dólar.
A forte desvalorização do real já começa a contaminar outros mercados, como os de ações e juros, o que exigirá do BC novas atuações para evitar um movimento descontrolado da taxa de câmbio, afirma Otavio Aidar, estrategista-chefe da gestora Infinity Asset.
"É importante o Banco Central olhar para o câmbio, uma vez que ele está destoando dos demais mercados. Está começando a levar problemas para os demais mercados. Hoje, o que a gente está vendo, em boa parte da curva de juros, um pouco na Bolsa, é em razão dessa alta rápida e desordenada do câmbio", afirma Aidar.
Ele diz que não cabe ao BC atuar para reverter o movimento de desvalorização do real, mas que a instituição age corretamente ao atuar nos momentos em que o mercado fica disfuncional.
O BC anunciou que nesta sexta (6) vai ofertar US$ 2 bilhões em swap cambial.
Após o corte surpresa de 0,50 ponto percentual na taxa de juros americano na terça (3), o mercado vê mais espaço para uma redução na Selic no dia 18, próxima reunião de política monetária do BC. As projeções apontam a taxa entre 3,75% e 3,5% ao final do ano. No momento, está na mínima de 4,25% ao ano.
As Bolsas também tiveram um dia de forte queda.
Nesta quinta, a Califórnia declarou estado de emergência com a primeira morte no estado americano pelo coronavírus, o que elevou a tensão dos mercados acionários.
A Nasdaq caiu 3,10% e Dow Jones, 3,58%. O S&P 500 teve queda de 3,39%. Segundo a Bloomberg, o índice americano teve sua semana mais volátil desde 2011, quando a agência de classificação de risco S&P reduziu a nota de crédito dos títulos do Tesouro americano.
O Ibovespa fechou em queda de 4,65%, a 102.233 pontos, menor patamar desde 10 de outubro, antes de a reforma da Previdência ser aprovada no Senado. No entanto, chegou a cair 6,2% à tarde.
A avaliação entre economistas é que, além de refletir a queda das Bolsas no exterior, o mercado local agora indica também a piora da expectativa econômica no país.
Segundo Victor Cândido, economista-chefe e sócio da Journey Capital, o movimento brasileiro acompanha um cenário de aversão a risco global, no qual países estrangeiros, por serem mais arriscados, tendem a ser mais afetados. "Nesse ponto estamos em linha com o resto do mundo", diz.
O CDS de cinco anos do Chile subiu 9,5% e o da Argentina, 11,5%.
Para lan Arbetman, da Ativa Investimentos, ainda pesa no cenário brasileiro o conflito entre o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso em torno do Orçamento impositivo.
"Esses ruídos preocupam por ser necessária uma comunicação para as reformas serem aprovadas na potência e velocidade necessárias", diz o analista.
Nesta quinta, mercados no exterior também tiveram grande volatilidade. O VIX, índice de volatilidade, subiu 23,8% e voltou ao patamar da semana passada, quando as Bolsas de Valores dos Estados Unidos tiveram a pior semana desde a crise de 2008.
Na quarta (4), foi divulgado o PIB de 2019, com avanço de 1,1%, abaixo ao projetado inicialmente pelo mercado e pela equipe econômica.
Nesta quinta, porém, Guedes minimizou a responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro no resultado.
Disse que a economia já tinha estagnado desde o governo de Michel Temer e que outros fatores haviam agravado a situação.
Segundo o ministro, a tragédia de Brumadinho e o colapso da Argentina, que impactou 60% das importações de veículos do Brasil, foram os principais fatores para essa desaceleração.
Sua fala se contrapôs à de Mansueto, para quem um PIB de 1% "não é normal". Mansueto também defendeu aumento do investimento público para acelerar a retomada, ressaltando que o ajuste fiscal é que abrirá espaço para que isso, contrariando a proposta de menos Estado na economia.
"Durmo tranquilo? Não durmo. Estou muito preocupado porque a gente está em um país com crescimento muito baixo. Não é normal um país em desenvolvimento como o Brasil crescendo 1% ao ano. Isso é normal? Isso não é normal", afirmou.