BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após quase dois anos, o Bolsa Família voltou a ter fila de espera para quem deseja entrar no programa social que transfere renda para pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza.
A informação foi dada pelo ministro Osmar Terra (Cidadania) a integrantes da CMO (Comissão Mista de Orçamento) do Congresso durante reunião ocorrida há alguns dias.
"Conseguimos terminar com a fila. Agora está voltando a fila de novo em função da nossa dificuldade orçamentária", disse o ministro.
Criado em 2004, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Bolsa Família é o carro-chefe dos programas sociais do governo e atende a pessoas extremamente vulneráveis. A fila de espera se forma quando as respostas demoram mais de 45 dias.
O prazo vinha sendo cumprido desde agosto de 2017, quando Terra era ministro do Desenvolvimento Social (antiga pasta da Cidadania) de Michel Temer (MDB). Mas, por falta de recursos, o programa regrediu no governo de Jair Bolsonaro (PSL).
O Bolsa Família está funcionando no limite do orçamento para este ano. Até agosto foram gastos R$ 20,9 bilhões -uma média de R$ 2,6 bilhões por mês. Com esse ritmo, o dinheiro reservado -R$ 29,5 bilhões- pode não ser suficiente até o fim do ano.
Além disso, motivada pelo aperto nas contas públicas, a equipe econômica congelou cerca de R$ 1 bilhão, de um total de quase R$ 5 bilhões, para as atividades da pasta responsável pelo programa.
Procurado, o Ministério da Cidadania não respondeu os questionamentos feitos pela reportagem, como o número de pessoas que aguardam resposta e soluções para esse problema. A pasta só ressaltou que, antes de 2017, também havia filas. À época, a lista chegou a ter um milhão de pessoas.
A folha de pagamentos do programa flutua mensalmente segundo os processos de inclusão, exclusão e manutenção de famílias beneficiárias.
"Nos últimos meses, houve redução no número de inclusões de famílias", reconheceu, em nota, o ministério.
O governo espera que isso seja normalizado com eventual melhora da economia e uma reestruturação em estudo.
Neste ano, a cobertura chegou a 14,3 milhões de famílias em maio; desde então, registra seguidas quedas -foram 13,5 milhões em setembro.
Podem receber o benefício famílias com renda mensal por pessoa de até R$ 89, ou de até R$ 178 se houver criança ou adolescente de até 17 anos. A média do valor recebido é de R$ 188,63, segundo dados de agosto. Quase metade das famílias está no Nordeste.
Diante das dificuldades, o Ministério da Cidadania estuda uma reformulação do programa de transferência de renda. O objetivo é atender ao grupo mais necessitado.
Técnicos trabalham, portanto, em mudanças na gestão do Bolsa Família e no processo de inclusão, exclusão e manutenção de beneficiários. Não há prazo para o anúncio da reestruturação.
O Palácio do Planalto precisa também correr para cumprir uma promessa de campanha: o 13º pagamento do Bolsa Família. É necessária uma mudança na lei do programa para que o pagamento extra. Isso deve ser feito por medida provisória, que passa a valer imediatamente.
O problema será remanejar dinheiro do Orçamento, que já está apertado, para cobrir o gasto extra de R$ 2,5 bilhões estimado. O governo assegura que o benefício será transferido em dezembro.
Sem reajuste neste ano, o pagamento extra é uma forma de compensar as perdas com a inflação. A última correção foi em maio do ano passado.
A penúria fiscal do Bolsa Família, porém, tende a continuar em 2020. O projeto de Orçamento elaborado por Bolsonaro prevê o mesmo montante que em 2019 (cerca de R$ 29,5 bilhões), o que não incluiu aumento do benefício pela inflação nem o 13º.
Isso interrompe uma sequência de alta nos recursos para o Bolsa Família.
A previsão do governo é atender a 13,2 milhões de famílias no próximo ano. Essa seria a menor cobertura do programa desde 2010, quando, em média, 12,8 milhões de casas foram beneficiadas.
Portanto, em 2020, o Bolsa Família deve recuar a patamares vistos dez anos antes.
O programa é reconhecido internacionalmente como uma ação efetiva no combate à pobreza e extrema pobreza no Brasil. Em maio, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) recomendou que o país invista mais no Bolsa Família e aumente o limite de renda para que as pessoas se enquadrem no programa.
Para o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o enfraquecimento do programa não compensa, pois o Estado poderá, por exemplo, ter mais custos com saúde. Além disso, essas famílias gastam todo o dinheiro, devolvendo os recursos para a economia.
Ele cita que, em 2015 e em 2017, quando não houve reajuste, a extrema pobreza subiu 23% e 17%. "Se a rede [de atendimento] vai retrair, a extrema pobreza vai subir. Nada mais direto do que isso".
Neri avalia que, apesar de o 13º em 2019 representar um aumento acima da inflação do ano, a promessa de Bolsonaro acaba reduzindo a quantidade de famílias que poderiam ser incluídas pelo programa.
Para 2020, o Orçamento do Bolsa Família ainda não prevê o 13º. Técnicos do governo afirmam que, primeiro, precisam alterar a lei do programa.
Mas, ao elaborar o projeto orçamentário do próximo ano, a posição do governo foi diferente em relação à reforma da Previdência.
O governo também decidiu já considerar as benesses a militares das Forças Armadas, que foram dadas como contrapartida para que o grupo -aliado de Bolsonaro- participasse da reforma da Previdência.