PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) -
O governo francês disse nesta sexta-feira (23) que o presidente Jair Bolsonaro mentiu ao assumir compromissos em defesa do ambiente na cúpula do G20, em junho, e que isso inviabiliza a ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, concluído no mesmo mês.
A Irlanda também afirmou que vai bloquear a implantação do pacto caso o governo brasileiro não atue para combater os incêndios em curso na Amazônia.
Não há nenhuma chance de votarmos a favor se o Brasil não honrar seus compromissos ambientais, escreveu o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, em comunicado divulgado no fim da noite de quinta (22).
A França foi mais incisiva a respeito do presidente brasileiro: "Dada a atitude do Brasil nas últimas semanas, o presidente da República [ Emmanuel Macron] só pode constatar que o presidente Bolsonaro mentiu para ele na cúpula [do G20] de Osaka", declarou o palácio do Eliseu.
A França disse ainda que Bolsonaro decidiu não respeitar seus compromissos climáticos nem se comprometer com a biodiversidade.
"Nestas circunstâncias, a França se opõe ao acordo do Mercosul", acrescentou a presidência francesa.
Na Finlândia, o ministro da Economia, Mika Lintila, sugeriu que a União Europeia considerasse urgentemente a possibilidade de banir importações de carne bovina do Brasil.
O primeiro-ministro do país, Antti Rinne, foi mais evasivo: Temos de descobrir se os europeus têm algo a oferecer ao Brasil para ajudar a prevenir outros incêndios assim.
O governo do Reino Unido declarou-se na sexta profundamente preocupado com o aumento das queimadas e com o impacto da perda trágica destes habitats preciosos, nas palavras de uma porta-voz.
Firmado no fim de junho após 20 anos de negociações, o termo de cooperação comercial entre a União Europeia e o Mercosul prevê eliminar, em um horizonte de 15 anos, mais de 90% das tarifas praticadas hoje nas transações de mercadorias entre os dois blocos.
Além da resistência de produtores agrícolas (sobretudo na França e na Irlanda), a parceria foi alvo de críticas de ambientalistas, que ressaltavam a fragilização dos organismos de monitoramento e combate ao desmatamento sob o governo Jair Bolsonaro.
Horas após a assinatura do pacto, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que obtivera do Brasil a garantia de que o país não deixaria o Acordo de Paris sobre a mudança climática (2015), que fixa metas para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa.
No comunicado de quinta-feira, Varadkar declarou-se muito preocupado com a disparada das notificações de queimada na Amazônia (84% a mais de janeiro a 21 de agosto do que no mesmo período de 2018).
Os esforços do presidente para culpar ONGs de defesa do ambiente pelo fogo são orwellianos, afirmou o primeiro-ministro, aludindo ao escritor inglês George Orwell (1903-50) e à sua denúncia insistente de totalitarismos.
A declaração dele [Bolsonaro] de que o Brasil permanecerá no acordo do clima por enquanto deixa a Europa de antena ligada.
O pacto Mercosul-UE ainda precisa passar pelo crivo dos chefes de Estado e governo europeus, antes de ser submetido ao Legislativo de cada integrante do bloco e ao Parlamento Europeu. O processo deve levar ao menos mais dois anos.
Ao longo desse período, vamos monitorar de perto as ações ambientais do Brasil, sinalizou Varadkar.
Não se pode pedir a fazendeiros irlandeses e europeus para usar menos pesticidas e fertilizantes [...] se não fecharmos acordos comerciais sujeitos a parâmetros decentes nos quesitos ambiental, trabalhista e de normas de produção.
Também na noite de quinta, em uma publicação na internet, Emmanuel Macron classificou como crise internacional a situação amazônica e instou os líderes do G7 a discutir essa emergência na cúpula a ser realizada de sábado (24) a segunda (26), em Biarritz (sul da França).
Nossa casa arde. Literalmente. A Amazônia, pulmão do nosso planeta que produz 20% de nosso oxigênio, está em chamas, escreveu ele.
Na sexta, o governo alemão fez coro. Um porta-voz da chanceler Angela Merkel disse que os incêndios na floresta representam uma situação urgente que deve ser debatida no encontro deste fim de semana.
A magnitude das queimadas é preocupante e ameaçadora, não só para o Brasil e outros países afetados, mas para todo o mundo, completou ele.