RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O esforço do governo para cortar os custos do Censo Demográfico de 2020 gerou uma crise entre o comando do IBGE e trabalhadores do instituto, que reclamam de intervenção federal na escolha do economista Ricardo Paes de Barros para propor medidas de economia.
O governo alega que restrições orçamentárias impedem a liberação dos R$ 3,4 bilhões orçados inicialmente. Indicada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para presidir o IBGE, Susana Cordeiro Guerra já determinou um corte de 25% no valor original.
O processo preocupa não só pesquisadores e funcionários do IBGE: uma campanha contra os cortes reunindo entidades de classe ligadas a estatísticos, geógrafos e outras categorias foi lançada e ganhou o reforço de personalidades como o médico Drauzio Varella, colunista da Folha de S.Paulo.
"Só o Censo traz informações de cada cidade, cada bairro do Brasil. Ficar sem o Censo significa não saber quantas crianças vivem em cada bairro de cada cidade para calcular a quantidade de vacinas necessárias", disse Varella, em vídeo da campanha.
Realizado a cada dez anos, o Censo Demográfico é a maior pesquisa do IBGE, que visita cada um dos cerca de 70 milhões de domicílios brasileiros para obter informações sobre as características de seus moradores e suas relações com o trabalho e os serviços essenciais, por exemplo.
Os resultados são usados no planejamento de políticas públicas e para definir a distribuição de recursos do governo federal por meio dos fundos de participação de estados e municípios ou de programas específicos, como o Fundeb (voltado à educação básica).
Não está em debate a realização ou não do Censo 2020, mas o seu tamanho.
A principal linha para se alcançar a almejada economia é a redução do questionário com 149 perguntas, para que os pesquisadores passassem menos tempo nas residências.
Em comunicado à imprensa, o IBGE defendeu que não haverá perda de informações.
Dentro do instituto, porém, há críticas quanto à terceirização da revisão do questionário, que vem sendo desenvolvido internamente ao longo dos dois últimos anos.
"A gente vê isso como uma intervenção, porque tirou do corpo técnico o papel de planejar o questionário", disse Dione Oliveira, dirigente da Assibge (associação que reúne os servidores do instituto).
"O processo normal tem um conjunto de eventos, seminários, consultas públicas, em que se ouvem diversas fontes."
A preparação para o Censo 2020 começou há cerca de dois anos. A dificuldade para levantar os recursos já foi tema de alertas e queixas dos dois presidentes anteriores do instituto, Paulo Rabello de Castro e Roberto Olinto.
Porém, como a maior parte dos gastos se dá na coleta dos dados, a missão coube a Cordeiro. Logo em sua posse, o ministro da Economia, Paulo Guedes, avisou que haveria restrições orçamentárias.
"Eu sugiro que sejamos espartanos, façamos uma coisa bem compacta, façamos o essencial. E nós vamos tentar de toda forma ajudar", discursou o ministro, que chegou a sugerir a venda de prédios do IBGE para obter recursos.
No IBGE, o clima é de frustração, nas palavras de um servidor do instituto. Não se sabe ainda que proposta será entregue por Paes de Barros, mas a avaliação é que o corte do questionário pode não ter grande efeito sobre os gastos, mas alto risco de perda de informações importantes.
"Ter uma pessoa externa [coordenando o corte de gastos], que não conhece efetivamente a operação em campo, é bastante temeroso", disse Paulo Jannuzzi, doutor em Demografia e professor da Escola Nacional de Estatísticas do IBGE.
Ex-presidente do IBGE durante o governo Dilma Rousseff, Wasmália Bivar pondera que uma campanha de mobilização da população para receber recenseadores poderia reduzir custos, ao evitar que eles tenham de voltar muitas vezes ao mesmo endereço.
Bivar frisa, porém, que uma operação como o Censo é naturalmente cara.
O planejamento para 2020 prevê a contratação de mais de 250 mil temporários para coletar e processar as informações. "É a maior operação fora de períodos de guerra", afirmou.
Em 2010, a pesquisa foi orçada em R$ 1,6 bilhão --o equivalente hoje a cerca de R$ 2,8 bilhões. Quase dois terços do valor foi usado para pagar 190 mil recenseadores. O IBGE não respondeu ao pedido de entrevista sobre o tema.