Em uma rápida pesquisa no arquivo digital de discursos da Câmara dos Deputados, é possível verificar que o presidente Jair Bolsonaro - que foi deputado federal por 28 anos - subiu à tribuna várias vezes para reclamar do contingenciamento feito pelos governos da época, sempre no sentido de corte orçamentário.
Por várias vezes, comparou o bloqueio de recursos federais a "roubo". O foco de Bolsonaro em seu período como deputado era, quase sempre, o congelamento das verbas para as Forças Armadas.
Agora, como presidente da República, o ex-deputado deve promover um contingenciamento de mais de 40% das verbas dos militares, segundo estimativa do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
— Querer acabar com as Forças Armadas é uma coisa, mas não podemos admitir que o governo, com recursos já um tanto diminutos para as Forças Armadas, continue contingenciando o pouco que elas têm — reclamava Bolsonaro em 2003, no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
— Dado o contingenciamento de recursos, os soldados que prestam o serviço militar obrigatório em Brasília não têm jantar. [...] A reclamação que tem chegado é a de que esses soldados, muitos com o abrigo de sua unidade, passeiam à noite no Carrefour Norte e ficam beliscando uma banana perdida aqui, uma uva um pouco mais estragada ali, um saco de biscoito aberto mais adiante — discursou meses depois.
No ano seguinte, classificava como "roubo" o bloqueio de verbas:
— Do nosso Fundo de Saúde (dos militares), descontado em nosso contracheque, metade é contingenciado, o certo seria dizer roubado, e vai para o tal superávit primário, para pagamento dos juros da dívida.
Nesta quinta-feira (16), Bolsonaro se irritou com uma pergunta feita por uma jornalista da Folha sobre os cortes na educação e afirmou que o jornal não deveria contratar "qualquer uma para ser jornalista, ficar semeando a discórdia e perguntando besteira e publicando coisas nojentas por aí". Ele se alterou após a repórter ter usado o termo "corte" na pergunta, e não "contingenciamento". Minutos antes, o próprio presidente havia usado o a palavra "corte" ao falar do bloqueio de verbas.
Em determinado momento, ele foi orientado pelo secretário de comunicação da Presidência da República, Fabio Wajngarten, a usar a palavra "contingenciamento" em vez de "corte".
— O corte de verbas, você tem que entender, não é maldade de ninguém. Não tem dinheiro. Então... (Wajngarten diz para o presidente falar 'contingenciamento') o contingenciamento, que é a palavra certa, foi um pequeno percentual nas despesas discricionárias — disse Bolsonaro.
O que é contingenciamento?
Um gasto contingenciado é uma despesa congelada que não pode ser executada sem o sinal verde da Secretaria de Orçamento. No entanto, normalmente, o bloqueio acaba se traduzindo num corte de gastos porque, ao represá-lo ao máximo, o governo reduz o prazo para que os respectivos órgãos executem seus programas e despesas ao longo do ano Em geral, somente despesas prioritárias, como água, luz, transporte e outros serviços de atendimento ao cidadão são preservados com a liberação dos gastos congelados Investimentos vêm sendo sacrificados desde o governo dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer.
Entenda como funciona
A Secretaria de Orçamento recebe, mensalmente, um relatório da Receita Federal com o detalhamento da arrecadação de tributos Os técnicos então cruzam esse balanço com a previsão de gastos obrigatórios e discricionários (somente estes podem ser remanejados) que consta na Lei Orçamentária Anual aprovada pelo Congresso Quando falta dinheiro, a secretaria só tem duas alternativas previstas em lei: cortar definitivamente gastos ou fazer um contingenciamento (bloqueio).
Em ambos os casos, essa manobra só é permitida para a parte discricionária das despesas, incluindo investimentos. Essa parcela hoje equivale a cerca de 7% do Orçamento Como a economia e arrecadação podem melhorar ao longo do ano, os técnicos costumam segurar o cancelamento definitivo da despesa ao máximo. Em vez disso, fazem um bloqueio do gasto, o chamado contingenciamento.