Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, especializado em classe C, vê a retomada do consumo a partir deste ano, mas sem a euforia do passado recente. Mesmo com a lenta retomada da economia, essa faixa da população está disposta a gastar, mas sem ostentar. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como a classe C vai gastar mais, se a taxa de desemprego ainda é alta e a recuperação da economia está lenta?
Há uma demanda reprimida. A crise já teve situações bem piores do que a se tem hoje. Essas pessoas foram adiando o sonho de consumo. No primeiro sinal de restabelecimentos, elas vão começar a comprar aquelas coisas que adiaram.
Diferente de 2010 e 2011?
Não vamos observar nenhum boom de consumo como houve em 2010 e 2011. Por três razões: gato escaldado tem medo de água fria. Os que se endividaram, aprenderam a dor de perder o que conquistaram. Outro motivo é porque não houve ainda melhora da economia. A terceira razão tem a ver com experiência. O consumidor da classe C cresceu na última crise buscando preço, procurando melhor relação custo-benefício, reclamando dos produtos que não eram de boa qualidade. Ele amadureceu. Esse amadurecimento é um caminho sem volta e vai ditar como vai ser nos próximos anos.
Como é essa nova classe C?
Essa nova/velha classe média continua sendo o principal mercado consumidor do Brasil para uma série de categorias. Isoladamente, é o maior consumidor de bens e consumo, mais do que as classes A, B, D e E juntas. Antes, a classe C pensava mais parecida. Hoje, é mais empreendedora e consciente do consumo.
As marcas talebans sumirão?
Sim. As "B brands" (marcas de segunda linha) passaram a ser feitas pelas indústrias que produzem as marcas líderes. O desafio das empresas agora vai ser como elas vão se reapresentar aos consumidores. Para retomar liderança, vão ter de investir fortemente em inovação e ter nova proposta de valor aos consumidores.
Então, as empresas também tiveram de fazer mudanças?
Sim. Nas crises anteriores, o consumidor para não abrir mão de uma categoria de produto, abria mão da marca. Só que as marcas mais baratas eram de qualidade duvidosa. Não à toa, quando tinha respiro da economia, o consumidor voltava para marcas líderes. Agora, nesta última crise, ao migrar para outras marcas, encontraram produtos com quase a mesma qualidade das marcas líderes. Perder é muito mais que deixar de ganhar. Os consumidores, ao encontrar essas marcas boas, não precisam voltar para líderes para ter qualidade. O consumidor, agora, não acha mais chique pagar mais caro. Chique é a melhor relação custo-benefício.
O que o consumidor deixou de compra na crise?
Máquinas de lavar. Geladeira de duas portas. Se quebrava, mandava reformar. Além de smartphone. O consumidor passou a comprar aparelhos usados. O mercado de segunda mão cresceu com a crise.
O consumidor vai mudar a maneira de gastar dinheiro?
Não tenho dúvida de que vai pensar melhor onde aplicar o dinheiro. O consumidor esta mais maduro.
Em que sentido?
Esse consumidor entende melhor quando deve comprar no atacarejo ou no mercadinho do bairro. Está mais informações sobre as marcas. O poder está com ele. E agora ele sabe o que está comprando, situação diferente da de 2010.
E usa a tecnologia a seu favor?
As novas tecnologias impactaram a forma do consumidor gerar renda. No passado, a pessoa que tinha comprado um carro em 60 meses, venderia o veículo em momento de aperto. Hoje, vira Uber. Se tem um produto que não usa mais, vende na internet. E usa a tecnologia a seu favor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.