Muitos brasileiros estranharam a informação de que o principal indicador de inflação do país tenha fechado 2017 em apenas 2,95%, abaixo do piso da meta definido pelo Banco Central, que é de 3%. Além disso, se consolidou como a menor taxa desde 1998. A dúvida é legítima: como a inflação pode ser tão tão baixa se só o gás de botijão, por exemplo, aumentou 16% no ano passado?
Uma das explicações é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação, é composto por nove grupos. No topo da lista está a alimentação, com maior peso (24,55%), que fechou com o maior recuo no acumulado do ano passado: 1,87%. Conforme o IBGE, essa foi a primeira vez na história que alimentação terminou o ano com redução de preço.
Outro grupo que registrou baixa geral, de 1,48%, foi o de artigos de residência, com peso de 3,99% na composição do IPCA. Esses números ajudam a explicar porque cada pessoa tem o que se chama de inflação própria. O professor de economia da UFRGS Flávio Flingenspan observa que quem não tem plano de saúde, por exemplo, não vai sentir o aumento de 6,52% em saúde e cuidados pessoais. Por outro lado, se usa o carro diariamente, vai perceber no bolso aumento de 4,10% do grupo transporte, que tem peso no IPCA de 18,14%, o segundo mais alto.
— Minha família, certamente, tem uma estrutura diferente daquela que o IBGE considera para fazer o cálculo da inflação. A estatística é bem construída, mas é uma média do padrão de consumo do brasileiro. Algumas famílias ficam abaixo desta média. Outras ficam acima. É normal que nem todas se sintam representadas.
O economista cita, também, a visibilidade que alguns produtos têm, fator que influencia na percepção da inflação pelo cidadão comum.
— Quando os preços caem, ninguém enxerga, e logo alguns supõem manipulação. Combustíveis e energia elétrica, quando aumentam, são vistos de cara. Na área de alimentos, alguns preços foram rebaixados, o que justifica a inflação baixa, mas isso não é visto pelo consumidor.
Devido à boa safra registrada no país, os alimentos ajudaram a conter o aumento geral do IPCA. Os feijões do tipo carioca (-46,06%), mulatinho (-44,62%) e preto (-36,09%) foram os que apresentaram as menores variações. O açúcar cristal (-22,32%), as frutas (-16,52%), o leite em pó (-9,56%) e o longa vida (-8,44%) também apresentaram queda de preço no acumulado do ano.
Economista e professor da PUC, Alfredo Meneghetti Neto considera paradoxal a inflação estar sob controle, inclusive abaixo do piso da meta do Banco Central, ao mesmo tempo em que há um cenário adverso, com desemprego crescente na iniciativa privada e atraso de salários no setor público.
— Isso cria uma dificuldade de entendimento, mas a inflação está baixa porque o consumidor está inerte, não tem dinheiro para comprar — diz.
Depois de um período de crise econômica profunda, se donos de mercado veem seus estoques com pouca procura e percebem que há alimentos se aproximando do prazo de validade, precisam recorrer a promoções para não perder a mercadoria e conseguir pagar fornecedores e funcionários, justificando o déficit no grupo alimentação.
Entenda o IPCA
O Conselho Monetário Nacional (CMN) fixa a meta de inflação a ser atingida no país. O Banco Central, cujo presidente integra este conselho, é responsável por atingir essa meta valendo-se, principalmente, da taxa de juro. As regras determinam que o índice de referência nesse sistema é o IPCA, escolhido por representar uma média do consumo mensal de produtos como arroz, feijão, gasolina e remédios.
Um dos motivos pelos quais o IPCA foi escolhido como balizador é o fato de que é um dos mais abrangentes em termos de representação de perfil de consumo. Cabe ao Banco Central não deixar os preços destes itens dispararem, contendo a inflação. Quando os preços moderam a velocidade de alta, o BC pode reduzir o juro, como fez de forma intensa durante 2017.
— O Banco Central monitora o índice e toma medidas para manter os preços e tentar cumprir a meta. Então, o IPCA é a estrutura de consumo da população brasileira — detalha Flávio Flingenspan.
Alfredo Meneghetti Neto lembra que esse é o índice mais importante do país e engloba 200 produtos de diferentes setores.
Grupos que compõem o IPCA
Grupo Peso Variação
Alimentação 24,55% -1,87%
Transporte 18,14% 4,10%
Habitação 15,85% 6,26%
Saúde e cuidados pessoais 12,04% 6,52%
Despesas pessoais 10,96% 4,39%
Vestuário 5,93% 2,88%
Educação 4,84% 7,11%
Artigos de residência 3,99% -1,48%
Comunicação 3,66% 1,76%