Após acumular queda de 45% em três anos, as vendas de veículos no mercado doméstico começam reação em marcha lenta. Os emplacamentos de automóveis de passeio e comerciais leves voltaram a subir entre janeiro e junho, a primeira alta semestral desde 2013, mas revendedores, indústrias e especialistas avaliam que ainda vai demorar pelo menos seis anos para o país alcançar o nível de demanda de quatro anos atrás. Na indústria, a recuperação é mais forte, ajudada pelas exportações.
Dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) mostram que, no primeiro semestre de 2017, as vendas internas de novos cresceram 4,2% em relação a igual período do ano passado, o que levou a entidade a revisar para cima a projeção para o resultado o ano.
A expansão, que era estimada pela entidade em 2,4% passou a ser de 4,3%, chegando a 2,017 milhões de unidades. O mesmo fez a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que elevou a expectativa de crescimento da produção de veículos de 11,9% para 21,5%, em razão do avanço nos embarques para o Exterior. Caso se confirme, sairão das fábricas este ano 2,62 milhões de veículos.
Especialista na área, a analista de mercado Tereza Fernandez, sócia da MB Associados, que auxilia nas projeções da Fenabrave, entende que o fundo do poço do setor ocorreu há alguns meses, mas uma recuperação mais vigorosa ainda está distante. Voltar no mercado interno aos patamares de vendas de 2013, na ordem de 3,57 milhões de automóveis e comerciais leves, só em 2022 ou 2023, estima Tereza. A boa notícia, porém, é que o pior parece ter ficado no retrovisor:
– No acumulado de 12 meses, abrimos o ano com queda de 26%. Agora, estamos com retração de 7%. Há uma tendência de recuperação. A curva mudou. Mas é uma recuperação suave, discreta – pondera Tereza.
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Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria especializada Jato, lembra ainda que o crescimento do primeiro semestre de 2017 precisa ser visto com um pouco de ceticismo em razão da base de comparação muito baixa de igual período do ano passado, resultado da recessão atravessada pelo país.
– O mercado está de lado, estabilizando-se em um patamar um pouco superior, com leve tendência de crescimento, mas vai demorar de seis a sete anos para voltarmos ao nível de 2013 – entende Kalume Neto, em uma projeção em linha com a MB Associados.
A despeito da crise política sem previsão de desfecho, fatores macroeconômicos influenciaram de forma positiva o mercado, avalia Tereza. Entre eles, juros em queda e inflação em trajetória descendente, aumentando a renda disponível ao consumidor.
Ao mesmo tempo, a percepção de que as reformas trabalhista e da Previdência tinham boas perspectivas de aprovação – pelo menos até o estouro da delação da JBS – ajudaram a espalhar mais otimismo entre agentes econômicos. O câmbio relativamente comportado e a estabilização dos índices de desemprego, apesar de ainda altos, também ajudaram. Mesmo assim, observa Tereza, os bancos seguem restritivos em relação ao crédito.
Para Kalume Neto, o desemprego ainda alto é um fator inibidor para a retomada mais forte do mercado. Ele observa que o cliente pessoa física está mais retraído do que sugerem os números de emplacamentos. Nos últimos cinco anos, observa o especialista, a fatia dos frotistas – como locadoras de carros e empresas que compram grande número de unidades – no total de automóveis vendidos passou de 22% para 35%.
No Rio Grande do Sul, o ritmo das vendas está abaixo da média nacional. No primeiro semestre, foram emplacados 56,88 mil automóveis e comerciais leves no Estado, 0,47% a menos ante igual intervalo de 2016. O presidente do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado (Sincodiv-RS), Fernando Esbroglio, avalia ser possível encerrar o ano no azul, acompanhando o movimento observado no país.
– Poderemos ter um crescimento de 2% a 3% – projeta.
O aumento da produção, por enquanto, não se reflete no emprego. Conforme a Anfavea, a indústria automobilística encerrou o primeiro semestre com 121,6 mil postos de trabalho, 5% abaixo de junho do ano passado e 22% aquém de igual mês de 2013, melhor ano da indústria.
O que avaliar para saber se é hora de comprar
Se a economia parece ter parado de cair, a taxa de desemprego estabilizou (apesar de ainda estar alta), os juros e a inflação estão em queda, é hora de comprar um automóvel novo? A resposta é depende, pondera o economista e educador financeiro Everton Lopes. Um dos pontos a serem avaliados, lembra, é a segurança na pessoa no emprego. Se há risco de demissão ou de o trabalho diminuir, melhor é segurar o ímpeto.
É preciso ainda, no caso de financiamento, calcular quanto da renda as parcelas vão comprometer. O ideal é que não ultrapasse 20%, afirma Lopes, ressaltando que o interessado não pode esquecer de outros itens que pesam no bolso, como seguro, IPVA e gastos com combustível e estacionamento. Ou seja, é preciso que a decisão seja planejada, ponderando inclusive se não é melhor, no momento, investir em uma boa manutenção no veículo atual.
– O ideal é comprar à vista, porque é possível barganhar desconto. Juro zero não existe – diz Lopes, fazendo referência a um apelo de divulgação usado pelo mercado.
Para Milad Kalume Neto, da consultoria Jato, a situação da indústria ainda com alta ociosidade faz com que o momento seja propício para negociar descontos ou melhores condições. Mas isso para quem tiver segurança de que vai conseguir honrar os compromissos, ressalta:
– É preciso pesquisar, não fechar negócio na primeira concessionária.
A pedido de Zero Hora, o IBGE calculou a variação da IPCA e do automóvel novo no país desde 2012 – a última vez que o governo federal desonerou os automóveis do IPI. De janeiro daquele ano a maio de 2017, enquanto a inflação oficial do país variou 42,3%, o carro novo subiu 6,61%.
Motorista de aplicativo de transporte individual, Carlos Eduardo Bacedonio negociava no final da semana passada a compra de um Ônix zero quilômetro, modelo líder de vendas no país.
– Vou usar para trabalhar e uso particular – contava Bacedonio, que devolverá um veículo locado que usa no ofício.
Para ele, o momento é propício para a compra, pois as montadoras estão dando bons descontos de preços e é possível negociar melhores condições para o financiamento, após dar o veículo próprio como entrada.
Vendas externas em ritmo acelerado
Enquanto o mercado interno mal começa a virar a roda, as exportações aceleraram em 2017. A venda de automóveis produzidos no Estado também cresce, acima da média nacional.
No primeiro semestre, a comercialização para o Exterior de veículos fabricados na planta da General Motors (GM) em Gravataí subiu 128%, chegando ao recorde de 38,4 mil unidades – o equivalente a 12,3% dos automóveis exportados pelo
país, levando-se em consideração apenas os de passeio, sem incluir comerciais leves. No mesmo recorte, o avanço dos embarques das montadoras brasileiras demonstrou ritmo menor: 49,7%.
Com isso, a receita com as exportações de automóveis do Estado teve forte crescimento. No primeiro semestre, o resultado chegou a US$ 311,5 milhões, 110% acima do mesmo período do ano passado, mostram dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
– Com câmbio favorável e estoques altos, é natural que fabricantes busquem outros horizontes para a comercialização – diz Milad Kalume Neto, da consultoria Jato.
Com o desempenho robusto na metade inicial do ano (alta de 57%), a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também revisou para cima a previsão de crescimento das exportações ao final de 2017. A projeção anterior da entidade, incluindo veículos leves, caminhões e ônibus, era de aumento de 7,2%. Agora, estima que o avanço pode ser de 35,6%, o que significaria 705 mil unidades enviadas para o Exterior.