Mais do que a perda pontual de um cliente, a decisão do governo dos Estados Unidos de impor embargo à carne bovina in natura brasileira, menos de um ano após a comemorada abertura de mercado americano, traz preocupação por seus possíveis desdobramentos. Por ser um novo arranhão na imagem de um dos produtos mais exportados pelo país, indústria, analistas e pecuaristas monitoram o risco de a medida também ser seguida por outros países com controle mais rígido de sanidade e ainda dificultar a tentativa de conquistar outras nações consideradas mais exigentes, a exemplo de Canadá e Japão.
Mesmo que o motivo alegado pelos EUA tenha sido a detecção de abcessos na carne, provocados pela vacinação contra a febre aftosa, a receita que levou à decisão contém outros ingredientes: a repercussão da Operação Carne Fraca – que levou desconfiança à qualidade do produto brasileiro –, os escândalos envolvendo a JBS e uma pitada de protecionismo alimentado por pecuaristas americanos. Desde o estouro da operação da Polícia Federal, os produtores locais elevaram a pressão pelo embargo ao produto brasileiro. Além disso, os EUA também são concorrentes do Brasil no mercado internacional de carne.
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– Sem dúvida, tudo isso influencia. Depois da Carne Fraca, EUA e União Europeia ficaram mais rigorosos nas inspeções. A JBS é a principal empresa do setor. O que acontece com ela, respinga no mercado. A questão do abcesso foi apenas um elemento a mais – avalia o analista de mercado da Safras & Mercado Fernando Iglesias.
Olhando apenas os números, os EUA não são um cliente importante. Entre janeiro e maio, é o nono destino das exportações brasileiras de carne. Recebeu apenas 3% do volume embarcado no período. O problema gerado é outro, lembra o zootecnista Alex Lopes, da Scot Consultoria.
– Exportar para os Estados Unidos é como um selo de qualidade devido à exigência para os produtos que importam. Agora, pode ser gerada mais desconfiança e se demorar mais para abrir outros mercados – diz Lopes, que entretanto não vê impacto imediato significativo no mercado, a não ser para os frigoríficos diretamente afetados pelo embargo.
O Brasil, porém, tem um trunfo, admitiu na sexta-feira o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Para a maior parte dos mercados, não é possível suprir a demanda se o país não puder exportar.
No Rio Grande do Sul, apenas a unidade da Marfrig em São Gabriel, exportava para os EUA. Os embarques foram suspensos no início da semana pelo Ministério da Agricultura, antes da posição americana. Do Estado, foram vendidos, de janeiro a maio, 550 mil quilos, com receita de US$ 6,4 milhões.
Para o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen, apesar de o volume ser relativamente baixo, não pode ser descartado impacto.
– Pode exercer influência negativa nos preços, porque é um volume que deve permanecer no mercado interno, que já está em situação difícil – pondera Lauxen.
O presidente do Sindicato Rural de São Gabriel, Tarso Teixeira, teme reflexos nos preços pagos aos pecuaristas na região e pelo futuro da unidade. Segundo Teixeira, a planta tem capacidade para abater cerca de mil animais por dia, mas hoje estaria operando com algo entre 300 e 400, e o ponto de equilíbrio financeiro seria de pelo menos 500.
Apesar de também citar a pressão dos pecuaristas americanos para o embargo, Maggi admitiu falhas no controle. O ministério anunciou que está revisando as normas de inspeção em frigoríficos para que o país possa se adequar às exigências dos Estados Unidos. O ministro e uma equipe de técnicos vão visitar os americanos nos próximos dias para prestar esclarecimentos às autoridades sanitárias do país e explicar as mudanças que o Brasil fará. O secretário-executivo da pasta, Eumar Novacki, disse que as vacinas aplicadas serão investigadas, mas que o governo não aceitará que questões econômicas – e não técnicas – tragam desconfiança para o sistema brasileiro.