O forte tombo do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, com retração em praticamente todos os setores da economia, mostra que, após dois anos, a recessão ainda preocupa empresários e trabalhadores. Ao mesmo tempo, os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sugerem que o pior da crise pode ter ficado para trás – pelo menos em alguns segmentos, onde já aparecem os primeiros indícios mais consistentes de recuperação.
Se por um lado ainda não operam no campo positivo, de outro não registram mais encolhimento de dois dígitos entre um trimestre e o anterior como ocorreu em 2015 e boa parte de 2016.
Segmento mais afetado pela crise, a indústria de transformação ensaia a reação. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que a produção voltou a crescer em 2017 – em fevereiro, avanço de 0,3% em relação a janeiro.
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Como o resultado do PIB passado condiciona o futuro da economia
O mês do Carnaval, que costuma ser "morno" para a indústria, surpreendeu. A fabricação de automóveis teve alta de 5,9%, e o volume de tráfego de carga em estradas com pedágio cresceu 2%, relata a Associação Brasileira de Captadores de Recursos.
Um fator determinante para uma recuperação mais expressiva, principalmente para a economia gaúcha, passa pela retomada da indústria automotiva, que representa quase um quarto da cadeia produtiva de todo o setor no país e tem grande peso no Rio Grande do Sul, sede de grandes companhias, como Marcopolo e Randon, e filiais como a GM, entre outras.
– Ainda não podemos falar em retomada da produção, mas não há dúvidas que os números estão melhores. A base de comparação mais baixa favorece essa percepção, mas não é apenas isso. Inflação e juro menores e o câmbio estável reforçam a confiança dos empresários no médio prazo, algo que não se via um ano atrás – afirma Rafael Costa Lima, professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
Em março, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), chegou a 54 pontos, maior nível desde janeiro de 2014. Pelo critério estabelecido ao indicador, resultados acima dos 50 pontos indicam otimismo.
Em Novo Hamburgo, a Himaco Hidráulicos e Máquinas, empresa que produz injetoras de plástico para setores calçadista, automobilístico, farmacêutico, moveleiro e de brinquedos, é evidência dessa mudança nos ânimos. Em janeiro e fevereiro, foram mais de 20 encomendas para o mercado doméstico e internacional, mais do que o dobro no mesmo
período do ano passado. Na pior fase da crise, conta a diretora-administrativa da Himaco, Luciane Schorr, o recuo na produção chegou a 50%, o que obrigou a direção a reduzir o número de funcionários de 170 para 130 no início de 2016:
– Foi, sem dúvida, o momento mais dolorido. Eram trabalhadores que estavam conosco havia décadas, faziam parte da nossa história, mas naquele momento não se via luz no fim do túnel. Agora, já começamos a ver um interesse maior dos clientes, uma esperança maior entre os fornecedores.
Presente, neste mês, na feira Plástico Brasil, em São Paulo, maior evento do segmento no país, a empresária pôde ver de perto que a retomada da confiança não é privilégio da Região Sul. Fregueses antigos, de outros Estados, voltaram a fazer contato após anos afastados.
– Não houve grande número de encomendas, mas diversos pedidos de orçamento. Eram clientes que havia muito não nos procuravam, e agora voltaram a cotar preços conosco – diz Luciane, animada.
É um cenário bem diferente do visto na primeira metade de 2016, quando a produção industrial chegou a avançar por quatro meses seguidos, afirma o economista Emerson Marçal, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). A diferença, detalha Marçal, é que desta vez a despiora é vista em vários segmentos e o "mar econômico" está menos turbulento, com inflação mais baixa e juro em ritmo de queda.
– A indústria de máquinas é um excelente termômetro. É a primeira a sofrer quando as empresas suspendem os investimentos e a primeira a crescer quando se retoma a confiança em investir – explica.
Ainda que mais tímida, a reação do comércio também pode ser um indicativo do caminho rumo à superação da recessão.
A relativa estabilidade no mercado de trabalho e da renda média, mesmo que em patamar menor, deve evitar que as vendas continuem despescando.
– A essa altura, lojistas já reduziram custos, cortaram o que era supérfluo, diminuíram margens de lucro. Mas também aprenderam a trabalhar com novo volume de vendas. É um setor sensível. Conforme a economia volte a crescer, os resultados tendem a retornar para o azul – diz Marçal.
Retomada virá. Resta saber em qual trimestre
Com os sinais mais consistente de recuperação em segmentos considerados estratégicos para a economia brasileira, ganha força a hipótese de retomada em 2017. A dúvida é em qual trimestre o sinal mudará do negativo para o positivo. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aposta em avanço ainda no primeiro semestre, enquanto analistas de mercado preferem acreditar em mudança entre abril e junho.
Qualquer que seja o crescimento este ano, é consenso de que não deve ser significativo – na quarta-feira, o governo federal reduziu de 1% para 0,5% a projeção de alta do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017.
– Os números mostram que a recessão ficou para trás e que o futuro será melhor – afirmou o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Fabio Kanczuk, completando ter "convicção bastante grande que o Brasil virou a curva e começou a crescer no primeiro trimestre".
Na esteira da melhora climática e da projeção de safra recorde, o agronegócio figura com maior possibilidade de expansão no primeiro trimestre.
A expectativa da Anfavea, entidade que representa as montadoras, é de que a colheita maior estimule a produção e venda de máquinas agrícolas. Em janeiro deste ano, o crescimento de negócios no mercado brasileiro foi de 74,9% em relação a igual período de 2016.
Os investimentos não ficam restritos ao setor de máquinas. A Cooperativa Piá inaugurou, neste mês, a ampliação de sua nova fábrica de iogurtes em Nova Petrópolis, trabalho iniciado bem antes do começo da crise, em 2011. Com a nova estrutura, a cooperativa passou a ter capacidade de 450 toneladas por dia de bebidas lácteas e iogurtes, manteiga, requeijão, doce de leite e doce de frutas – o triplo da anterior. O investimento foi de R$ 85 milhões.
A extensão em mais 9 mil metros quadrados e a compra de novos equipamentos, explica o diretor-presidente, Gilberto Kny, é reflexo da necessidade de diversificação dos negócios. O empresário mira no futuro.
– Com maior capacidade de produção, estaremos garantindo a compra de toda a produção dos cooperados para os próximos anos, inclusive com perspectiva de aumentarmos significativamente o volume – afirma Kny.
Estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) prevê retomada na criação de postos de trabalho e na recuperação dos salários ainda em 2017. A projeção é de pequeno aumento na renda do trabalhador neste ano e a geração de quase 1,2 milhão novos empregos. O número não é suficiente para reverter as vagas fechadas ao longo de dois anos de recessão, mas é um alento. Atualmente, o país conta com mais de 12 milhões de desempregados. Mas as primeiras opções tendem a ocorrer primeiro no chamado mercado informal.