A iluminação recém-instalada, as paredes com cheiro de tinta fresca e a montagem final de equipamentos dão a dica. Mas é a ansiedade e animação dos sócios Clebsen Pereira, Matheus Silva e Vinicius Mendes que não deixam margem para dúvida: uma nova empresa acaba de abrir as portas.
Em meio a maior recessão em 25 anos, o trio de empreendedores inaugurou na segunda-feira o Centro de Serviços em Aços Longos (Cesalon), empresa de corte e dobra de aço em Canoas. O investimento de R$ 6 milhões, voltado para um dos segmentos mais atingidos pela crise, o da construção civil, até poderia ser confundido com insensatez, mas antes de tudo sinaliza uma tendência. A melhora de alguns indicadores, após meses seguidos de queda, e o destravamento de grandes negócios nas últimas semanas mostram que a economia brasileira começa a testar sinais de retomada. Um dos primeiros foi a produção industrial no país, que acumula dois meses consecutivos de alta, o que não ocorria desde 2014.
A recuperação dos índices ainda é tímida, mas já é motivo de alívio. Se não foi suficiente para deixar empresários propriamente otimistas, bastou para deixá-los com humor menos azedo – como mostram os indicadores de confiança levantados mensalmente pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).
– Antes, o que se via era uma espécie de boicote no setor privado. Todo mundo esperando uma mudança de governo para ver o que ia acontecer. A esperança era de que os problemas se resolveriam de pronto, e o país voltaria a crescer. O que a realidade mostrou é que o cenário é muito mais complexo. Mesmo assim, a chegada do governo interino ajudou a destravar alguns negócios – avalia Margarida Gutierrez, economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), citando a compra da Rede Alesat pela Ipiranga por R$ 2,1 bilhões e a aquisição da distribuidora AES Sul pela CPFL por R$ 1,7 bilhão.
Diferentemente dos indicadores econômicos, que começaram a dar primeiros sinais positivos ainda nos últimos meses de Dilma Rousseff no comando, o ânimo dos empresários teve sensível melhora só a partir da chegada do vice, Michel Temer, ao Palácio do Planalto, mais alinhado com discurso de ajuste fiscal e implementação de reformas.
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Mais céticos, economistas alertam que, para que os números animadores não se transformem em espasmos em meio a uma série de resultados negativos, será preciso resolver logo o impasse político em Brasília. Apesar de ter maioria no Congresso, Temer enfrenta resistência de uma oposição feroz na Câmara e de aliados nem tão fiéis no Senado em projetos considerados prioritários para o equilíbrio das finanças, como a reforma da Previdência Social.
– Todo entusiasmo se deu em cima da expectativa de melhora, não de evolução real. De fato, o cenário continua desanimador. Das condições necessárias para o país sair da crise, como redução de gastos públicos, queda do juro e maior abertura econômica, todas seguem no plano das ideias. O ex-ministro Joaquim Levy também era cheio de boas intenções e pouco conseguiu fazer – afirma o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Ellery.
Reuniões de Meirelles para convencer os empresários
Entre os ministros, o discurso é bem mais otimista. Na inauguração da nova unidade da Videolar Innova no polo petroquímico de Triunfo, semana passada, o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, admitiu que a turbulência política "atrapalha" a atividade econômica, mas disse que o pior já passou:
– A separação das duas crises faz com que a economia comece a dar os primeiros sinais de retomada. O problema político parece estar equacionado com a nossa base no Congresso. Mais de dois terços são aliados, e prova disso são os projetos aprovados recentemente.
Enquanto isso, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem realizado encontros com empresários na tentativa de convencer o setor produtivo de que o governo interino tem condições de aprovar as reformas prometidas e, assim, mudar a trajetória da dívida pública – um dos pontos que causa mais apreensão no mercado.
Presente em reunião com Meirelles na semana passada, o presidente da Fiergs, Heitor José Müller, diz ter voltado de Brasília com ânimo "um pouco melhorado".
– A forma como este governo está vendo a crise e as medidas que precisam ser adotadas fez a gente sair do encontro um pouco menos triste. O grande problema ainda é a questão política. A crise é do Brasil, não mundial – resume.
A relativa calmaria no cenário internacional, até então marcado pela desaceleração chinesa e pela instabilidade na economia americana, os dois principais clientes do Brasil, foi abalada pela decisão do Reino Unido de sair da União Europeia. Apesar de a relação comercial entre Brasil e Grã-Bretanha não ser muito forte, há receio de que a partida dos ingleses abale o crescimento de parceiros importantes, afetando indiretamente o Brasil.
– Ainda é cedo para dizer se haverá algum efeito mais forte, mas aparentemente não. O principal desafio, a meu ver, ainda é doméstico – diz Alexandre Wolwacz, sócio-fundador da consultoria Grupo L&S.
Investimento também cria postos de trabalho
Depois de seis meses à procura de uma vaga, David William Dias dos Santos, 22 anos, arranjou emprego. Ele foi um dos 30 contratados para atuar na linha de produção do Centro de Serviços em Aços Longos (Cesalon), onde atua, desde 20 de junho, como auxiliar de máquina de corte e de dobra de vergalhões.
O jovem conseguiu voltar ao mercado de trabalho dentro do período que a maioria daqueles que estão desempregados na Grande Porto Alegre leva para recuperar uma vaga. Segundo a Fundação de Economia e Estatística, o tempo médio gasto na procura de emprego era de 28 semanas em abril, dado mais recente disponível.
As empresas devem diminuir o ritmo de demissões nos próximos meses, conforme aponta a Sondagem Industrial RS de junho, pesquisa mensal da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs) com empresários do setor. O indicador de demanda, fundamental para manutenção dos postos de trabalho, passou a prever estabilidade depois de 16 meses de projeções negativas.
Para José Ronaldo Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os sinais de que a crise perde fôlego podem ser percebidos nas fábricas pelo país, apoiadas pela desvalorização do real. Mas comércio e serviços ainda estão em baixa.
– Os serviços tendem a levar tempo maior para se recuperar. Depende muito da renda dos consumidores, que vai demorar a se recuperar por conta do desemprego – explica Souza.
Histórias como a de David e a melhora ainda tênue de alguns indicadores não são garantias de que a crise acabará logo. A economia tem tempos diferentes de recuperação. O mercado de trabalho, por exemplo, é um dos últimos a mostrar reação: antes de a taxa de desemprego começar a cair, é preciso que o consumo das famílias volte a crescer e estimule a produção das empresas, que, só então, voltam a contratar.
– Consegui trabalho bem no mês que ia ficar sem seguro-desemprego – conta David, que mora em Sapucaia do Sul e tem uma filha de dois anos.