A fila dos que procuram trabalho não é engrossada só pelo aumento das demissões. Resultado da crise que assola setores como indústria e construção civil, o crescimento do desemprego entre chefes de família contribui para elevar ainda mais os níveis de desocupação por forçar outras pessoas da família a também se lançar em busca de colocação para recuperar a renda da casa.
Dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) mostram que a falta de trabalho entre os chefes de família na região metropolitana da Capital quase dobrou em um ano. Em março, alcançou 7,5%, resultado 92% acima do mesmo mês de 2015. Foi ainda a maior taxa mensal desde agosto de 2007. Em números absolutos, o aumento chega a 86%. Eram 36 mil pessoas e, agora, são 67 mil.
– Quando o chefe de família fica desempregado, a mão de obra subsidiária ou adicional, como mulher e filhos, também passa a procurar emprego. Ou seja, embora uma pessoa tenha sido demitida, nesse caso, passam a ser mais três em busca de vaga. Por isso, o desemprego cresce significativamente – explica o professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Giácomo Balbinotto Neto, estudioso do tema.
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No dado divulgado mais recentemente, na sexta-feira, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, apontou que, no primeiro trimestre, o desemprego atingiu 10,9% da população economicamente ativa, ante 7,9% em igual período de 2015. Isso significa aumento de 3,2 milhões de pessoas desocupadas no país.
– O desemprego vem crescendo mais entre homens, acima de 40 anos e chefes de família – destaca a economista Iracema Castelo Branco, coordenadora do Núcleo de Análise Socioeconômica e Estatística da Fundação de Economia e Estatística (FEE), responsável pela PED junto com Dieese e FGTAS.
Homens passam a ser maioria dos demitidos
Como a maioria dos chefes de família são do sexo masculino, o recorte de gênero também mostra mudança. Em março de 2015, 46,3% dos desempregados eram homens e 53,7%, mulheres. Agora, eles passaram a ser 51,1% dos desocupados. Elas, 48,9%.
Um fenômeno associado aparece na queda da renda real (descontada a inflação) das pessoas ocupadas, que baixou de R$ 2.078 para R$ 1.883. A retração de 9,4%, diz Iracema, pode ser explicada pela busca das empresas em reduzir custos com mão de obra. Assim, demitem e, quando recontratam para reposição, passam a pagar salário menor para a mesma vaga. Embora a diferença venha diminuindo, as mulheres ainda têm, em média, salário inferior aos homens no país, lembra.
Para o coordenador do Conselho de Relações do Trabalho e Previdência Social da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Paulo Garcia, o cenário mais provável é que o emprego não reaja pelo menos até o próximo ano. Um ponto essencial, avalia Garcia, é o desfecho da crise política, para recomeçar a colocar a economia de volta nos trilhos.
Apesar da forte recessão no Brasil, o desemprego é potencializado pela legislação trabalhista engessada, opina Garcia. Com pouca margem para negociação entre patrões e empregados, a demissão passa a ser quase a única forma de reduzir custos com mão de obra em períodos de crise.
Número de cidades no RS com saldo negativo dobra
Sentida em um primeiro momento na indústria de transformação e depois na construção civil, a crise se espalhou para setores como comércio e serviços, o que aumentou o número de municípios gaúchos que encerraram 2015 com saldo negativo na geração de vagas com carteira assinada. Em 2014, 134 cidades do Estado fecharam o ano com mais demissões do que admissões. No período seguinte, o número mais do que dobrou e ficou em 280, mostram estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.
No acumulado do ano até março, o Estado tem saldo positivo na criação de 18,6 mil vagas formais, mas é um quadro causado por situações específicas do período do ano. Em 2015, na mesma época, o saldo estava positivo em 24 mil, mas o ano fechou com 95,1 mil demissões acima das contratações.
No intervalo de 12 meses também até março, o Rio Grande do Sul teve perda de 101,8 mil empregos com carteira assinada. Um ano antes, o resultado líquido ficou negativo, mas em apenas 4,3 mil vagas.
– As perspectivas que temos para este ano e para o próximo são bastante ruins pela queda do nível de atividade na economia e a incerteza devido à crise política – avalia Giácomo Balbinotto Neto, professor de Economia da UFRGS.
Na crise, empresas reduzem investimentos, e o medo do desemprego retrai o consumo.
Para alguns setores, crise amplia vagas
A crise se espalha para um número cada vez maior de setores, mas existem segmentos que, até por reflexo da falta de confiança do consumidor para adquirir bens mais valiosos, passam por um momento melhor no mercado de trabalho, percebe a Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH-RS).
Um exemplo curioso, cita o presidente da entidade, Orian Kubaski, está no setor de reparo e manutenção de veículos, desde automóveis a máquinas agrícolas. Como as vendas de carros, caminhões e tratores novos estão em queda, os proprietários acabam investindo na conservação dos veículos que possuem, diz Kubaski.
– Então, aumentou a demanda por profissionais de manutenção. E, com isso, o comércio de autopeças (para o mercado de reposição) também está crescendo. É fato – explica.
Geração Y em Mudança de comportamento forçada
Os números do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) mostram que a percepção faz sentido. Enquanto a venda de autopeças para as montadoras caiu 25,4% no ano passado, fruto da retração da comercialização de veículos novos, os negócios com o segmento de reposição subiram 4,5%.
Para Kubaski, um fenômeno semelhante poderá ser observado na construção civil. Há tendência de aumentar a demanda por empresas e profissionais para reformas. Outro setor que ainda tem boa demanda de profissionais, lembra a ABRH, é o de tecnologia da informação (TI). Devido à crise, o cenário reflete a busca das empresas por produtividade.
O emprego escasso também força uma modificação no comportamento da chamada geração Y, formada por pessoas que nasceram entre as décadas de 1980 e 1990. Uma das características detectada desta faixa etária era o hábito de trocar constantemente de trabalho à época de mercado aquecido.
– Esta característica, no nosso entendimento, acabou. Agora há uma nova realidade – alerta o presidente da ABRH-RS.
Mãe e filha unidas em busca de recolocação
Além da Capital, foram as cidades de perfil industrial que tiveram o maior número de demissões no ano passado no Estado. Em Gravataí, quarto município com maior fechamento de vagas no Rio Grande do Sul em 2015, Marilene Lopes Fernandes, 41 anos, e a filha Mônica Fernandes Milcharek, 21 anos, vivem uma maratona diária em busca de recolocação. Entregam entre 15 e 20 currículos por dia. Nas empresas que procuram, em regra a resposta é que estão demitindo. Poucas das que prometem retornar ligam de volta. Após um ano desempregada, Mônica foi chamada para apenas quatro entrevistas.
– Preciso trabalhar para poder pagar a faculdade – conta a jovem.
Há seis meses desempregada após ser demitida de uma indústria ligada à cadeia automotiva, Marilene se mostra abatida pela falta de perspectiva, enquanto as contas não param de bater à porta. Várias estão atrasadas. Pelo menos o marido ainda está empregado. Mas, na empresa onde trabalha, demissões são frequentes.
E o quadro em Gravataí ficou ainda mais complicado na sexta-feira, quando a General Motors (GM) informou que, em razão da falta de reação do mercado, vai demitir 300 empregados que estavam em layoff, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do município.
Pior do que a falta de horizonte, diz Marilene, é não ter resposta à questão do caçula da família:
– Todos os dias o meu filho de quatro anos pergunta quando vou trabalhar para comprar as coisas para ele. Digo que só Deus sabe.