O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que aponta o aprofundamento da recessão no Brasil e indica que a crise será ainda mais longa pode influenciar a primeira reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que termina nesta quarta-feira.
Se antes o mercado financeiro centrava apostas em elevação de 0,5 ponto percentual da Selic como forma de combater a inflação, o cenário foi embaralhado após nota emitida nesta terça-feira pela manhã pelo presidente do BC, Alexandre Tombini. No comunicado, o dirigente destacou que as revisões do FMI foram "significativas" e ressaltou que "todas as informações econômicas relevantes e disponíveis até a reunião do Copom são consideradas nas decisões do colegiado", o que foi interpretado como indicação de que o colegiado pode manter o juro em 14,25% ou então subir apenas 0,25 ponto percentual.
Embora não viole nenhuma regra, a manifestação atípica foi criticada porque teria sido uma desculpa para o BC mudar de posição, após se comprometer a fazer o necessário para levar a inflação a não ultrapassar o teto da meta de 6,5% em 2016, minando ainda mais a credibilidade da instituição. As previsões ruins do FMI para a economia em brasileira em 2016 também não seriam uma novidade para o BC. Na segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff se encontrou fora da agenda oficial com Tombini, o que abriu margem para especulações de pressão do Planalto sobre o Copom.
Ex-diretores do BC se dizem perplexos com nota de Tombini em véspera de Copom
Como o FMI alterou as projeções de desempenho da economia brasileira para 2016, de queda de 1% para retração de 3,5% e também mudou a perspectiva para 2017, de alta de 2,3% para zero, deixar de subir o juro - ou aumentar menos - seria uma escolha mais voltada a tentar reanimar a atividade no Brasil, deixando de lado uma atuação mais forte no controle dos preços.
Para Virene Matesco, professora dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Banco Central está em uma encruzilhada.
- Essa deve ser uma das reuniões mais tensas do Copom. De um lado, eles sabem que a recessão é profunda e duradoura, o desemprego está subindo e a inflação dá pouca trégua. Mas se não elevar o juro, arranha ainda mais a sua credibilidade. É uma escolha de Sofia - pondera Virene.
A economista entende que subir o juro teria pouco efeito na inflação e, além de inibir ainda mais a atividade econômica, faz aumentar a dívida pública brasileira e as percepções de risco em relação ao país.
Tombini dá sinais de que juro pode não subir na véspera de decisão
O professor de economia da Fundação Dom Cabral Rodrigo Zeidan também viu na nota de Tombini apenas uma manobra para justificar mudança de posição e critica a falta de capacidade do BC de manter uma comunicação clara ao longo do tempo sobre suas decisões, mas admite que as dúvidas sobre o que fazer são grandes.
- O Banco Central está numa sinuca gigantesca. Se batalhar para controlar a inflação, vai causar ainda mais recessão. Mas no momento aumentar a taxa de juro é o mais adequado para sinalizar que está comprometido em combater a inflação. Mas digo isso com tristeza - diz Zeidan.
Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, afirma esperar que o BC ao menos consiga fundamentar bem a decisão que tomar hoje para não perder ainda mais a confiança do mercado.
Brasil terá o pior PIB entre as principais economias do mundo, prevê FMI
Com o Brasil figurando com a pior perspectiva para 2016 entre os principais países, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou ontem relatório que aponta para um crescimento mundial menor neste ano. O novo quadro indica avanço global da economia de 3,4%, ante 3,6% da última projeção, devido ao desempenho mais fraco dos países emergentes.
O cenário mais pessimista tem a recessão brasileira como destaque. Por causa da crise política e sequelas da Lava-Jato, o Brasil deve ter PIB negativo de 3,8% em 2015. Para 2016, a expectativa anterior era de -1%, mas foi piorada para -3,5%, com a atividade se estabilizando apenas 2017.
Desaceleração chinesa agrava a situação
Para Virene Matesco, professora dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), a expansão menor no mundo ainda é reflexo de políticas que governos de diversos países adotaram para combater a crise de 2008/2009.
- Foram medidas de afrouxamento monetário e fiscal para não deixar que as economias entrassem em profunda recessão - afirma Virene.
Ao mesmo tempo, observa Virene, o quadro é agravado pela expansão menor da China, afetando exportadores de commodities metálicas e petróleo. Alguns países como Brasil, Argentina, Venezuela e Rússia, lista a professora, foram atingidos de forma mais forte por equívocos na condução da política econômica. A China informou ontem que cresceu 6,9% em 2015, a menor taxa em 25 anos.
Rodrigo Zeidan, professor de economia da Fundação Dom Cabral, destaca a desaceleração chinesa, com reflexos para os países exportadores de commodities, enquanto outros mercados como Índia, Estados Unidos e até nações da Europa têm mostrado recuperação. Além dos problemas internos, o cenário deve atrapalhar ainda mais as chances de recuperação do Brasil.
- Em 2003, o país estava em crise, mas foi o início do superciclo das commodities, e o mundo puxou o Brasil. Hoje não temos isso.