Forma de ampliar a arrecadação e legalizar a situação de milhares brasileiros com dinheiro fora do país ou uma porta para lavagem de dinheiro? Preocupado com o déficit em suas contas, o governo Dilma Rousseff tenta, nesta terça-feira, mais uma vez, aprovar na Câmara o projeto que regulariza e permite a repatriação de recursos de origem lícita mantidos no Exterior, sem a devida declaração à Receita Federal.
- O governo não quer nenhum risco que possa caracterizar qualquer ilegalidade - destacou o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva.
Depois de sofrer com adiamentos, o Planalto mobiliza ministros e líderes para conseguir votar a proposta, que suscita discórdia dentro da própria base, em especial após as alterações que o relator Manoel Junior (PMDB-PB) fez no texto.
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De autoria do governo, o projeto original previa que, para regularizar o patrimônio fora do Brasil, seria cobrado 35% sobre o valor declarado, sendo 17,5% de multa e 17,5% de Imposto de Renda (IR). Junior reduziu para 30% - 15% de multa e 15% de IR. Junto, ampliou a lista de crimes que serão anistiados, entre os quais sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e descaminho.
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Chegou-se a discutir a inclusão de formação de quadrilha e caixa 2, o que gerou críticas ao projeto, que seria feito sob medida para que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e outros envolvidos na Lava-Jato regularizem valor não declarado. Governistas negam e defendem a aprovação.
- Barrar o projeto é uma desculpa para quem não quer que o dinheiro dos graúdos volte com pagamento de impostos. Não falamos de dinheiro de corrupção. Só será repatriado dinheiro limpo - diz o deputado Elvino Bohn Gass (PT-RS).
A opinião é contraposta na oposição. Osmar Terra (PMDB-RS) critica o fato de o proprietário dos bens precisar apenas informar à Receita se a fonte do recurso é lícita, bem como um trecho do projeto que impede investigações baseadas apenas nessa declaração ao Fisco.
- É lógico que o dono do dinheiro vai declarar que a fonte é lícita. Na prática, não precisa comprovar nada, vai permitir que doleiro, contrabandista, corrupto traga dinheiro de volta pagando 30% de multa e imposto - afirma Terra.
Professor de Direito Penal Econômico da PUCRS, Luciano Feldens reconhece que a legislação deixa brecha sobre como atestar a origem do patrimônio e como definir quem será ou não investigado.
- Pode gerar uma celeuma se o Ministério Público resolver desconfiar de determinado contribuinte, em virtude de seu histórico. É possível investigar, porém a declaração à Receita não serve como prova exclusiva no processo - acrescenta Feldens.
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O criminalista classifica o projeto como "equilibrado" e destaca que é importante para o país saber com precisão o total de ativos que seus cidadãos têm no Exterior. Na área econômica do governo, projeções indicam que há US$ 370 bilhões de brasileiros no Exterior legalizados e outros US$ 400 bilhões não declarados.
Professor da FGV Direito Rio, o tributarista Marcos Catão explica que o Brasil segue uma tendência observada em outros países, como Itália, França, Espanha e EUA, que realizaram nos últimos anos programas de repatriação.
- Há um grande movimento no mundo de combate à evasão e à lavagem, com a cooperação entre países. Está muito difícil manter dinheiro oculto no Exterior. Muitos brasileiros vão ser descortinados - alerta.
Catão considera a possibilidade de se arrecadar "duas CPMF" com a medida - o governo projeta conseguir R$ 32 bilhões com a recriação do imposto.
R$ 400 bilhões é a estimativa do valor não declarado à Receita e depositado por brasileiros no Exterior
O que consta no projeto de autoria do governo
- Brasileiros ou estrangeiros residentes no país poderão regularizar patrimônio com origem lícita no Exterior que não foi declarado.
- Para regularizar o patrimônio, será cobrado 15% de Imposto de Renda e 15% de multa. Ao todo, o pagamento será de 30% do valor declarado à Receita Federal.
- A regularização se aplica a diferentes ativos, como contas bancárias, cotas de fundos de investimento, pensões, empréstimos, ações de empresas, imóveis, veículos, joias, obras de arte etc.
- Quem regularizar o patrimônio fica anistiado de diferentes crimes: sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, descaminho, crime contra ordem tributária, sonegação de contribuição previdenciária e uma série de falsidades.
- Os crimes serão anistiados desde que não haja decisão final da Justiça contra o declarante.
- Se aprovado na Câmara, o projeto precisa passar pelo Senado e, após, ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff.