O entusiasmo com a supersafra colhida graças a um verão de precipitações na medida nas principais regiões produtoras de grãos passa longe da zona sul do Estado. Na região, uma das novas fronteiras da soja no Rio Grande do Sul, a quase euforia cede lugar ao cenho franzido da preocupação com a estiagem que até agora levou 11 municípios a decretar situação de emergência.
A falta de chuva, que em alguns locais passa de dois meses e meio, criou um cenário de desolação em meio ao pampa. Grandes lavouras e hortas de subsistência foram dizimadas. A produção de leite mingua a cada dia. O campo nativo crestado e as pastagens de inverno que não nascem pela falta de umidade indicam um risco cada vez maior de morte de animais nos meses mais frios pela falta de alimento. Em localidades carentes do Interior, é o caminhão-pipa que garante água para a população matar a sede.
Com a economia atrelada ao campo, a Metade Sul começa a contabilizar o prejuízo causado pela estiagem. O cálculo da Emater indica que, nos 22 municípios sob abrangência do escritório regional sediado em Pelotas, as perdas chegam a R$ 350 milhões. Apenas na soja, são R$ 250 milhões a menos de receita, reflexo das 231 mil toneladas que não serão colhidas. Os estragos, porém, se concentram em nove municípios, aponta a Emater. Nesses, a quebra na produção das lavouras e da pecuária é calculada em R$ 173,7 milhões. Há áreas em que sequer vale a pena colher.
Foto: Tadeu Vilani
Com somente 3 mil habitantes, Pedras Altas estima em R$ 27 milhões o prejuízo devido à falta de chuva. Na localidade de São Diogo, o agricultor Nilson Blank Buss (foto acima) passou os últimos meses a olhar para o céu. Em vão. As poucas chuvas cruzavam ao longe, sem cair em seus 1,4 mil hectares de lavouras. Esperava obter pelo menos 45 sacas de soja por hectare. Na reta final, está conseguindo 18. Insuficiente até para cobrir custos.
- No final de janeiro parou de chover. Tem lavoura há 85 dias sem uma gota - lamenta Buss, preocupado com as prestações da compra de máquinas agrícolas.
Vizinho de Buss, Mauro de Moura Bonini lembra que há pouco mais de duas semanas uma boa chuva, de 40 milímetros, caiu sobre os seus 260 hectares de milho. Mas era tarde demais. O período seco coincidiu com a época em que as plantas mais precisavam de água. Agora, arrisca que não conseguirá nem metade das 90 sacas por hectare que estimava. As espigas têm um quarto do tamanho normal ou grãos esparsos.
- Nem gosto de vir aqui - confessa Bonini, amargurado.
Primeiro município a decretar situação de emergência e o único até agora a ter a situação homologada pela Defesa Civil do Estado, Herval ainda espera ajuda para enfrentar os efeitos da estiagem. A perda de receita é calculada em R$ 17 milhões.
- A situação é desesperadora. E o governo do Estado até agora não se mexeu - reclama o prefeito Ildo Sallaberry (PP).
Além dos prejuízos no campo, que também devem se refletir na cidade, cerca de 400 famílias do interior do município, principalmente beneficiadas pela reforma agrária, estão com suas fontes de água secas. Para garantir o abastecimento humano, a saída foi recorrer à improvisação. Um veículo de coleta de leite em uma cooperativa de assentados é utilizado como caminhão-pipa. Cerca de 250 quilômetros são percorridos durante dias em estradas de chão batido.
Herval publicou o decreto dia 19 de março e teve o reconhecimento da situação em 8 de abril. Duas semanas atrás, em um encontro com o vice-governador José Paulo Dornelles Cairoli, em Pelotas, o município pediu mil cestas para alimentar as famílias mais necessitadas, 5 mil litros de óleo diesel para abastecer o veículo usado na distribuição de água, um caminhão-pipa, a cedência de uma retroescavadeira - e a permanência de outra máquina que já estava emprestada - para abrir bebedouros para os animais e a retomada do processo de construção de 113 açudes no município, à espera de licitação.
Na semana passada, o governo gaúcho divulgou a dispensa de licitação para a compra de cem caixas d´água para ajudar as famílias no armazenamento. A previsão era entregá-la até quarta-feira.
- Até agora não chegou nada - reclama o prefeito.
O subchefe da Defesa Civil do Estado, coronel Alexandre Martins de Lima, diz que as caixas d'água serão entregues amanhã. Outro dois municípios - Canguçu e Jaguarão - estão próximos de ter a situação de emergência homologada.
Os demais são visitados por técnicos para averiguar o quadro e apontar pendências para o processo. Segundo Lima, é possível ajudar as prefeituras com caminhões-pipa, combustível e máquinas. Com cestas básicas, não. Outra frente que poderia ter o auxílio da Defesa Civil, ressalta, inclui iniciativas para minimizar os efeitos de episódios do gênero antes que aconteçam.
- Não tenho conhecimento de projetos de prevenção (dos municípios da região) encaminhados para o governo estadual ou federal. Pode até existir, mas desconheço - diz Lima.­
Água distribuída serve para beber, lavar louça e a roupa, mas precisa ser poupada (Foto: Tadeu Vilani)
Quando o improvisado caminhão-pipa chega, a agricultora Lucia Helena Vieira, 33 anos, moradora do assentamento Bamrurral, no interior de Herval, corre para encher todos os baldes e bombonas que têm em casa.
- A cacimba secou há um mês. Está difícil - conta Lucia Helena, que agora depende de assistência para matar a sede da família.
O esforço é fazer a água escassa durar uma semana. Lavar roupa, nem pensar. Os animais da propriedade, jogados à própria sorte, têm de recorrer ao instinto de sobrevivência para encontrar um olho d'água no mato. Na horta cultivada para a subsistência dela, do marido e dos dois filhos, nada vingou. Eram pés de couve, tomate, cebola, mostarda, repolho. Nada resistiu à falta de chuva.
- Só sobraram os talos - mostra agricultora, desolada.
Outra moradora do assentamento, Maria da Graça dos Santos, 66 anos, também dependia de duas cacimbas para beber, lavar a louça e a roupa. As duas fontes ainda resistem, mas sem qualidade para o consumo humano.
- Uma está com a água bem amarela e outra com limo por cima - diz Maria da Graça.
O dinheiro da aposentadoria é o que garante a sobrevivência. Da terra, não conseguiu tirar nada. Plantou batata-doce, melancia, melão, moranga e abóbora. Morreu tudo.