Marco de uma nova era na Metade Sul, o polo naval de Rio Grande se tornou fonte de angústia na região. Desde que as denúncias envolvendo a Petrobras vieram à tona, ondas agitadas de uma ressaca que parece longe do fim atingiram os estaleiros da cidade portuária, outrora ocupada por mais de 20 mil operários.
Rumores de todos os tipos ressoam nas ruas. O receio de que as empresas abandonem as instalações, deixando tudo para trás, é ouvido a cada esquina.
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Hoje, o número de profissionais em atividade no polo, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Rio Grande e de São José do Norte, Benito Gonçalves, não passa de 6,5 mil. Desde o início do ano, as contratações deveriam ter recomeçado, mas a debandada continua.
- Todos os dias há novas demissões. A questão é que esses profissionais não têm nada a ver com a Operação Lava-Jato e, no fim, eles é que estão pagando o pato - afirma Gonçalves, que há duas semanas liderou uma manifestação com mais de 5 mil pessoas apreensivas com a crise.
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As dúvidas sobre o futuro também causam prejuízos a empresários, donos de restaurantes, hotéis e alojamentos. Gente que investiu pesado para atender à demanda e que agora enfrenta dificuldades.
Em 2013, no auge da produção nos estaleiros, Rio Grande e as cidades vizinhas fervilhavam com a presença dos macacões coloridos. No calçadão, nas lojas, em todos os cantos, engenheiros, técnicos e operadores de máquinas circulavam e consumiam. Com seus diferentes sotaques, eles aqueceram a economia e deram novas perspectivas a uma região desacreditada por décadas.
Prefeito aposta em ajuda de Brasília
À época, casas e apartamentos para alugar se tornaram artigo raro, e os valores chegaram a subir 1.000%. Atualmente, Enoir Pereira Bill, delegado do Sindicato dos Corretores de Imóveis em Rio Grande, estima que mais de 6 mil residências estejam vagas.
- A bolha estourou. Foi surreal o que aconteceu - sintetiza Bill.
Embora reconheçam o impacto negativo da reviravolta, autoridades locais evitam o tom pessimista. Persiste a expectativa de que a Metade Sul não será esquecida pelo governo federal.
- Está complicado, mas a região não quebrou e não vai quebrar - diz o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Carlos André Pavão Xavier.
O prefeito Alexandre Lindenmeyer (PT), que na última quinta-feira comemorou os 278 anos de Rio Grande, aposta na proximidade com a União e na diversificação da base econômica para sair da crise. Acompanhado de uma comitiva, ele discutirá os rumos do polo com o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, na próxima sexta-feira, em Brasília.
- A indústria naval veio para ficar e é o que vai acontecer. Vamos superar esse momento de turbulência - assegura o prefeito.
Colônia de férias voltou a hospedar veranistas, depois de ter sido tomada por trabalhadores do polo naval
Alojamentos passam de lotados a abandonados
Para receber os milhares de operários que desembarcaram na zona sul do Estado, Rio Grande teve de se adaptar. Uma das mudanças mais visíveis foi a transformação de dezenas de casas e prédios desocupados em alojamentos.
Em 2013, chegaram a existir 215 locais do tipo, nem todos regularizados e em boas condições. O valor médio da diária girava em torno de R$ 35 por pessoa, o que significava um adicional estimado de R$ 1 mil por mês para o dono.
Conforme Alexandre Hirata, presidente da Associação de Proprietários de Alojamentos do município, ainda resistem 80 hospedarias, sendo que menos de 20 estão ocupadas. O preço cobrado varia de R$ 15 a R$ 20.
- Sabíamos que o boom seria momentâneo, porque os estaleiros não produziriam plataformas para sempre. Todo mundo saiu abrindo alojamentos e deixou de lado o que fazia. Foi um erro porque agora faltam alternativas - diz Hirata.
Ele abriu dois estabelecimentos, para 170 pessoas, equipados com tudo: de câmeras de monitoramento a mesa de sinuca e TVs de plasma. Por precaução, diz que não largou a indústria pesqueira, sua atividade original. Hoje, segue trabalhando na pesca, já que as duas pousadas estão vazias.
Mesmo destino teve uma antiga delegacia de polícia que havia sido transformada em albergue. Vinte homens chegaram a dividir a casa de tijolos à vista entre 2013 e 2014, em quartos improvisados. Hoje, o lugar está vazio.
- Fechou no fim do ano. Foram todos embora - relata o barbeiro Maikon Conceição, 24 anos, que trabalha nas proximidades.
Até a antiga colônia de férias da Ipiranga, no Cassino, voltou a ser o que era antes de alojar funcionários da Ecovix em seus 72 quartos. Com capacidade para receber 288 pessoas, o lugar fechou em agosto de 2014, com a saída dos hóspedes. Reabriu agora como hotel para veranistas. No Carnaval, lotou. Mas, na quinta-feira passada, tinha apenas cinco habitações ocupadas.
- Foi bom enquanto durou. Cassino voltou a ser o que sempre foi - diz o gerente Luis Ferreira, 44 anos.
Filas já não são rotina no Caçarola, que teve queda de 50% na venda de refeições desde o fim do ano passado
Restaurantes veem clientes sumirem
A enxurrada de dispensas no polo naval ganhou a forma de um tsunami para quem trabalha no setor de alimentação na região. Basta entrar em qualquer restaurante de Rio Grande para perceber que as histórias se repetem - e os lamentos também. No Caçarola, um estabelecimento de 23 anos conhecido pela comida caseira, havia filas todos os dias. Desde o fim de 2014, o movimento caiu pela metade.
- Eu nunca tinha visto tantos fregueses aqui. Era gente que não acabava mais - recorda a proprietária, Carmem Emmendoerfer, 62 anos.
A procura fez com que muitos se aventurassem no ramo ou arriscassem a sorte na ampliação dos negócios. Foi o que fizeram os gêmeos Fernando e Francisco Rodrigues Valli, 24 anos, com o aval do pai, Fernando Valli, 60 anos.
Donos da Confraria do Porto, famosa pela variedade de frutos do mar, eles perceberam que havia potencial para crescer. Incrementaram o buffet, acrescentaram cervejas artesanais ao menu, dobraram o número de mesas e chegaram a ter 22 funcionários.
Com a reviravolta na indústria naval, tudo mudou: o movimento caiu e o faturamento desabou 70%. As 200 refeições diárias viraram 50. Hoje, o número de empregados não passa de quatro.
- Está tão fraco que até decidimos fechar à noite - diz Fernando.
Perto dali, Jaqueline Rigatti, 43 anos, vive o mesmo drama da família Valli. A empresária investiu R$ 30 mil em um novo espaço para servir almoços e passou a pagar R$ 4 mil mensais de aluguel. Agora, cogita mudar de atividade.
- Se não melhorar a situação e não der para renegociar o aluguel, penso em fechar as portas. Até agora, não me recuperei - desabafa.
A situação é diferente no caso do único shopping na cidade, o Praça Rio Grande, inaugurado em 2014 pela 5R. Por enquanto, segundo o diretor de shoppings da 5R, Francisco Ferraz, o empreendimento se mantém alheio às turbulências:
- Era uma antiga demanda da cidade, mas não quer dizer que nós desconsideramos os problemas.
Até o fim do ano, o shopping terá um concorrente, o Partage.
Hilario construiu hotel com padrão executivo e viu a ocupação despencar de 90% para 40% em três anos
Agora sobram ônibus e suítes
Dono de uma rede de quatro hotéis em Rio Grande e na praia do Cassino, entre os quais o Paris, um dos mais tradicionais
do município, o empresário Luiz Carlos Hilario fez uma aposta arrojada e agora sente os reflexos da crise. Nem por isso, perde o otimismo.
Em dezembro de 2012, o ex-pneumologista inaugurou um empreendimento de alto padrão na área central de Rio Grande. Com 88 habitações, o Villa Moura Executivo nasceu de uma proposta ousada e de um aporte de R$ 15 milhões.
- O hotel foi pensado para o público executivo. As suítes têm escritórios - destaca.
Por fora, a arquitetura imponente lembra um antigo prédio em estilo neoclássico. Por dentro, é o retrato do que há de mais moderno. Chamam atenção o elevador panorâmico e um vão aberto entre os 12 andares, com teto de vidro e luz natural.
Até outubro de 2013, quando os estaleiros erguiam plataformas petrolíferas em ritmo acelerado, a taxa de ocupação chegava a 90%. Depois, caiu para 30% e, agora, beira 40%.
- Se os estaleiros pararem, será preciso buscar outro caminho. Mas prefiro acreditar que vamos vencer a crise - projeta Hilario.
A perspectiva é compartilhada pelo empresário Renan Gutterres Lopes, que preside da Câmara do Comércio de Rio Grande e comanda a companhia Universal Turismo. Como Hilario, Lopes também amarga prejuízos.
Em 2013, chegou a ter 180 ônibus (cem próprios e 80 terceirizados) transportando trabalhadores do polo. Hoje, apenas 35 seguem circulando com os profissionais que restaram. O investimento total chegou a R$ 14 milhões, dinheiro que, segundo ele, ainda não foi recuperado.
- Não quero ser pessimista e acho que não podemos fazer terra arrasada da região, mas a situação está complicada para todos, em todos os setores. Não é um problema apenas de Rio Grande. É um problema que atinge o Estado e que precisa de solução imediata - avalia.
Lopes entende que a saída para a crise passa por uma mobilização política suprapartidária, que una prefeito, governador, deputados e senadores em torno da causa.