A escova de dentes monitora a higiene bucal e envia um relatório ao médico. A pulseira mede a pressão e a temperatura do corpo. Uma lente de contato registra os níveis de glicose no sangue de um diabético. A direção do carro parece estar puxando para um lado, então a oficina é notificada e a conserta remotamente. A sinaleira se adapta ao fluxo de veículos e pedestres. O smartphone avisa que a padaria do outro lado da rua acabou de tirar pães do forno. O sistema de irrigação entende em que área do parque é preciso hidratar as plantas e qual o melhor horário para fazê-lo. Dois passos adiante, um sensor identifica e avisa a população se a água do lago é própria para banho.
Esse cenário - com jeito de ficção científica - está mais próximo que imaginamos, dizem especialistas. No mundo inteiro, 2014 é projetado como o marco inicial da popularização da Internet das Coisas, conceito que abriga objetos, sociedade e cidades conectados, gerando dados para diversos usos.
A questão está cada vez mais inserida na rotina das pessoas, muitas vezes sem que elas percebam. Segundo André Lemos, professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador do fenômeno, a média mundial é de seis objetos ligados à internet por habitante, muito mais do que o trio notebook, tablet e smartphone. Apesar de o cenário acima ainda não ser comum no Brasil, os produtos já existem no mercado e estão cada vez mais acessíveis.
- O fenômeno da Internet das Coisas foi muito estudado na academia, mas 2014 pode ser a explosão para o grande público - prevê Lemos.
Em cinco anos, casas inteligentes devem ser algo comum para a maioria das pessoas de classe média, acredita Chandrakant Patel, engenheiro-chefe da HP. Essa previsão pode parecer otimista demais, mas uma pesquisa da associação holandesa AMS-IX prevê um cenário mundial em que, nos próximos dois anos, 44% das TVs, 59% dos termostatos de casa e 56% da iluminação estarão conectados.
No começo deste ano, a Google comprou a Nest, empresa que produz um termostato que aprende os hábitos e as preferências do usuário para regular o ar, e um detector de fumaça que avisa o morador pelo smarphone se a casa pegar fogo. Isso, além de reforçar a tendência, significa que as gigantes da internet já estão de olho nesse mercado. Contudo, Patel alerta:
- Ainda temos dois terços da população mundial excluída da revolução digital. Precisamos incluir essas pessoas. Vai demorar quase uma década para a gente conectar o resto da população.
Apesar dessa realidade ainda ser distante para a maioria das pessoas, Eduardo Pellanda, pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor da PUCRS, acredita que a tendência é que esses produtos se tornem cada vez mais baratos e acessíveis.
- Hoje se compra um sensor para tomadas com wifi que torna possível desligar eletrônicos remotamente por US$ 50, mas isso deve chegar a centavos em 10 anos. Assim como o governo incentiva a troca de geladeiras para economizar energia, essas tecnologias também serão incentivadas, pois são sustentáveis - avisa.
Tecnologia verde
Pellanda ressalta o potencial de economia de energia e eficiência das máquinas que essa tecnologia traz. Para ele, Internet das Coisas não se trata apenas de comodidade, permite que o uso de recursos como energia elétrica, água e esgoto sejam monitorados e melhor gerenciados por pessoas, empresas e governos. O diretor da HP também ressalta essa característica:
- Estaremos coletando dados de tudo o tempo todo. Isso cria uma quantidade enorme de informação para analisarmos e entendermos como tornar o funcionamento das coisas mais eficiente - explica Patel.
É possível, por exemplo, entender quanta energia uma geladeira precisa para manter tudo refrigerado. Basta monitorar a quantidade de alimentos armazenados, quantas vezes por dia, por quanto tempo e em que período é aberta. Talvez ela precise de mais potênciaquando há gente em casa, mas possa funcionar quase no stand-by no resto do tempo. Em uma fábrica, analisar os dados dos equipamentos pode mostrar em qual horário as máquinas menos esquentam, quando a energia elétrica é mais abundante e ainda quanto de água é necessário para a refrigeração. Tudo para melhor gerenciar os recursos e evitar desperdício.
Em novembro passado, o município do Rio de Janeiro ganhou o prêmio World Smart City 2013. A prefeitura possui um centro de operações desenvolvido pela IBM desde 2010, onde analisa dados de câmeras de vídeos e sensores espalhados pela cidade. Essas informações tornam possível prevenir problemas de segurança, trânsito, alagamentos e responder mais rapidamente a eles. Segundo a IBM, o sistema de inteligência da cidade aumentou em 30% a rapidez das respostas a emergências.
Esse sistema faz parte do projeto Cidades Mais Inteligentes da IBM, no qual a companhia faz projetos de inteligência no mundo todo. Outras empresas, como Ericsson e Embratel, também já entraram nesse mercado, oferecendo soluções para tornar segurança, saúde, educação, transporte e infraestrutura mais ágeis e eficientes.
Ao mesmo tempo que a tecnologia é promissora, Pellanda lembra que, quanto maior a conexão, maior a exposição. Esses dados podem ser usados de diversas maneiras - inclusive invasivas. Assim como as pessoas terão acesso remoto a suas casas e carros, um hacker também pode ter. É importante entender quem terá em poder essas informações e o que fará com elas. Lemos também se mostra preocupado com a privacidade:
- Já existe o talher que mede quantas garfadas você dá em uma refeição. Então, ele sabe a velocidade da mastigação e avisa o médico. Isso o ajuda a cuidar da tua saúde, mas também pode levar as seguradoras a aumentarem o valor do plano. Podem usar esses dados para o bem e para o mal.
Lemos lembra do aplicativo Lulu, que avalia a performance dos homens:
- O meu perfil no Facebook é acessível e pode ser usado contra mim - diz.
Ainda assim, Pellanda acha que vale a pena:
- É o preço. A questão é saber se a tecnologia de segurança vai evoluir no mesmo ritmo.
Arte: Henrique Tramontina Arte: Henrique Tramontina
*Colaborou Shana Sudbrack