A ponta do dedo de Eric toca o visor do celular da mãe e desliza em busca de novas imagens. Com um ano e cinco meses, o guri apenas começa a dizer as primeiras palavras, mas já aprendeu, sem muito esforço, o movimento que alterna as fotos na tela do smartphone da mãe. Nascido em 2012, Eric é de uma geração que chega ao mundo digital ainda antes de entrar no real - ainda na barriga das mães, suas imagens são compartilhadas nas redes sociais, por exemplo.
Nascidos a partir do ano 2000, são conhecidos como nativos digitais, geração Z, milenials, globalists e tantas outras definições. Dos mais complexos artigos acadêmicos a confusos textos em sites e blogs, todos estão tentando entender quem são as crianças e os adolescentes que, a exemplo de Eric, incorporam com facilidade tecnologias que um senhor de 20 e tantos anos teria dificuldade de absorver. Uma das corajosas que se aventuram nesse mundo é a analista de tendências Carolina Althaller, da agência WMcCann.
- Eles enxergam a tecnologia e as redes como um meio. Usam o online como ferramenta para se manter conectados, não como um fim - explica.
Mais do que com tecnologia, nativos digitais têm uma relação inédita com a informação. Dominando a internet, a geração anterior, chamada de Y, abriu caminho para que, além de consumidores, todos fossem produtores de conteúdo. E em grande volume.
De acordo com estudo da consultoria norte-americana Qmee, a cada minuto que passa são geradas, em média, 72 horas de vídeo no YouTube, 41 mil posts no Facebook e 3,6 mil fotos no Instagram.
Essa é a quantidade de informação que deixou a geração Y com problemas de ansiedade crônica, mas que os nativos digitais parecem ser os primeiros a conseguir filtrar e processar.
- É uma juventude que tem uma vida digital, mas com o bom senso de buscar experiências fora do mundo virtual - avalia Bruna Paulin, pesquisadora de comportamento que ministra, na PUCRS, o curso De Elvis a Justin Bieber: comunicação, consumo, cultura e juventude.
- O mundo digital e o real se misturam, acaba sendo uma coisa só - completa.
Embora nem sempre seja fácil para os mais velhos entender o que os nativos digitais têm a dizer, é importante compreender que se trata de uma geração pronta para contribuir com o mundo hiperconectado. A internet e a infinidade de gadgets que os cercam fizeram com que eles desenvolvessem uma forma de pensamento não linear. Eles são e sabem várias coisas ao mesmo tempo, sem medo de expressar suas diferenças e formas de pensar e sem a necessidade de se encaixar em um grupo específico.
Mariana Canarim, 12 anos, é uma típica nativa digital. Smartphone, tablet e redes sociais fazem parte de sua vida, servem como apoio e são usados com frequência, mas não são protagonistas.
- Eu gosto de sair com os meus amigos, me divertir, curtir a vida com eles fora do ambiente virtual, é claro - relata, convencida de que as relações interpessoais não são substituidas pela vida online.
Para o doutor em comunicação Dado Schneider, é preciso abraçar as características da gurizada que irá definir como a humanidade se relaciona e consome.
- Eles estão operando em um novo cenário, mas os pais ainda exigem comportamentos antigos. Isso é absurdo. Não há nada de errado em ser como eles são - reforça Carolina.
Qual é a sua?
BB
Chamados de Baby Boomers, os membros dessa geração nasceram após a II Guerra Mundial. É a geração paz e amor. Foram os responsáveis pela revolução cultural dos anos 1960, que trouxe ideais de liberdade, o rock n' roll, e os movimentos sociais. Acreditam que o sucesso é ter uma família, trabalho, estabilidade financeira e amigos bem próximos. Utilizam as tecnologias para o trabalho e para manter contato com os amigos.
X
Nascidos entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1980. São caracterizadas por serem individualistas, ambiciosos e competitivos. É uma geração mais independente que está sempre em busca do sucesso pessoal e age de forma mais prática e realista. As pessoas nascidas nesse período dão grande importância à carreira e procuram estar sempre a par das tecnologias para não ficarem obsoletos.
Y
Pessoas que nasceram entre 1980 e 1995 são extremamente ligadas a tecnologia. Costumam não valorizar a hierarquia e têm muitas atividades ao mesmo tempo. Compartilham tudo com os amigos via redes sociais. Fazem questão de misturar trabalho e prazer e procuram recompensas rápidas para os esforços diários. São inovadores, ansiosos e imediatistas tanto na vida pessoal quanto na profissional.
Z
A geração que nasceu a partir de 1995 e não conheceu o mundo sem internet. Querem tudo para agora e não têm muita paciência com os mais velhos. São críticos, dinâmicos, hiperconectados e se preocupam com o ambiente. Para eles, a internet é algo natural e essencial, um meio para se relacionar, estudar e trabalhar, que faz parte do mundo real. Não diferenciam vida online e offline.
Quem são eles
Do Arthur, ainda na barriga da mãe, à Mariana, de 12 anos, conheça cinco jovens que são típicos nativos digitais
Na barriga
Com 23 e 22 anos, respectivamente, Carolina Cottens e o marido Jaciel Kaule esperam com ansiedade a chegada do filho, Arthur, com nascimento previsto para os próximos dias. Uma típica menina da geração Y, a jornalista engravidou jovem e, além da família e de Jaciel, encontrou nas redes sociais e na internet o apoio que precisava para se preparar para o papel de mãe.
Carolina criou um blog (confessionariomaterno.wordpress.com) onde começou a registrar a evolução da gestação, postando desde comparativos do tamanho da barriga durante a gravidez até vídeos de Arthur se mexendo. O menino que conhecerá o mundo em breve já tem uma vida virtual bastante ativa e é exemplo de como a atual geração já nasce mergulhada no ambiente digital.
- A internet foi uma ferramenta chave no meu processo. A gravidez aproxima as pessoas e, na internet, isso ganha uma dimensão muito maior. Eu coloco um status falando sobre o Arthut e isso tranquiliza todo mundo - relata Carolina.
Sem mistério
Da primeira engatinhada ao primeiro dentinho, Eric Godoy, um ano e cinco meses, tem no Facebook e no Instagram registros bastante completos e atualizados de sua vida desde o dia em que nasceu. Aline Rodrigues, a mãe, postou nas redes sociais imagens e vídeos do menino, sempre com o cuidado de compartilhar apenas com amigos, como faz questão de ressaltar.
Além da atividade nas timelines da família, a vida digital de Eric se estende aos gadgets com que brinca como uma criança, alguns anos atrás, brincaria com um chocalho. Eric mexe no celular da mãe até que o aparelho comece a tocar as músicas de que gosta. Nativo digital, também já sabe passar fotos e apertar o botão que faz com que o celular se ilumine.
- Ele aprende muito rápido. Hoje ele mal fala, mas já pede o celular e aponta para o computador quando vê fotos de algum conhecido no Facebook - conta Aline.
Perfil no Face
Aos três anos, Thaila Estrazulas, assim como o irmão de um ano, Luiz Fernando, já tem perfil no Facebook. De acordo com a mãe, Jéssica, 22 anos, foi a própria menina que pediu para ter o perfil.
- Nós havíamos criado um para ela no Orkut. Depois ela começou a ouvir a família falando em Facebook e pediu um perfil - relata Jéssica.
Sem saber ler nem escrever, a menina usa a rede social basicamente para jogar online. Os amigos dela são conhecidos da família e pessoas próximas a Jéssica.
- Ela liga o computador da avó, digita a senha (ela decorou a sequência de teclas), clica no ícone da internet e acessa o YouTube sozinha - conta, impressionada.
Antes mesmo de aprender a escrever, a menina já sabe digitar boa parte do nome. Ela em frente ao computador e digita: T-H-A-I. Só falta o "la".
O conectado
Jogando games no computador, atento ao Facebook no tablet e à TV ligada nos desenhos favoritos. É assim, rodeado por telas de diferentes tamanhos, que Artur Souza Bitencourt passa a maior parte do tempo.
Aos sete anos, Artur investe horas investigando o planeta e o céu nas ferramentas Google Earth e Google Sky, procurando lugares e constelações bem distantes de Porto Alegre, onde vive.
- Qualquer dúvida, se não sabe passar de alguma parte de um jogo, ele procura a solução no YouTube - conta a mãe, Rochana Ramos.
Apesar de às vezes beirar o excesso, não vê a relação do filho com as tecnologias e as redes sociais como algo ruim.
- Eu acho bonito ver ele aprendendo, descobrindo as coisas sozinho. Isso vai ajudar muito mais tarde, nos estudos - pondera a mãe, que parece ter entendido o estilo hiperconectado do filho.
Tudo na mão
Uma das primeiras integrantes da geração Z, Mariana Canarim, 12 anos, pode se dizer uma veterana entre os hiperconectados. Ela nasceu em 2001 e não conheceu o mundo sem internet. Mesmo tendo tablet, notebook, iPod e smartphone à disposição, Mariana tem a maturidade própria de sua geração para administrar os gadgets.
- Eu uso muito para me comunicar com as pessoas, mas prefiro relações cara a cara, é completamente diferente - afirma Mariana.
Os grupos de amigos que ela mantém em redes sociais como Viber, WhatsApp e Facebook são apenas um facilitador para combinar encontros e trocar informações rápidas.
E não é só nas relações interpessoais que Mariana é reflexo de sua geração. Para ela, gadgets menores ganham o espaço dos computadores. Ao completar 10 anos, a menina ganhou da avó um notebook, que hoje quase não tem mais uso.
- Com o celular e o tablet na mão, eu acabo quase não usando - relata.