Quando o papa Bento XVI se aposentou, em fevereiro, se tornando o primeiro a renunciar em 600 anos, representantes do Vaticano foram bombardeados com perguntas complicadas, incluindo algumas que poderiam parecer estranhamente triviais: o que ele usaria nos pés? Ele manteria os famosos sapatos vermelhos do pontificado?
A resposta simples era não, disse o porta-voz do Vaticano, reverendo Federico Lombardi. No entanto, ele acrescentou que o papa aposentado estava muito contente com os mocassins marrons feitos a mão que ganhou durante a visita ao México em 2012. Eles se tornaram seus calçados preferidos para a aposentadoria.
Agora, Armando Martín Dueñas, da terceira geração de uma família de sapateiros cuja empresa fez os calçados, continua a lucrar com a força dessa aprovação. Os negócios cresceram quase 30% e, para a cidade de León, considerada a capital dos calçados e do couro no México, um orgulhoso "olha só para mim" parece ter voltado.
- Fortaleceu o segmento calçadista como um todo - disse o empresário Armando Martín, 45 anos. - Mostra que o México tem feito a lição de casa. Nossos produtos agora estão sendo aceitos no mundo inteiro.
Não muito tempo atrás, a cidade de 1,2 milhão de habitantes, erguida em uma área de mineração, emigração e forte catolicismo estava se sentindo perseguida. Cerca de 70% dos calçados mexicanos são produzidos em León ou ao redor da cidade. Durante os protestos de 2008 contra o plano do governo de reduzir a proteção tarifária do setor, os calçadistas recorreram a cartazes pedindo proteção à Virgem Maria contra a China e suas exportações baratas.
Representantes de vendas ainda afirmam que os produtores asiáticos prejudicam os negócios, mas o setor como um todo não parece mais estar descendo ralo abaixo. Até depois que as tarifas foram reduzidas de forma significativa, em 2011, o segmento calçadista de Guanajuato, Estado onde está a cidade de León, manteve crescimento contínuo de cerca de 5% ao ano. Em especial, as exportações para os Estados Unidos cresceram na casa dos dois dígitos, pois marcas americanas familiares, tais como Skechers e Steve Madden, se instalaram na região.
Mas León não fabrica apenas sapatos, ela os idolatra. O número de outdoors com calçados é equivalente aos que anunciam filmes e programas de TV em Los Angeles. Misturadas às centenas de fábricas e curtumes, há shoppings vendendo apenas e tão somente calçados. Nas proximidades do centro colonial, nas ruas apinhadas de gente do distrito de Killian, lojas oferecem sapatos e botas de todas as cores e variedades.
Para a maioria dos sapateiros, na verdade, os calçados são um empreendimento íntimo. A empresa de Martín, com 56 empregados, ainda é pequena o suficiente para ser assunto de família. A mãe ocupa a mesa ao lado da dele no andar acima da linha de produção. O nome da companhia, Ackerman, vem de um amigo sueco que trabalhava com o pai e alguns funcionários recordam-se de quando Martín era menino.
Passando pelos rolos de couro não cortado para a área onde os trabalhadores de camisas vermelhas esticavam, colavam e costuravam solas à parte de cima dos calçados, Martín apontou dois funcionários, um velho e um jovem, costurando à mão um sapato perto da bandeira mexicana decorada com imagens de Jesus e da Virgem Maria:
- Isto é artesanato. Nós trabalhamos assim há centenas de anos.
De acordo com Martín, no caso dos sapatos dados a Bento XVI, foram seis meses de tentativas para chegar ao design e às cores corretos:
- Desejávamos um calçado confortável, mas sem deixar a elegância de lado.
A mãe de Martín, Demis Dueñas, que tem mestrado em teologia, teve a ideia do presente, argumentando que León precisava dar um produto de boa qualidade. Tanto Martín quanto a mãe afirmam que o objetivo não era estimular a empresa. Tratava-se apenas de uma iniciativa de ser cordial e mostrar o México sob uma luz diferente: não a de um país doente com a violência e corrupção, mas a de uma nação talentosa.
A reação foi limitada no começo. O presente de Martín era um entre os muitos entregues ao papa durante visita à América Latina, em março de 2012. Embora os sapatos de Bento XVI costumem ser assunto dos fashionistas - a revista Esquire o apontou como o "criador de acessórios do ano" em 2007 - observadores do Vaticano presumiram que ele botou o presente no armário e continuaria usando os calçados italianos.
Então, chegou a notícia da aposentadoria - e os mocassins marrons. Eles foram um presente extra de Martín (além de um par dos sapatos vermelhos que o papa tornou famosos), e quando se transformaram em sucesso de público com Bento XVI, a demanda foi às alturas. Martín recebeu pedidos de compra do mundo inteiro. Durante um tempo, o empresário ficou aturdido.
Contudo, agora Martín encontrou novo desafio: entrou em contato com o Vaticano e estuda o número do sapato e as escolhas do papa Francisco para criar o par ideal do sucessor de Bento XVI. Martín também começou a vender versões pretas e marrons dos sapatos de Bento XVI pelo site da empresa. Seus modelos mais populares são vendidos no México por cerca de US$ 230.