No meio do caminho tinha uma pedra. E ela virou joia. De novelas da Rede Globo, inclusive. Mas não é só a moda de luxo que move Soledade, no norte do Estado. Ao agregar valor ao que produz, a capital das pedras preciosas cresce transformando o material bruto em brilho. E o desenvolvimento reluz em oportunidades, bons negócios e economia forte. A disparada recente tem uma meta ousada: consolidar Soledade como polo joalheiro na América Latina. Desde 2010, o número de pequenas empresas legalizadas, que eram inexistentes, chegou a 77. E o melhor: o avanço da joia não freou os negócios de pedra bruta ou semi-industrializada. Abriu novos rumos.
Mas nem sempre foi assim. A vocação sempre esbarrou no despreparo e na informalidade. Muitos trabalhadores de indústrias de pedras se lançaram no ramo das joias nas horas de folga. Só que hoje o bico virou coisa séria. O cavaco de pedra que ia para o lixo hoje vira anel. Um dos pontos cruciais dessa mudança foi a instalação do Centro Tecnológico de Pedras, Gemas e Joias, em junho de 2006. Com investimento de R$ 1,5 milhão, o centro de pesquisa já capacitou mais de 500 profissionais em lapidação, design, usinagem e fundição.
A transformação foi consequência. A queda acentuada nas exportações levou empresas do setor pedrista à falência em Soledade. Só que, para muitos, a demissão significou renascimento. Iniciava a migração da pedra bruta para a joia. Com qualificação para corresponder ao serviço mais meticuloso e delicado, o lucro surpreendeu. O boom era questão de tempo. E se deu a partir de 2009. Com incentivo da prefeitura, incluindo microcrédito, desentrave burocrático e preparo em gestão, o setor disparou. A criação da Associação dos Pequenos Pedristas de Soledade (Appesol), no ano seguinte, é a prova da profissionalização.
Enquanto o setor joalheiro vende praticamente toda a produção no mercado nacional, na linha anterior da cadeia o foco é exportação. Um exemplo é a Bagatini Pedras. Além de exportar pedra trabalhada e produtos semi-industrializados para 40 países, a empresa importa mais de 60 tipos de pedras de 14 países para servir de matéria-prima. Algumas vêm de Madagascar, Paquistão e Indonésia.
Assim, Soledade vai do bruto à joia. Só não completa a cadeia porque a extração de pedras é muito pequena no município. E não compensa. O maior diferencial, porém, está em agregar valor ao produto. A cada passo da transformação, o preço salta. Em alguns produtos, a valorização do início ao fim do processo chega a até 1.000% na hora da venda. E o município também ganha com maior arrecadação e geração de empregos.
Interesse internacional
O avanço da produção de joias também desperta interesse internacional. É crescente o interesse de estrangeiros em Soledade. No fim de maio, investidores dos Estados Unidos estarão na cidade para conhecer os produtos e fazer negócios. Apesar do foco atual no mercado interno, o município não perde as exportações de vista. A ideia é consolidar o polo apostando em qualidade, turismo e, claro, no interesse feminino por belas joias.
- Elas despertam o desejo das mulheres, pois trazem beleza e luxo com opções para todos os gostos e bolsos. A joia é o caminho para o futuro do município - destaca Carlos Alberto Rocha, secretário municipal de Indústria, Comércio e Turismo de Soledade.
Produzidas pela indústria MR Lodi, as peças despertaram o interesse da Rede Globo em 2008, após uma figurinista tê-las visto em um desfile na Itália. Desde lá, atrizes como Christiane Torloni, Cláudia Raia e Fernanda Montenegro já usaram joias da cidade nas novelas. A mais recente é Cláudia Abreu, que interpreta Chayene na novela Cheias de Charme. Ela usa um colar de ágata feito no município.
Tendências gaúchas no mercado
Para a designer de joias Marlova Sperotto, o uso de gemas, como se faz em Soledade, agrega valor e desperta interesse. Ela observa que o desafio sempre será melhorar a qualidade e o acabamento, mas ressalta que o potencial das joias brasileiras e gaúchas é grande. Também afirma que o investimento em design e inovação tem sido bem aceito, pois fortalece a busca por estilos próprios e exclusivos.
Marlova destaca ainda que as tendências do passado devem voltar repaginadas no outono e inverno deste ano. Segundo ela, muito colorido e brilho, principalmente em tons de azul, verde, vermelho e marrom, serão frequentes em diferentes tipos de joias. Aneis grandes, gemas salientes e brincos longos em formatos diversos, além de materiais como veludo, laços e ouro, também prometem despontar no período.
Os indicativos de mais cores, brilho e peças inovadoras animam os produtores de Soledade. Na MR Lodi, a meta é triplicar até o ano que vem a atual produção de 20 mil peças por mês. Com 45 empregos diretos e mais de 150 indiretos, a indústria vende quase tudo ao mercado interno, especialmente para o Nordeste, mas mantém a exportação na mira. A ideia é apostar em produtos exclusivos. E superar qualquer pedra que surgir no meio do caminho.
- Soledade está avançando muito e, creio, vai se tornar o maior polo joalheiro da América Latina - aposta Marlene Lodi, proprietária da MR Lodi e uma das pioneiras na produção de joias em Soledade.
O desafio da exportação
Consolidado como referência em pedras trabalhadas e semi-industrializadas, Soledade pretende aumentar a exportação de joias. Mas a postura é cautelosa com o mercado internacional. Um exemplo são as recentes exigências envolvendo o licenciamento ambiental para garimpos em Ametista do Sul, o que têm retido cargas para exportação no porto de Rio Grande. A maior preocupação do setor é que o entrave reduza a produção.
Mas o presidente do Sindicato das Indústrias de Joalheria, Mineração, Lapidação, Beneficiamento e Transformação de Pedras Preciosas do RS (Sindpedras), Ivanir Lodi, aposta em bom senso para resolver a dificuldade. Com dólar valorizado, a meta é fortalecer ainda mais Soledade no Exterior. Só em 2011, segundo o sindicato, os US$ 60 milhões negociados pelo município corresponderam a mais de 85% do volume exportado pelo setor.
- Quando viajo para outros países não preciso dizer que sou do Brasil. Basta falar que vim de Soledade para ser reconhecido e abrir portas - declara o empresário Sadi Bagatini, proprietário da Bagatini Pedras.
Da informalidade ao empreendedorismo
A expansão do setor de joias impulsiona o empreendedorismo. E conduz da informalidade à segurança. Hoje, a maioria das empresas joalheiras de Soledade é fornecedora de pedras lapidadas ou faz a montagem de peças. A formalização do negócio também absorveu uma demanda que foi rechaçada pela indústria devido à oscilação do mercado.
- Há três anos, a opção era cortar a pedra e vendê-la bruta ou polida. Hoje, ela vira joia, o que gera mais empregos e incentiva a qualificação - destaca Leonel Vieira Gonçalves, gestor de projetos da prefeitura e um dos fundadores da Appesol.
Um exemplo disso é Marco Antonio Rodrigues de Oliveira. Ele fundou há dois anos a MA Lapidados após passar duas décadas trabalhando na indústria. O negócio começou nas horas vagas e cresceu. Hoje, ele produz 2 mil pedras por mês. Tem dois funcionários com carteira assinada e dois aprendizes. Ganha em uma semana o que antes levava um mês. E quer mais.
- O trabalho é difícil, mas dá mais retorno. Pretendo crescer, pois o mercado é bom. Só não vendo mais porque falta mão de obra - revela.
Cidade mira no turismo
A consolidação do polo joalheiro em Soledade também passa pelo turismo. Ele é o passaporte para mais negócios, principalmente internacionais. O município pretende aproveitar o fato de ser rota de estrangeiros que virão ao Brasil para a Copa de 2014, como os argentinos. A promessa é surpreendê-los no caminho.
Está em estágio avançado o projeto para construir um shopping de joias no município. Ele reuniria pequenos produtores e comerciantes em estrutura especial às margens da rodovia Soledade-Porto Alegre (BR-386). O espaço seria cedido gratuitamente aos empreendedores. Segundo a prefeitura, a ideia é que o shopping funcione nos sete dias da semana.
Perto dali, no parque da Exposol, outra atração será o museu de pedras preciosas, que será inaugurado ainda neste ano. O turismo também movimenta a indústria. Uma das apostas é a venda de pedras sintéticas verde-amarelas, as "Pedras da Copa". Até lá, o município também espera receber o status de capital nacional das pedras preciosas.
- Também pretendemos oferecer hotéis temáticos com decoração feita em pedras e valorizar o papel medicinal delas, sem contar o diferencial das joias - observa Carlos Alberto Rocha, secretário municipal de Indústria, Comércio e Turismo de Soledade.
Do bruto ao brilho
Soledade aposta em gestão e inovação para consolidar polo joalheiro na América Latina
Centro de pesquisa já capacitou mais de 500 profissionais em lapidação, design, usinagem e fundição
Leandro Becker
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