A inovação financeira ganha cada vez mais espaço no Brasil. Prova disso é que o país carrega hoje o título de maior ecossistema de fintechs do cenário latino. Segundo dados da Associação Brasileira de Fintechs (ABFIntechs), são mais de 1.480 empresas deste segmento em atividade. Neste cenário, as instituições financeiras cooperativas estão se adaptando para seguirem competitivas no mercado. É o caso da Unicred que, com mais de três décadas de atuação no mercado, segue em constante atualização para trazer o que há de mais moderno em soluções financeiras para seus cooperados. Os constantes avanços da inteligência artificial, que estão transformando os processos e o próprio atendimento ao cliente, e também outras tecnologias como o PIX, lançado pelo Banco Central em 2020, trazem novos desafios para as cooperativas. Com a chegada do Drex, a versão digital do real, que deve ser implementada até o final do ano, novos horizontes se abrem dentro do mercado financeiro.
Em entrevista, o Diretor de Operações da Unicred Premium, Daniel Haas, comenta sobre as estratégias adotadas pelas instituições financeiras cooperativas diante deste cenário cada vez mais tecnológico. Confira:
Como as instituições financeiras cooperativas estão se adaptando ao rápido crescimento das fintechs e quais estratégias estão sendo empregadas para se manterem competitivas neste cenário em evolução?
Acredito que a tecnologia tem um grande potencial de impactar positivamente a experiência do cooperado, e as fintechs buscaram (e buscam) essas oportunidades para democratizar a contratação de serviços bancários tradicionais, que, até pouco tempo atrás, eram apenas acessados em agências físicas, com certo nível de burocracia. Penso que as instituições tradicionais devem aprender com este movimento, e utilizar estas novas soluções como aliadas, empregando a tecnologia em seus processos e plataformas de atendimento digital, visando a melhor experiência na contratação dos seus produtos e serviços. A diferenciação estará na qualificação das pessoas que atuam nessas instituições, que devem ser altamente capacitadas para prestar um atendimento consultivo, de forma a compreender a atual condição do cooperado, seus interesses e objetivos, conectando-os com as melhores ofertas em termos de produtos e serviços.
O mercado financeiro ainda tem um forte direcionamento pela concretização da venda, deixando de dar a devida atenção ao pós-venda e gestão de portfólio. Geralmente, é o momento de vida tanto pessoal quanto profissional, que dita as demandas por produtos e serviços e revisitar o portfólio realizando as devidas adequações é fundamental para que os objetivos sejam atingidos. A capacidade da instituição de entender essas diferentes realidades e alinhar sua atuação com verdadeiro interesse pelo cliente, na nossa visão, deve estar no centro da estratégia para manutenção da competitividade.
De que maneiras os avanços em inteligência artificial e aprendizado de máquina estão transformando as operações das instituições financeiras cooperativas, especialmente em áreas como atendimento ao cliente, gestão de risco e aconselhamento financeiro personalizado?
Os avanços em inteligência artificial (IA) e Aprendizado de Máquina estão transformando as operações das instituições financeiras cooperativas de várias maneiras. No atendimento ao cooperado, as tecnologias de IA estão sendo utilizadas para criar chatbots e assistentes virtuais, que podem lidar com uma variedade de consultas de clientes de forma eficiente e em tempo real, e, com uso da IA generativa, ainda mais eficientes e assertivos nas respostas. Isso não apenas melhora a experiência, mas também libera os colaboradores para estudar o perfil e as necessidades de cada cooperado, buscando a solução que melhor lhe atenda.
Na gestão de risco, as tecnologias de IA e aprendizado de máquina podem analisar grandes volumes de dados para identificar padrões e tendências que podem indicar comportamentos de risco e o desenvolvimento de modelos mais precisos. Isso ajuda as instituições financeiras a tomar decisões informadas e proativas para mitigar esses riscos. Algoritmos podem identificar padrões suspeitos de transações, ajudando a detectar e prevenir fraudes de maneira mais eficaz e em tempo real.
No aconselhamento financeiro personalizado, a IA e o aprendizado de máquina estão sendo utilizados para desenvolver sistemas que podem analisar o histórico financeiro de um cooperado, seus hábitos de gastos e suas metas financeiras para fornecer conselhos personalizados. Em uma gestão dos investimentos a IA pode apoiar no rebalanceamento de portfólio, ajudando os cooperados a manterem as estratégias de investimento alinhadas com seus objetivos financeiros. Além disso, a IA pode ajudar na eficiência operacional, onde a análise de grandes volumes de dados, por exemplo, pode identificar tendências e insights que possam informar estratégias de negócios e operações, análises em tempo real quanto ao compliance assim garantindo a conformidade regulatória. Portanto, o uso de IA e aprendizado de máquina nas operações financeiras está proporcionando benefícios significativos em termos de eficiência operacional, redução de riscos e melhor atendimento ao cooperado.
Quais são as implicações das recentes mudanças nas políticas do Banco Central, como a implementação do Open Finance, nos modelos de negócios das instituições financeiras cooperativas?
Acreditamos que o Open Finance será uma grande oportunidade para o Cooperativismo de crédito. Os dados mais recentes, de 2023, apontam que as cooperativas possuem cerca de 15,5 milhões de cooperados, destes, 13,2 milhões são pessoas físicas, o que representa uma participação de apenas 9% dentre os 147,3 milhões de brasileiros adultos que mantêm contas em instituições financeiras. As cooperativas representam atualmente 10,74% do estoque de empréstimos e financiamentos no Brasil. Ou seja, há um grande espaço para expansão. Em consulta ao site do Banco Central, podemos fazer o comparativo entre as taxas de crédito praticadas pelas instituições nacionais, e comprovar que elas são melhores (mais baixas) nas cooperativas. Em alguns casos, como o crédito pessoal, podem representar até 50% de economia em relação aos bancos. O Open Finance será um mecanismo que proporcionará essa comparação de forma individual em suas operações, tanto em empréstimos e financiamentos, quanto nos demais produtos financeiros. Assim, à medida que o projeto avança, entendemos que os benefícios do cooperativismo ficarão ainda mais visíveis para essa grande parte do mercado que ainda não opera com as cooperativas, e impulsionará o crescimento destas.
Como as instituições financeiras cooperativas estão se preparando para a digitalização da moeda, incluindo a introdução do real digital, e quais oportunidades e desafios isso apresenta?
O real digital pertencerá a uma nova categoria de moedas digitais, as CBDC – do inglês Central Bank Digital Currencies. O Banco Central vem conduzindo, desde a metade de 2023, um projeto piloto com o intuito de testar operações com a moeda digital brasileira, o DREX, e avaliar os benefícios de uma plataforma composta por um ecossistema de tecnologia de registro distribuído DLT (do inglês distributed ledger technology) em que serão simuladas operações com múltiplos ativos digitais, liquidadas com a DREX emitida pelo Banco Central. O projeto piloto conta com 16 membros, e a Unicred é uma das instituições participantes através do consórcio SFCoop, que é uma iniciativa de intercooperação entre os principais sistemas cooperativos financeiros do país.
Vários tipos de operações têm sido simuladas tanto no atacado quanto no varejo, entre elas a criação de carteiras, emissão, resgate e transferência do Real Digital (Drex Atacado), emissão e resgate e transferência do Real Tokenizado (Drex Varejo), Emissão e oferta de Título Público Federal, compra e venda de Título Público Federal com Real Digital, compra e venda de Título Público Federal com Real Tokenizado.
Entre os desafios, podemos citar que a introdução do DREX levanta questões regulatórias complexas relacionadas à conformidade, segurança cibernética e proteção aos dados. Quando falamos de multi ativos, envolve outras entidades que não apenas o Banco Central, e com isso diferentes regulações, como por exemplo CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Garantir a adoção e aceitação generalizada do DREX pelos usuários e instituições financeiras e não financeiras (multi ativos) pode ser um desafio cultural e comportamental. Garantir a escalabilidade e a interoperabilidade da infraestrutura tecnológica, segurança e privacidade (sigilo bancário e LGPD). No campo das oportunidades, abrem-se portas para o desenvolvimento de novos produtos e serviços financeiros digitais, para a utilização de contratos inteligentes, e protocolos de intermediações de compra e venda de produtos e serviços, de forma facilitada e inovadora, tudo isso, em ambientes com altíssimo grau de segurança.
Qual papel você vê para as instituições financeiras cooperativas no futuro do banco digital, e como elas podem aproveitar seu modelo focado nos membros para se diferenciarem de bancos tradicionais e startups de fintech?
Em nossa análise, aliar os benefícios e a conveniência que a tecnologia oferece, ao relacionamento e atendimento consultivo, com profissionais altamente capacitados para isso, deve estar no centro da estratégia para diferenciação. Porém, não podemos deixar de lado o papel social das cooperativas nas suas regiões de atuação, e o envolvimento dos cooperados nas decisões do negócio. Em relação a isso, empregar soluções tecnológicas que aumentem o engajamento dos membros e incentivem a participação ativa nos assuntos da sua cooperativa, é algo que manterá o propósito do cooperativismo presente entre todas as gerações.
Cito como exemplo, o ato que, a meu ver, melhor representa o cooperativismo: a assembleia geral. Nela, os membros deliberam sobre assuntos de interesse da instituição, elegem dirigentes, votam pela destinação das sobras, e estão em contato com o quadro diretivo, podendo contribuir com sugestões para o futuro do negócio. Até 2019, ano que antecedeu a pandemia de Covid-19, praticamente todas as cooperativas adotavam o formato presencial para realização das suas assembleias. No ano seguinte, a adaptação para o formato digital se fez necessária, e, no caso da Unicred, representou um aumento médio de 40% na participação dos membros. Em suma, buscar alternativas para modernizar a relação entre o cooperado e sua cooperativa em aspectos que reforçam a sua condição de dono do negócio, e não apenas consumidor de produtos financeiros, fará com que os diferenciais do modelo cooperativo mantenham sua relevância no atual movimento de digitalização.