Um pequeno município gaúcho, com 25 mil habitantes, vem consolidando uma das produções mais diversificadas de cachaça no Brasil. Ivoti, no Vale do Sinos, contabiliza 99 marcas da bebida com registro no Ministério da Agricultura. Conforme o Anuário da Cachaça de 2020 elaborado pelo órgão federal, o município só fica atrás das mineiras Salinas (125) e Itaverava (114) em quantidade de rótulos.
Em um mercado dominado em escala pelas fábricas de Minas Gerais, as cachaçarias de Ivoti se caracterizam principalmente pela fabricação de rótulos premium e extra premium, com envelhecimento em barris por período entre dois e 12 anos. As 99 marcas locais são distribuídas por três empresas. Para efeito de comparação, as 125 marcas de Salinas (MG), a campeã nesse quesito, vêm de 21 fábricas.
Em comum, as fabricantes ivotienses têm origens que remetem à colonização alemã, contam com administração familiar e focam a produção da bebida na qualidade em vez da quantidade. Ao todo, concentram um terço das 295 marcas de cachaça no Rio Grande do Sul. No país, há 4 mil variedades, sendo 1,6 mil mineiras.
— Ivoti hoje pode ser considerada uma das principais referências na fabricação de cachaça no país, o que está muito ligado à projeção da Weber Haus nos cenários nacional e internacional — avalia Paulo Ramos, secretário-executivo da Associação dos Produtores de Cana-de-Açúcar e Derivados do Rio Grande do Sul (Aprodecana).
Maior cachaçaria do Estado, a Weber Haus responde por quase 90% das marcas de Ivoti. São 88 opções, que abrangem rótulos envelhecidos em barris de sete tipos de madeiras, marcas que foram adquiridas nos últimos anos, produtos voltados a atender mercados específicos no Exterior e até mesmo bebidas produzidas sob medida para bares e restaurantes estrangeiros.
A ampla coleção de rótulos só começou a ser construída há duas décadas, por causa de um infortúnio. De 1948, quando a cachaçaria foi fundada, até 1999, a empresa tinha apenas uma marca: a Caninha Primavera, que era entregue de porta em porta nos municípios da região. No entanto, uma engarrafadora de São Paulo registrou o nome e a cachaçaria de Ivoti não pode mais utilizá-lo. O que parecia o fim do negócio acabaria impulsionando um recomeço.
— Éramos muito humildes, não tínhamos dinheiro para bancar advogado. Só de falar nisso nos arrepiávamos. Aí esquecemos a Primavera. Como perdemos a marca, registramos o nome Weber Haus e começamos a nos planejar para ir ao mercado externo — conta Evandro Weber, neto do fundador da cachaçaria e hoje à frente da empresa.
Após o episódio, a Weber Haus mudou o posicionamento no mercado. Da maneira de fabricar a cachaça ao design das garrafas, tudo mudou. A estratégia de criação de novas marcas adicionou valor à cachaça e começou a abrir portas no Exterior. Hoje, a empresa exporta para 23 países e tem cerca de 40% da receita vinda das vendas internacionais. Ainda assim, Evandro não deixou de acompanhar a situação da marca Primavera, que voltou a ficar disponível em 2018. Assim, a cachaçaria agilizou o registro e recuperou sua primeira marca.
A produção da empresa oscila entre 450 mil e 550 mil litros por ano, dependendo do tamanho da safra de cana-de-açúcar. A cachaçaria planta a própria matéria-prima de maneira orgânica em cerca de 50 hectares, o que atende a 80% da necessidade da fábrica. O restante do produto beneficiado nos alambiques é obtido junto a um agricultor da região, que também não utiliza agrotóxicos no manejo.
Marcas de cachaça por Estados
- Minas Gerais - 1680
- São Paulo - 527
- Rio de Janeiro - 346
- Rio Grande do Sul - 295
- Santa Catarina - 186
Marcas de cachaça por municípios
- Salinas (MG) - 125
- Itaverava (MG) - 114
- Ivoti (RS) - 99
- Paraty (RJ) - 75
- Areia (PB) -68
Fonte: Ministério da Agricultura
A mais antiga
O início da produção de cachaça em Ivoti está diretamente relacionado à chegada de imigrantes a partir do século 19. Os alemães que vieram ao Rio Grande do Sul tinham o hábito de fazer o schnapps, um destilado a base de batata-inglesa. Com o passar do tempo, trocaram o tubérculo pela cana-de-açúcar, produzida por diversas famílias na região. Ainda assim, a palavra schnapps virou um sinônimo de cachaça para os ivotienses. Tanto que o termo em alemão figura até hoje nos rótulos da Bockorny, a cachaçaria mais antiga em atividade no município.
Nascida em 1912, a Bockorny atualmente é administrada pela quarta e quinta gerações da família. Com sete marcas de cachaça, a empresa produz, por ano, aproximadamente 80 mil litros. Nos últimos anos, o foco também passou a ser a produção de artigos premium e extra premium, com o envelhecimento da bebida por até seis anos em barris de madeira, além das bebidas mistas à base do destilado da cana. A matéria-prima é toda adquirida de um agricultor local, que realiza o plantio para a cachaçaria.
— As marcas têm relação com as madeiras que utilizamos para o envelhecimento. Estamos sempre procurando tipos diferentes de madeira e temos ideias para mais marcas nos próximos anos. Uma delas deve ser um blend feito em seis tipos de madeira — destaca Guilherme Bockorny, tataraneto do fundador e um dos atuais sócios da empresa, ao lado do pai, Paulo Bockorny.
A produção é vendida quase integralmente no mercado gaúcho. No entanto, a cachaçaria tem planos de começar a exportar para Estados Unidos e Alemanha. Além disso, a empresa está investindo na construção de um novo prédio, para abrigar loja, adega e parte da produção. A expectativa é terminar a obra até o final do ano.
A caçula
No mercado desde 2016, a Casa Buchmann é a caçula entre as cachaçarias de Ivoti e fecha a lista das três empresas do setor com atuação no município. A empresa, no entanto, tem parceria com um alambique na vizinha Presidente Lucena, onde fez a maior parte dos registros junto ao Ministério da Agricultura. Segundo o fundador do negócio, Paulo Buchmann, a intenção é começar a migrar as marcas para Ivoti, algo que já foi feito com quatro rótulos.
Médico de formação e prefeito de Ivoti entre 1993 e 1996, Buchmann decidiu ingressar na produção de cachaça no início dos anos 2002 como um hobby. Neste sentido, a produção anual é limitada a cerca de 25 mil litros e procura atender ao mercado luxo. Um dos carros-chefes é a cachaça envelhecida por 12 anos. A maior parte da produção acaba sendo comercializada junto a turistas que passam pela Rota Romântica, mas a cachaçaria também realiza vendas para outros Estados por meio do e-commerce.
— Como não temos um volume grande de produção, prezamos a venda ao consumidor final na loja — ressalta Fábio Buchmann, filho de Paulo e um dos administradores do negócio.
Fábio ainda destaca que as cachaçarias de Ivoti vêm conversando para articular uma rota turística da cachaça. A ideia seria se espelhar no enoturismo do Vale dos Vinhedos, potencializando negócios e ampliando o alcance das marcas ivotienses de cachaça.