Quantas vezes vocês parou em frente a prateleiras de supermercados com dúvidas sobre quais alimentos escolher? Orgânicos ou convencionais? Industrializados ou in natura? Carnes ou verduras? Cada vez mais seletivo e faminto por informações, o consumidor quer saber tudo – da origem ao sistema de produção.
A opção sobre qual comida colocar no prato tem implicações econômicas, ambientais, fisiológicas e culturais. Sem a pretensão de interferir em uma decisão pessoal, a reportagem traz elementos para ajudar nessa escolha. Seja ela qual for, é importante conhecer os aspectos que envolvem a produção e a segurança dos alimentos. Na batalha constante entre a razão e a emoção, é preciso saber discernir fatos de mitos – para que a decisão seja consciente e traga os resultados esperados para a saúde e a qualidade de vida.
Orgânico é mais saudável?
A busca por alimentos "sem" ou "livres de" é uma prática crescente entre os consumidores, cada vez mais preocupados com alimentação saudável. Mas, afinal, quais produtos são mais benéficos à saúde?
– O consumidor está desorientado, confuso em meio a mitos que o fazem deixar de comprar determinados produtos. Muitas vezes escolhe um alimento acreditando em um benefício que ele não tem – diz Luis Madi, diretor-geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital).
Como exemplo, Madi cita o caso dos orgânicos. Segundo o especialista, não há evidências científicas suficientes para afirmar que esses alimentos são superiores aos convencionais. Crenças dos consumidores, como presença maior de nutrientes e vitaminas e melhor sabor, não foram comprovadas em recente estudo comparativo de propriedades de alimentos com origem de distintas formas de produção agrícola. A diferença é que um sistema usa químicos e outro compostos orgânicos.
– Desde que sejam empregadas boas práticas, tanto alimentos convencionais quanto orgânicos são seguros, com qualidade e saborosos, podendo ser consumidos sem qualquer receio – diz Madi.
O especialista também esclarece que, assim como os aditivos sintéticos, os químicos utilizados na produção de alimentos também foram aprovados pelas agências reguladoras competentes.
– A regulamentação dessas questões é importante para que os consumidores tenham informações confiáveis e não sejam induzidos ao erro nas suas decisões de compra _ completa o diretor-geral do Ital.
Comer carne vermelha faz mal?
A preocupação em reduzir o consumo de carne vermelha nos últimos anos fez surgir milhares de negócios voltados à alimentação vegetariana, de restaurantes a indústrias bilionárias de produtos naturais. A escolha do tipo alimentar é uma opção pessoal, baseada em gostos, crenças e estilos de vida. Seja qual for, é importante ter consciência de suas implicações.
As orientações médicas para a substituição de proteína animal por fibras são sustentadas por estudos que mostram a redução de colesterol e da aterosclerose (acúmulo de placas de gordura e outras substâncias nas paredes das artérias) nas pessoas geneticamente predispostas a estas doenças e com outros fatores de risco. Por outro lado, alerta o cardiologista Iran Castro, é importante ter em mente a necessidade de reposição de componentes existentes na carne, como ferro e vitamina B12 _ fundamentais para o crescimento e desenvolvimento de crianças, principalmente na parte cognitiva.
Em busca de informações mais consistentes aos consumidores, o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul e o Departamento de Zootecnia da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fizeram uma pesquisa com 74 voluntários saudáveis.
Os indivíduos consumiram diariamente 120 gramas de carne bovina, de novilhos terminados aos dois anos de idade em pastagem ou em confinamento de curta duração.
_ O consumo de nenhuma das carnes determinou aumento do colesterol. Ressalva-se que toda a gordura foi retirada para o consumo _ detalha Castro.
Os malefícios da ingestão de carne, acrescenta o cardiologista, estão relacionados, principalmente, à presença de gordura externa.
Como garantir a longevidade?
Na era do terrorismo nutricional e da demonização dos alimentos, embasados em pseudociência, é prudente ter cuidado, alerta o endocrinologista Filippo Pedrinola, médico do Hospital Albert Einstein. O especialista diz que é preciso basear-se mais em fatos e menos em mitos.
– As pessoas chegam ao meu consultório perguntando o que devem fazer para emagrecer. Eu respondo: fazer as escolhas certas – detalha o médico.
O especialista enfatiza que a evolução biológica do ser humano depende de como se alimentam. Isso explica porque algumas pessoas envelhecem mais rápido do que outras, afirma Pedrinola. Como exemplo, cita dois carros com o mesmo ano de fabricação e estado de conservação diferentes:
– Costumo dizer que a saúde começa pelo intestino. Um padrão alimentar saudável reduz o risco de doenças crônicas.
A recomendação básica para uma alimentação saudável é fugir de dietas da moda, comer de forma consciente e evitar estresse emocional – nas relações pessoais e profissionais.
– Estou falando de um processo dinâmico, consciente e individual de busca por uma vida saudável e feliz, reforçando as conexões entre corpo, mente e espírito – detalha o médico.
Pedrinola acrescenta que exercícios de meditação e atenção plena na hora das refeições tiram as pessoas do piloto automático e aumentam a percepção dos benefícios do alimento para o organismo.
– Unimos a tecnologia da medicina moderna a técnicas da medicina complementar validadas pela ciência – completa o especialista.
Transgênicos são seguros?
Já se passaram quase duas décadas desde que a soja transgênica foi aprovada no Brasil, mas desconfianças sobre organismos geneticamente modificados ainda rondam a cabeça da população. Cercada de polêmica, a transgenia avançou para o milho, algodão, eucalipto e para a cana-de-açúcar.
– A falta de entendimento ainda faz com que as pessoas achem que os transgênicos causam mal à saúde, o que não passa de ideia fantasiosa – diz Adriana Brondani, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).
A discussão envolvendo a transgenia costuma despertar discussões acaloradas _ com pontos de vista extremos.
_ Há uma dificuldade muito grande de tratar o assunto cientificamente em razão de interesses econômicos _ critica Fábio Dal Soglio, professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O fato é que uma variedade transgênica leva em média de 12 a 15 anos para ser desenvolvida, período em que são realizados testes laboratoriais e aplicados. Em caso de suspeita de risco à saúde ou ao ambiente, as pesquisas são interrompidas logo no início.
Foi o que aconteceu com o feijão rico em metionina, extraída da castanha de caju. Como existe número elevado de pessoas alérgicas à castanha, a presença do gene no feijão seria maléfica.
_ Os transgênicos devem ser tratados caso a caso, tudo depende do gene introduzido. Mas a técnica em si não é problemática, essa é uma discussão ultrapassada _ pondera o professor Luiz Carlos Federizzi, da Faculdade de Agronomia da UFRGS.
Comidas têm substâncias tóxicas?
Substâncias tóxicas, como bactérias, vírus, fungos, protozoários e leveduras, estão naturalmente presentes na comida que chega à mesa do consumidor.
– Os alimentos têm riscos microbiológicos – explica a toxicologista Elizabeth Nascimento, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Isso não quer dizer que os alimentos são maléficos, mas que devem ser tomados cuidados para evitar a contaminação. A mandioca, por exemplo, tem cianeto (composto químico tóxico), que não acarreta danos se for cozida. O mesmo ocorre com a batata e a couve-flor, que bem fervidas inibem a ação de substâncias tóxicas. A carne, por sua vez, tem alta concentração de compostos (aminas biogênicas, tiramina e serotonina) que, se ingeridos em altas concentrações, podem aumentar ou diminuir a pressão arterial.
O risco, explica Elizabeth, é a probabilidade de a substância produzir dano sob determinadas condições. Já a segurança refere-se à probabilidade de a substância não produzir dano:
– Claro que não existe risco zero nem segurança absoluta.
O grande problema, alerta a professora, está associado aos contaminantes, como metais e resíduos de medicamentos veterinários e de praguicidas. Esses compostos têm limites máximos estabelecidos pelas agências reguladores nacionais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou órgãos internacionais.
O importante é que os contaminantes nos alimentos sejam analisados e que estejam de acordo com o preconizado por estes órgãos.
– A dose faz o veneno. O que mata não é um pouco disso, um pouco daquilo, mas a exposição crônica – resume.
Brasil é líder no consumo de agrotóxicos?
O título brasileiro de maior consumidor mundial de agrotóxicos tem duas faces. O país, com dimensão continental, é o primeiro do ranking no volume total utilizado. Mas, quando os números são analisados pela proporção de área cultivada, o Brasil cai para a sétima posição _ atrás do Japão, Coreia, Alemanha, França, Itália e Grã Bretanha.
O Japão, por exemplo, campeão em longevidade e qualidade de vida, utiliza oito vezes mais defensivos agrícolas por hectare.
_ A imagem do uso de agrotóxicos no Brasil é desconectada com a realidade _ diz Caio Carbonari, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
E se a análise for feita pelo volume de alimentos produzidos, o Brasil despenca para 13º no ranking do uso de defensivos, com Argentina, Estados Unidos, Austrália, Espanha e outros oito países à frente. O trabalho de pesquisa analisou dados do uso de agroquímicos nas culturas de soja, milho, algodão e cana de açúcar entre os anos de 2002 e 2015.
_ Estamos em uma situação muito confortável quando olhamos os dados com a ótica adequada, atrás, inclusive, de países de clima temperado, com menor necessidade de químicos do que a agricultura tropical brasileira _ esclarece o professor.
Os números da indústria mostram inclusive uma queda no consumo de químicos nos últimos anos no Brasil, acrescenta Carbonari:
_ Não existe consumo exacerbado, até porque a ineficiência no uso de insumos significa custos maiores aos produtores.