Há 10 anos, os irmãos Alencar e Loresoni Barbosa levaram os primeiros 10 pares de botas masculinas a um rodeio na serra gaúcha. Aproveitaram a expertise em modelagem e desenvolvimento de calçados para oferecer um produto funcional para a lida campeira. Os modelos agradaram tanto que as mulheres passaram a pedir versões femininas. Em pouco tempo, o ateliê da empresa em Farroupilha ficou pequeno para tantos pedidos. Conhecida por utilizar metais do campo e adereços de montaria em seus produtos, a Malacara está presente hoje nos pontos mais valorizados de Gramado, na Rua das Hortênsias, e de Porto Alegre, no coração do bairro Moinhos de Vento.
– Trazemos detalhes estilizados do campo para o público da cidade. Fazemos os mundos se conversarem, sem barreiras – explica Francis Barbosa, 30 anos, um dos sócios da marca ao lado do pai Loresoni e do tio Alencar. Na loja localizada na Rua Félix da Cunha, aberta há um ano, é comum clientes se surpreenderem ao descobrirem que a empresa é gaúcha.
– A primeira pergunta é se a marca é argentina ou uruguaia – conta Francis.
A visibilidade em pontos estratégicos fez com que a Malacara conquistasse clientes do Brasil inteiro. Cerca de 40% das vendas estão fora do Rio Grande do Sul. Confeccionadas com toques à mão, difíceis de serem reproduzidas por máquinas, as botas em diversos modelos são o carro-chefe dos negócios – fomentados principalmente pelas mulheres. O portfólio inclui também coletes, ponchos, bolsas e acessórios – além de artigos masculinos, como botinas e jaquetas.
– Quando começamos, tínhamos de pegar produtos de terceiros para encher a loja. Hoje, 100% dos artigos são fabricação própria – conta o empresário.
Mesmo com aceitação entre os urbanos, metade das vendas se concentra entre pessoas ligadas ao meio rural – especialmente em feiras agropecuárias e rodeios. Nesses locais, além de empresas de vestuário e acessórios, fabricantes de máquinas agrícolas reforçam suas marcas ao oferecerem botas, chapéus e coletes em lojas próprias.
O comportamento de consumo está relacionado à identificação das pessoas com produtos que tenham significado para elas, explica Maria Flávia Tavares, doutora em Agronegócios e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV). A consultora destaca que o crescimento da moda no segmento rural tem relação também com o sentimento de pertencimento.
– Seja pelo presente ou pelo passado. A questão emocional é muito evidente nas escolhas que fazemos – diz Maria Flávia.
No Rio Grande do Sul, a moda rural é influenciada pela cultura tradicionalista _ dos ponchos às botas.
– Muitos artigos acabam se confundindo. Encontramos produtos campeiros de agropecuárias a boutiques chiques – resume a cantora e jornalista Shana Müller.
Com grife própria de roupas desde 2014, a apresentadora do Galpão Crioulo trará novidades em julho, agora focada em saias longas, faixas e cintos de couro.
– A ideia é lançar diversas coleções ao longo do ano. É um mercado muito promissor – avalia Shana.
Se a cultura local ajuda a ditar a moda campeira no Rio Grande do Sul, em Estados como Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul o vestuário é influenciado pelos rodeios e pelo estilo country.
– O regionalismo está muito presente na moda brasileira. As tendências são ditadas por questões estéticas, culturais e estilo de vida do público que se quer atingir – explica Iran Marcon, professor de Moda do Senac Canoas.
O especialista cita ainda a influência do conceito de escapismo, o desejo de sair do contexto urbano e fazer uma viagem curta para outro universo.
– E para isso a pessoa não precisa necessariamente fazer parte daquele mundo – resume Marcon.
Influência argentina no vestuário
De origem argentina, da província de Entre Ríos, a Los Corrales foi precursora na venda de roupas ligadas ao campo no Rio Grande do Sul. Ainda em 1998, o empresário Miguel Angel Cabrera participou pela primeira vez como expositor da Expointer. Conhecida principalmente pelos modelos de mocassins de couro, a marca desembarcou no Estado em 2003, quando inaugurou loja própria em Porto Alegre. Para marcar o território, colocou um cavalo de madeira na disputada calçada da Rua Félix da Cunha, quase em frente ao Moinhos Shopping e ao Sheraton Hotel.
– Muitas pessoas nos perguntam: precisa ter fazenda para usar essas roupas? Então explicamos que a inspiração vem do campo, mas que o uso é para o dia a dia, são peças clássicas _ conta Juan Miguel Cabrera, filho do fundador da marca.
Morando em Porto Alegre desde 2010, o empresário argentino coordena os negócios no Brasil – que respondem por 20% do faturamento total. As vendas ocorrem no endereço da Capital e em feiras do setor em todo o país. Há dois meses, a empresa fechou parceria para comercialização dos produtos em multimarcas de Santiago, Bagé e São Gabriel. E está reformulando o site para oferecer os produtos online.
No caso da Los Corrales, o público predominante é o masculino, especialmente pelos blusões em lã de ovelha e mocassins em couro, que lideram as vendas da fabricante. Para conquistar clientes por aqui, a marca não fez nenhuma adaptação em relação aos produtos confeccionados na Argentina.
– O gaúcho se parece muito com os argentinos e com os uruguaios, dos costumes ao modo de se vestir. A diferença é que lá esses produtos são mais populares e aqui são nichos de mercado – diz Cabrera.
Paixão por cavalos materializada em peças
Por um empurrãozinho do destino, a designer Alice Knop e a publicitária Ana Carolina Schmidt se aproximaram do mundo dos cavalos. Alice porque casou-se com o treinador de cavalos Guto Freire, tricampeão do Freio de Ouro, principal competição da raça crioula no Brasil. Ana Carolina por meio dos filhos, que na adolescência praticavam hipismo. Profissionais em áreas distintas, cada uma vislumbrou oportunidades de negócios em um ambiente onde a paixão pelo animal inspira a criação.
– Quem não convive nesse meio não tem dimensão de quanto as pessoas são apaixonadas pelo cavalo. É um mundo paralelo, que eu mesma não conhecia – conta Alice, 29 anos.
Quando passou a frequentar as provas de cavalo crioulo com frequência, para acompanhar o marido, Alice decidiu transmitir o sentimento pelo cavalo por meio das joias. A designer passou então a criar coleções com brincos, medalhas, pulseiras, anéis, pingentes e colares – todos inspirados em equipamentos de montaria, como bridões, estribos, ferraduras, relhos, esporas, freio e o próprio cavalo. As peças são produzidas em ouro 18 quilates ou prata, adornadas com diamantes e pérolas.
– São joias delicadas, que podem ser usadas no dia a dia, com qualquer tipo de roupa – explica Alice.
Embora tenha começado a produzir em 2011, foi a partir de 2014 que o negócio ganhou vida própria. Na época, lançou a primeira coleção com modelos em prata e abriu sua primeira loja na Expointer.
– Naquele momento, percebi que as pessoas passaram a ver as joias com um valor diferente – recorda Alice.
Hoje, são 10 coleções nos mais variados modelos e, ainda, a possibilidade de personalizar peças. A maioria das vendas, cerca de 70%, ocorrem em eventos do setor. A última na Equitana, maior feira equestre do mundo, realizada em março na Alemanha. Em negociação para abrir uma representação no interior paulista, a designer também está em tratativas para vender suas criações em uma loja virtual americana.
Coleção verão ganha o Brasil
As feiras equestres também são a principal vitrine para a Empório Caron, marca criada pela publicitária Ana Carolina Schmidt no final de 2012. Após viver 17 anos em Franca (SP), onde o marido Clesio Caron trabalhava em um curtume e ela era professora universitária, retornou com a família ao Rio Grande do Sul.
– Nossos três filhos praticavam hipismo lá. E para facilitar a adaptação, continuaram praticando aqui. Foi quando percebi essa relação com a moda equestre, principalmente por parte das meninas – lembra a publicitária.
O primeiro produto criado foi um chinelo de borracha com estampa de cavalos – hoje registrada – que remete a todas as raças equinas. Depois vieram os biquínis, saídas de praia, bolsas, cintos e alpargatas.
– Nossa coleção é quase toda verão. Em um país tropical, são produtos que podem ser usados no Brasil inteiro – destaca a empresária.
A aposta deu certo. Os chinelos e biquínis são vendidos hoje para Rio de Janeiro e São Paulo, além do Rio Grande do Sul, claro. As tradicionais alpargatas da lida campeira ganharam modelagem mais urbana, em diversas cores e formatos. Enquanto Ana Carolina cuida da criação dos produtos, o marido é responsável pelos fornecedores, produção e controle de qualidade.
– Trouxe ele para o negócio. Hoje trabalhamos juntos – conta, realizada, a publicitária, que também participou da maior feira equestre do mundo, na Alemanha.
EDITORIAL
Produção Executiva - A Imaculada
Edição de moda - Gabriela Casartelli
Beleza - Kaike Moraes
Modelo - Luana Krieger (Joy Model POA)
Roupas e acessórios - Calça, camisa e ruana Los Corrales - Colete, lenço e bota Malacara - Bolsa Empório Carron - Joias Alice Knop