Agricultura digital, de precisão, 2.0. A evolução tecnológica cria conceitos no campo e disponibiliza série de ferramentas para melhorar a gestão das propriedades e os resultados das colheitas. Na Expodireto-Cotrijal, que se encerra na sexta-feira, em Não-Me-Toque, foi preciso fôlego aos agricultores para conhecer tantas novidades da agricultura digital que prometem ajudar o produtor a tomar decisões com base na análise de variáveis e informações estatísticas.
Utilizando os dados captados a partir de softwares e equipamentos da agricultura de precisão, como a telemetria, são criados algoritmos que geram recomendações para todas as etapas que envolvem o cultivo – desde o preparo do solo, escolha da semente, adubo, momento de plantar, manejo, regulagem das máquinas até decisões sobre época de colheita e de venda.
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Essa evolução pode tornar alguns controles automáticos, como irrigação e nutrição vegetal. Satélites (GPS) e sensores eletrônicos nas máquinas captam as informações, que são processadas, e uma determinada ação é aplicada para corrigir eventual falha – tudo isso sem intervenção humana. Mas é preciso lembrar que em uma fábrica é o ser humano que toma a decisão final, mesmo com toda a gama tecnológica disponível. A atividade não se resume a um operador apertar o botão e o computador resolver. Assim também é no campo.
– Na agricultura, que envolve variações biológicas, interação e quantidade significativa de parâmetros, não podemos imaginar que a tecnologia vai tomar a decisão sozinha. O produtor é que vai decidir qual o melhor momento para vender o grão, por exemplo.
A agricultura digital pode automatizar algumas decisões para deixar o produtor se concentrar no que é mais crítico e que as máquinas não conseguem resolver – ressalta Marcio Albuquerque, diretor da Falker e membro da Comissão de Agricultura de Precisão do Ministério da Agricultura.
Nos casos em que não conseguem resolver sozinhas, as máquinas organizam as informações e geram dados para que o produtor tome uma decisão consciente. Antes de aplicar a agricultura de precisão na propriedade de 700 hectares em Doutor Maurício Cardoso, a família Kretschmer colhia em torno de 60 sacas de soja e 150 de milho por hectare. Mesmo sem as facilidades da agricultura digital – que ajuda a reduzir perdas –, deve chegar a 80 sacas de soja e 200 sacas de milho por hectare nesta safra.
– O principal ganho da tecnologia é a uniformidade da lavoura. Estamos sempre analisando as ferramentas disponíveis e, se trouxer ganhos, começamos a aplicar – explica Rafael Kretschmer, 19 anos, técnico agrícola e estudante de engenharia agronômica.
Rafael foi à feira com o irmão gêmeo Felipe e o pai, Kurt, 47 anos, em busca das novidades em agricultura digital. Além de milho e soja, eles cultivam ainda trigo na propriedade.
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Estudos mostram que o produtor toma cerca de cem decisões críticas em um ciclo. E é justamente aí que a agricultura digital se transforma em uma grande mão na roda. Imagine abrir o tablet e poder cruzar diferentes dados, visualizando mapas da atual safra e da anterior para identificar, por exemplo, porque uma área na propriedade apresenta baixa produtividade. Com ajuda de ferramentas, é possível analisar se o problema é semente, solo ou praga e fazer a correção com agilidade.
Essa é uma das aplicações que a Monsanto, por meio da ferramenta Climate FieldView, irá trazer para o mercado brasileiro em agosto. Em fase de testes no país desde o ano passado, em cem propriedades, inclusive no Rio Grande do Sul, o projeto-piloto ainda não foi consolidado porque a safra de soja está em andamento – mas os relatos preliminares indicam ganhos, segundo a multinacional.
– Vemos benefícios imediatos, mas os resultados são individualizados. Ao identificar perdas em tempo real, a plataforma permite o aumento de renda pela redução de custo – explica Aline Hasse, analista de marketing da Climate Corporation, braço de agricultura digital da Monsanto.
Os sensores das máquinas coletam dados como umidade, plantio, colheita, GPS e piloto automático, que são codificados e transferidos por Bluetooth, em tempo real, para um tablet instalado na cabine. No caso da Monsanto, é necessário um iPad, pois o sistema roda com mapas em alta resolução e somente o processador da Apple consegue suportar a navegação. Em casa, é possível acessar uma plataforma web pelo iPhone ou computador.
A Bayer, gigante alemã que está em processo de aprovação da compra da norte-americana Monsanto, apresenta como solução de agricultura digital o aplicativo WeedScout, app colaborativo e gratuito. O software identifica plantas daninhas (matocompetição) por meio de imagens de celular – disponível nos sistemas Android ou iOS. Estão em desenvolvimento ferramentas para o reconhecimento de nematoides (doenças do solo). A novidade deve chegar ao mercado no segundo semestre.
– Quando o produtor vistoria a propriedade, o local é mapeado. Se tem problema em reconhecer a erva daninha, ele faz a foto e o programa ajuda a identificar o que é. De posse da informação, é possível fazer o manejo – informa Marcos Cernescu, gerente comercial da Bayer.
Atualmente, o software conta com 13 mil fotos de plantas daninhas cadastradas por produtores de diferentes regiões do Brasil. Também dentro do Digital Farm, área de negócios da Bayer, foi criado e lançado em 2016 um site, o Alertas Bayer. O produtor acessa informações sobre a probabilidade de incidência de doenças e pragas e as ocorrências climáticas em regiões do Brasil. Os dados são inseridos por parceiros da Bayer, como institutos meteorológicos e universidades, incluindo a Universidade de Passo Fundo. A Bayer desenvolveu 23 algoritmos e cruza as informações de produção, doenças e clima.
Máquinas conectadas e com informação em tempo real
As principais montadoras também estão convergindo suas tecnologias para a agricultura digital e desenvolvendo sistemas próprios para analisar dados coletados e disponibilizar resultados em dispositivos móveis ou computadores. Tudo isso em tempo real – onde houver cobertura de internet. Mesmo nas áreas chamadas sombras, as informações são coletadas e, quando o modem localiza o sinal, faz a transferência.
– Vemos uma corrida para buscar o direcionamento automático das máquinas, que é o que traz a maior economia para o produtor. E é a mais simples de ser empregada hoje por ser solução mais antiga e usável em qualquer tipo de máquina – detalha Grasielle Silva, especialista de marketing de agricultura de precisão da New Holland.
A Case IH já está no futuro com o protótipo de trator autônomo, mas a novidade deve demorar a chegar ao mercado. Hoje, suas soluções contemplam controle de plantio e aplicação de fertilizantes e geração de mapas de produtividade, por exemplo.
Um dos desafios das companhias é o compartilhamento de informações. O Grupo AGCO, das marcas Massey Ferguson e Valtra, busca oferecer ao cliente final a possibilidade de usar os dados por meio de um sistema em formato aberto, que conversa com outras tecnologias. É possível extrair os dados em Excel, por exemplo. Mas ainda há questões a solucionar.
– O grupo tem várias tecnologias independentes, de monitoramento da colheita, do piloto automático e de telemetria. Em um futuro bem próximo, queremos integrar todas – explica Gerson Filippini Filho, coordenador de marketing do produto Fuse, da Valtra.
A solução digital da John Deere é o JD Link, que faz o monitoramento remoto de operações.
– Caminhamos para a sincronia total da gestão e equipamentos no campo, com dados em nuvens e conexão total. Toda essa integração e inteligência resultam em uma única coisa: tomada de decisão correta pelo agricultor – afirma Rodrigo Bonato, diretor de vendas da John Deere Brasil.
Telemetria avança, mas preço ainda é empecilho
Trator novo, e com telemetria. Essa foi a decisão de Diego de Oliveira Essvein, 23 anos, e João Eliseo, 52, pai e filho de Encruzilhada do Sul, que aproveitaram a visita a Não-Me-Toque para fazer negócio. O sistema acoplado ao veículo é uma das soluções essenciais para a agricultura digital.
– A tecnologia facilita o operacional em campo, e um equipamento potente e completo pode fazer o que dois mais antigos faziam, com economia de combustível e menos mão de obra – detalha Diego, que vai usar o trator na produção de milho e melancia.
A dupla de Encruzilhada fala com propriedade, pois já tem outros equipamentos com a tecnologia. Não à toa, o sistema está ganhando cada vez mais espaço. A telemetria permite, entre outras funções, acionar os pivôs de irrigação com o celular ou definir no computador de bordo da máquina a quantidade exata de sementes que deve ser colocada no plantio.
O uso se dá a partir da captação e do armazenamento de informações. Dotados de chips, como os utilizados na telefonia móvel, os equipamentos transmitem os dados de desempenho de colheitadeiras, pulverizadores e tratores para um sistema online.
– É possível saber se há sobreposição na pulverização ou se houve falha na aplicação, por exemplo. Se alguma área ficou sem pulverização, pode haver incidência de praga e se expandir para o resto da lavoura. Imagina o prejuízo evitado – exemplifica o presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Pedro Estevão Bastos.
Atualmente, a tecnologia é vendida como opcional ou acoplada em máquinas de grande porte. Isso faz com que sua utilização esteja restrita a médias e grandes propriedades. O professor da faculdade de Agronomia da UFRGS Renato Levien avalia que a perspectiva é de mudança desse panorama:
– O problema está no preço do produto em relação ao valor do bem. Uma coisa é o sistema custar R$ 50 mil em uma máquina de R$ 1 milhão, outra é esse mesmo valor em um equipamento de R$ 100 mil. Antigamente, air bag, direção hidráulica e ar-condicionado eram opcionais nos carros, e hoje são itens já incorporados. O mesmo deve ocorrer com a telemetria.
A qualidade do sinal de telefonia e de internet nas zonas rurais é outro gargalo a ser resolvido para que o sistema possa engrenar no Brasil, de acordo com o pesquisador da Embrapa Instrumentação Ricardo Inamasu.
– A cobertura é o obstáculo mais importante a ser vencido – afirma, e aponta que o problema da conectividade no campo deve ser solucionado em até duas décadas.
*Colaborou Fernando Soares, especial