Existe apenas um ambiente em que o presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Carlos Rivaci Sperotto, 77 anos, admite receber ordens, não dar: o familiar, diante de filhos e netos:
- Em casa, o Sperotto avô e pai é peão.
Há quase 20 anos no comando de uma das principais entidades do agronegócio, prepara-se para iniciar o sétimo mandato seguido - fazendo com que seja chamado, pelas costas, de "Fidel dos pampas". Conhecido pelo temperamento forte e jeito mandão, Sperotto extrapolou os limites da entidade e se tornou uma personalidade no Estado nas últimas duas décadas.
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Comprou brigas históricas, como na defesa da regulamentação dos transgênicos, e se envolveu em polêmicas com repercussão nacional, uma das quais com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na época, Lula o acusou de fazer adesivos com a afirmação de que o presidente era a maior praga da agricultura brasileira.
Também vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e presidente do Sebrae-RS, Sperotto conversou com ZH na sala que ocupa desde 1997 na sede da Farsul, onde acumula desde coleção de chapéus a charges que retratam embates travados com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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O senhor acaba de se eleger para o sétimo mandato à frente da Farsul, vai completar 21 anos no comando. Foi a última eleição?
Vinte um anos e nove meses. Me pergunta de novo daqui a três anos. Estou satisfeito com o período que a mim foi destinado, com o apoio que tive, tenho tido e terei, com certeza. Há uma gama de temas e momentos vividos e que serviram para fortalecer a união entre produtores. Agora, não sei o que virá daqui para frente. Se hoje fôssemos encerrar uma gestão, estaria muito tranquilo, está tudo equacionado. Nos preocupa quando surge um panorama econômico diferente, como de janeiro para cá. Até janeiro, o Brasil ia muito bem, obrigado. De repente, virou uma página e se descortinou um quadro de preocupação. Não quero dizer que a gente tem a chave para resolver essas questões, mas digo que temos experiência muito grande. E hoje, na modalidade que estamos a trabalhar, de uma política de resultados, o diálogo, o entendimento e a lealdade aos dados e temas apresentados têm dado um resultado muito bom. Sabemos o que falar, com quem falar e propor. Reacende a necessidade de um novo mandato a título de cautela. Não fui eu quem ganhou a eleição, foi a diretoria, que esteve a campo e buscou para fazer a diferença de 104 votos contra 29 (enfrentou João Batista da Silveira, ex-presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo, na chapa de oposição).
Sua longevidade na entidade suscita críticas. Algumas pessoas se referem ao senhor como o Fidel dos pampas. Isso o incomoda? E como reage às críticas de continuísmo e falta de renovação na Farsul?
Gosto de um bom charuto... Eu diria também que tem uns quantos que me acham bonito, coisa em que não acredito. Eu sou eu. Não me preocupo com essas comparações e essas posições a que uns se arvoram. Uns pela sequência de continuidade, outros por alguma atitude mais forte. A gente tem de saber ser mandão. Ser mandão sem agredir, sem ferir, oportunizando a busca da solução. E, logicamente, quando coloco essas posições em jogo, vêm lastreadas em uma opinião de grupo, que a gente capta na administração. Não se pode também ser muito flexível.
De 1996 (quando concorreu pela primeira vez) para cá , o senhor se adaptou? O Sperotto já foi um cara mais turrão, mais brigão e hoje parece um pouco mais...
Depende do momento. Mas não provoquem o Sperotto. Vocês não conhecem o Sperotto de hoje. Provoquem o Sperotto de hoje e ele vai fazer aquilo que está no seu DNA, no seu tipo de posicionamento.
E o que provoca o Sperotto?
Acho que conseguimos construir uma teia de resultados positivos, em que uma palavra traz o conforto para tudo isso: somos respeitados. Não pelo poder de fazer as coisas, mas pelo poder de dizer o que temos de dizer nos momentos certos. E somos respeitados em toda a seara, até pelos que não concordam conosco. E isso não é uma provocação. É uma análise. Lógico que no início eu tinha de ser mais enfático, tínhamos de chamar nosso público, nosso grupo de apoio. Grupo de apoio tem de ter voz de comando. Ninguém consegue montar um núcleo de apoio dizendo "faz favor, vem para cá". Tem de dizer: "Olha aqui, vamos acabar com isso aqui e vem para cá". Aí se fazem as coisas como têm de ser feitas. Só que nós estamos trabalhando o resultado da construção da imagem de alguém, que, no caso, é a minha. Sou o mesmo Sperotto que existia, logicamente com uma experiência bárbara.
Acredita ter feito mais amigos ou inimigos nesses 20 anos? Tem alguma mágoa específica?
Se me perguntarem o rol dos meus inimigos, não encheria uma mão.
Junto ao presidente Lula, na Expointer de 2003, com quem teve episódio de repercussão nacional.
O Lula está entre eles?
Lula é meu amigo, me deu a maior chance do mundo quando era presidente da República e discutíamos transgênicos e biotecnologia, pressionávamos e buscávamos a técnica para poder corrigir os inços das nossas lavouras. Ele me deu uma chance bárbara quando, em uma entrevista, disse que o maior inimigo na agricultura era Carlos Rivaci Sperotto, presidente da Federação do Rio Grande do Sul. Aí, veio a imprensa de São Paulo, veio todo mundo me entrevistar. Eu disse: mas por quê? E me responderam: porque o Lula disse que o senhor mandou fazer umas tarjas dizendo que o maior inço da agricultura brasileira era ele. Eu disse: sabe que não fiz nada disso não, mas gostei da frase. De repente, vou usá-la. Esse episódio construiu minha imagem nacional.
Em momentos da campanha, o senhor já foi acusado de manobrar no voto para permanecer na entidade...
Sabe qual foi a manobra que fizemos aqui? Trabalhar. E na palestra na Federasul (no último dia 21) pedi desculpas ao meu conselho do Sebrae por fazer uma gestão, de janeiro até a eleição, sem aparecer. Para não dizerem que estaria utilizando a imagem de presidente do Sebrae para pesar na eleição da Farsul. Honestamente, não houve uso de máquina. Agora, eu seria um imbecil em dizer que, toda essa história, o peso da casa, da gestão e dos cargos, não conta.
Nas esferas políticas, existe um limite para reeleições no Executivo. Por que a Farsul não limita o número de mandatos?
Não sei qual é o que está certo e o que está errado. O Rio Grande, por exemplo, não reelege e não tem sequência de gestão. Não tem continuidade de administração, de comprometimento. É uma posição que, me reservo de dizer, aqui nós temos. Há sequência e comprometimento por mais tempo do que o período de um mandato. São coisas sobre as quais não gostaria de traçar um paralelo. Agora, aqui deu certo pelos resultados econômicos, de reestruturação do setor. E, particularmente, pela satisfação do cliente, que são as pessoas que votam em nós.
Sperotto com a esposa Mariana (de blusa preta), com quem é casado há 53 anos, filhos, noras, genro e netos.
Nesses 20 anos, qual foi sua maior mudança?
Acho que quem sentiu a maior diferença foi a minha mulher, e não é ela que está sendo entrevistada (Sperotto é casado há 53 anos com Mariana, com quem tem quatro filhos e três netos). Acho que tenho comportamento similar ao que sempre tive. Franco, aberto, não guardo as coisas, não levo problemas para casa, o que acho que me ajuda bastante no âmbito familiar. Não há dúvida que, à medida que consolidamos e vencemos etapas, vamos tendo um retorno. A Farsul tinha um histórico de seus presidentes concorrerem a deputado federal. Isso criou um quadro em que os candidatos que emanavam da Farsul tinham resultado diverso. Os políticos enxergavam a entidade como um trampolim. Quando vim concorrer no primeiro ano, a primeira coisa que disse é que não disputaria cargo político enquanto estivesse na Farsul. Convites não faltaram.
E por que tem essa restrição?
Hoje, acho que seria uma situação que nem caberia. Estou com 77 anos, me considero jovem, mas, para se arvorar em alguma coisa, teria de aguardar não só o período de gestão e a carência eleitoral. Então, com 80 e poucos anos, não vou concorrer, fiquem tranquilos.
Em 2009, em entrevista, o senhor se definiu como de centro-direita. Mantém a posição?
Mantenho. Nunca fui multado e mantenho a posição. Embora muitos utilizem-se do expediente de trazer a esquerda junto, para dizer "sou diferente". Mas não quero nem entrar na crítica, nem no comentário. E não me sinto diminuído.
Houve vários episódios de embates seus com os governos do PT. Tem restrições ao partido?
Não tenho. Não ajudei o partido a crescer e não estou ajudando a se destruir. Mas não tenho aversão, não. Me dou com muitos políticos do PT, tenho diálogo e trânsito. Quem está variando são eles, eu continuo o mesmo.
Qual a avaliação que o senhor faz do atual momento da economia?
Ao analisarmos a economia brasileira e a gaúcha, temos um quadro no Rio Grande um tanto identificado. No agronegócio, o panorama seria equilibrado no Brasil. Os demais segmentos da economia estão acusando posições de preocupação, cautela e apreensão. Nosso segmento está equilibrado, com as condições harmonizadas. Vencemos fases em que existiam críticas de endividamento, depois de direito de propriedade para consolidar, para ter o produtor a garantia de investir. Não gosto de falar sobre outras atividades, em respeito aos meus pares. Mas o pronunciamento tem sido bastante identificado com a realidade que estamos comentando. Hoje, o agronegócio está preparado, inclusive, para enfrentar situações desagradáveis, como as que deveremos contabilizar até o presente final de ano. Estamos com uma lavoura de inverno a nos sinalizar resultados altamente negativos e nos preparando para os plantios de verão, que poderão ser prejudicados também.
Com a experiência de quem ajudou na renegociação das dívidas dos agricultores, como avalia a situação do Estado?
Tenho teses sobre as quais ainda não consegui ser ouvido. Há 38 anos, 40 anos, jovens saíram do Rio Grande com dinheiro e tudo para desenvolver a agricultura brasileira. E a agricultura brasileira hoje tem um sotaque gaúcho. Esse sotaque, a cuia, a erva e o CTG formam um complexo incontestável. Em um Estado que sofreu esse tipo de evasão humana, financeira, ia faltar dinheiro. Devíamos ter aqui grandes bancos. Poderíamos ser a Suíça brasileira. Mas a nossa índole de desenvolver a atividade nos levou a aplicarmos nela, e acho que o Brasil foi o grande ganhador. Nas tratativas de negociação, não vejo coerência no momento em que se tenha uma negociação nos mesmos moldes de outros Estados que não deram contribuição nenhuma. Será que não teríamos o direito a um royalty ou ao menos uma consideração na renegociação dessa dívida que se construiu no Estado? Podem pensar "esse cara é maluco", mas acho que é justo.
O senhor vê saída para a atual crise do Rio Grande do Sul?
Se soubesse a saída para a crise do Estado, estaria em outra posição, vendendo soluções. Agora, somos parceiros em somarmos ações que venham a trazer a oportunidade de conciliarmos e atender as ansiedades do governador, que são arrojadas. Uns dizem que o governador é um gringo teimoso, outros dizem que é aquilo. Só quero dizer uma coisa: é um gringo honesto. E em dizendo que é um gringo honesto, estou do lado dele para criarmos condições para buscar a solução.
O senhor tem uma relação de longa data com a ministra Kátia Abreu. Ela mudou algumas vezes de partido (hoje é do PMDB) e comanda a Agricultura. Como avalia a gestão dela?
A Kátia é uma política e agropecuarista. Com uma habilidade muito grande, é uma mulher de posicionamentos e temperamento e caráter muito fortes. Prova disso é que saiu de presidente de um sindicato do Tocantins e teve progresso na vida política. Ganhou a eleição, assumiu o comando da CNA e tomou uma posição contrária a seus pares na entidade, dando o único voto a favor do atual governo. Ela encarou 26 federações. O objetivo era ser ministra, e conseguiu. Eu diria que, entre os ministros da presidente Dilma, a que tem marcado posições e tem um retorno de identidade, de permanência de projetos, é a Kátia. Foi para o ministério sabendo que o governo não teria dinheiro. Muito pelo contrário, o orçamento do ministério só diminuiu. Porém, as ações que começou a implementar tiveram a aprovação de todo o setor produtivo. É hoje uma das ministras mais identificadas com resultados de todo o governo. O problema que ela tem é com o partido. O PMDB não adotou a Kátia ainda. Só que ela cativou a presidente e é da cota pessoal da Dilma.
Logo que assumiu o ministério, Kátia Abreu entrou em uma polêmica ao dizer que não existe mais latifúndio no Brasil. Existe? E qual a situação no Rio Grande do Sul?
Vou começar pelo fim da pergunta. No Rio Grande do Sul, não há latifúndio inexplorado. Não temos conhecimento de que isso exista. No Brasil, me foge a avaliação para ser mais taxativo no sentido de apoiar o que a ministra disse ou não. Depende dos conceitos de avaliação, do que ela entende por latifúndio. O fato é que ela já está no cargo por um bom período, 10 meses, e esse assunto não foi reativado. Não seria eu que iria reativar.
Em 1998, ainda no primeiro mandato à frente da Farsul, circulando no pavilhão de ovinos da Expointer.
O senhor sempre foi um crítico feroz das ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Neste momento, há uma nova onda de invasões. Como avalia essa retomada?
Não me preocupo muito com isso. Mas estamos atentos a todos os movimentos que o MST vier a fazer. E serão tratados pontualmente, não de uma forma generalizada.
Alguma vez sentou para conversar com o MST ou eles lhe procuraram?
Honestamente, como presidente da entidade que represento, pela qual tenho responsabilidade e respondo juridicamente, não poderia sentar com eles porque não se sabe quem são, de onde são, quem é líder, quem não é, qual a direção. Eles não querem que apareçam essas posições porque, quando atuamos, temos responsabilidade e, logicamente, eles se omitem disso. Não tive oportunidade, mas também não fiz esforço para conversar com eles, não.
Caso procurado, o senhor estaria disposto a conversar?
Com o movimento dos sem-terra, não. Com os assentados que têm terra, existe espaço para o diálogo.
O MST perdeu a força que tinha nas décadas de 1980, 1990?
Acho que a sociedade deu resposta, não deu apoio. E logicamente estará continuando (a não dar apoio).
Existe algum momento do dia em que o Sperotto tenha algum lado diferente deste que as pessoas estão acostumadas a ver. Talvez como avô, como pai?
Ah, mas é bem diferente. Lá (em família) ele é peão. O vô Sperotto, o pai Sperotto, é um peão. Nos reunimos no final de semana. Temos a hora de conversar sobre negócios, que estão sendo conduzidos pelos meus filhos. Temos hábitos que se criaram de um convívio com datas clássicas de estarmos juntos sempre, logicamente conciliando com as famílias dos que estão com os meus filhos. Temos um ambiente bom. No sábado e no domingo, o maior problema é justamente os encontros que temos do setor. Além das viagens para o Interior, vou a Brasília, onde sou vice-presidente da CNA. O que sobram são viagens internacionais, que delego para que outros façam. Opto por passar essas atividades para técnicos.
Tem algum hobby?
Gosto do meu charutinho, da minha alpargata. Não sou viciado, mas gosto de saborear. No inverno, na volta de uma lareira, gosto de fumar um charutinho, um fogo aceso, uma carnezinha, um vinho.