Maria Fernanda Cândido é reconhecida por sua autenticidade nas artes, seja no teatro, no audiovisual ou até mesmo nas passarelas. Às vésperas de completar 50 anos em maio, a londrinense celebra a rica bagagem profissional e pessoal que acumulou ao longo dos anos.
Passou de modelo de grandes grifes como Dior, Prada e Versace a atriz renomada, sempre em busca de personagens emblemáticos, característica que viria a se tornar seu principal critério na hora de escolher seus projetos no meio artístico.
— Sempre me guio pela qualidade e conexão que sinto com o projeto. Preciso ter uma simbiose para dedicar minha energia e tempo de forma completa — enfatiza.
Isso é possível perceber no filme A Paixão Segundo G.H., seu mais recente lançamento. Em cartaz nos cinemas, o longa é uma adaptação da obra literária de mesmo nome, escrita por Clarice Lispector, e publicada em 1964. A protagonista, identificada apenas pelas respectivas iniciais, é uma mulher que começa a história com uma sensação de estrutura e harmonia em sua vida. A narrativa, então, se desenrola a partir de um colapso dessa estrutura aparentemente sólida, mergulhando na desconstrução de suas próprias concepções sobre si mesma e sobre a vida.
— É uma personagem que não propõe uma destruição de todas as máscaras sociais, mas a consciência de todas elas. É uma aquisição da consciência do que é estar viva. O objetivo dela, poderia citar uma frase do livro como resposta que é “A trajetória não é apenas um modo de ir, a trajetória somos nós mesmos”. É sobre esse caminhar, por isso que o livro tem este título quase bíblico, propondo essa via-crúcis — detalhou Maria Fernanda sobre G.H.
Talvez seja o momento de me conectar de novo comigo mesma
A obra teve um impacto significativo na vida da atriz. Sua primeira leitura foi marcante, mas ao revisitar a história muitos anos depois, já com uma trajetória de vida maior, que a profundidade do enredo se revelou ainda mais intensa:
— É uma experiência que não passa batido. Quando decidimos fazer o filme, a obra adquiriu cores e traços muito mais intensos. Muitos pontos me acessaram e me afetaram, outras questões surgiram. Tive essa alegria de ter conhecido esta história com meus 28, 29 anos e ter feito o filme 15 anos depois.
Maria Fernanda divide seu tempo entre Brasil e França, onde mora com sua família. Casada desde 2005 com o empresário francês Petrit Spahija, a artista é mãe de dois adolescentes – Thomas, de 17 anos, e Nicolas, de 15. Ela conta que essa dualidade geográfica proporciona oportunidades únicas de trabalho e enriquecimento cultural, resultando em uma filmografia diversificada.
Entre eles, o spin-off da saga de Harry Potter, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore (2022).
— Em seis anos, fiz sete filmes: três na Itália, um na Inglaterra, um na França, um em Portugal e agora A Paixão Segundo G.H, no Brasil. É mais do que um filme por ano – ressalta a atriz, que ainda tem um novo lançamento em vista: Vermelho Monet, com direção de Halder Gomes, que estreia em 9 de maio nos cinemas.
Eleita a mulher mais bonita do século 20 em uma votação promovida pelo Fantástico, no ano 2000, Maria Fernanda chegou a ser comparada a uma jovem Sophia Loren. Hoje revela não ligar para os sinais da idade, pelo fato disto demonstrar a importância de tudo o que já viveu. Tanto que sua última aparição na TV, como a viúva Cândida, em Renascer, decidiu pela não glamourização da personagem abrindo mão da maquiagem por conta das circunstâncias que Cândida vivia.
Por isso, a artista abraça a maturidade com entusiasmo e gratidão, valorizando cada experiência vivida.
— Quando estava com 48, pensei “Gente, já estou com 50”. É uma data bonita. Claro, a gente envelhece, tem rugas, a pele vai ficando sem colágeno. Tem tudo isso, mas o positivo é muito maior do que essas questões.
Em conversa com Donna, Maria Fernanda Cândido conta mais detalhes sobre os desafios encarados com a personagem G.H., sua rotina em Paris e as conquistas oriundas da sua trajetória.
Quem é G.H.? Qual é a busca da personagem no filme?
Ela é uma escultora bem-sucedida, que se define como uma mulher resolvida profissionalmente e na vida pessoal, mas a partir de um acontecimento, toda essa estrutura vai ser colocada em xeque. Ela então se questiona: “Será que sou tudo isso que os outros veem em mim?”
Qual foi o maior desafio neste projeto?
Sempre construí personagens, de criar um perfil. Fazemos muito isso no teatro, na TV e no cinema. Me vi no desafio que era, justamente, despersonalizar e descaracterizar essa personagem, de ir tirando máscara por máscara desta mulher. Isso nunca tinha feito.
A Paixão Segundo G.H. foi exibido no Festival de Cinema Brasileiro de Paris no final de março. Como é a recepção do público francês com o cinema brasileiro?
Eles têm um apreço enorme pela cultura brasileira. É uma paixão mútua, uma relação incrível e muito bonita. Existe uma complementaridade: porque o francês é muito sistemático, disciplinado e rigoroso, enquanto o brasileiro é muito acolhedor e caloroso. São características que se complementam e muito importantes.
Há quanto tempo você mora em Paris?
Sou casada com um francês (Petrit Spahija), então temos essa dupla residência. Meu marido ficou 14 anos morando direto no Brasil, só que precisou trabalhar por aqui por um tempo, então tenho ficado bastante. Os nossos filhos também estudam aqui.
Você se adaptou bem em Paris? Teve alguma coisa que não rolou?
Amadureci no sentido de aproveitar os pontos positivos dos lugares. Quando estou em Paris, foco no melhor daqui e quando vou para o Brasil, automaticamente mudo o meu chip e curto as coisas boas do país, que são inúmeras. Somos um lugar ímpar. Temos um potencial enorme para o acolhimento e o cuidado, e isso nos torna realmente únicos.
Adoro as marcas do tempo, porque elas têm tudo o que vivi
Neste ano, você completa 50 anos. O que você tem refletido sobre a data?
É uma data bonita, porque você pensa “Nossa, já tenho meio século de vida”. É um exercício legal olhar para trás e me dar conta que tenho uma história grande, porque você consegue olhar para todas as décadas. Agora com 50, tenho bastante coisa para olhar, estou achando o máximo fazer esse filme.
Você acha que alguma década brilha mais?
Cada uma tem o seu brilho. Tantas coisas que vivi na fase dos 20 e 30 anos: que foi a escolha profissional, um ofício, depois tive filhos, que é um momento que você lembra de tudo. Na passagem dos 40 para os 50, aconteceu tanta coisa, estou em Paris agora, então você fica com boa bagagem.
O que dá vontade de fazer dentro deste contexto? Desperta a vontade de experimentar novas coisas?
Quando se tem filhos, como é o meu caso, tudo é em função do núcleo da família: viagens, férias, etc. Agora os meninos não querem tanto a nossa companhia (risos). Então você se vê diante de possibilidades, de retomar coisas que adorava fazer, encarar novos desafios. Talvez seja o momento de me conectar de novo comigo mesma.
Você foi eleita a mulher mais bonita do século 20 em um concurso no Fantástico na virada do milênio. Como foi isso?
Nunca poderia imaginar, pois na época estava recém surgindo, como isso poderia acontecer? Como eu ganhei? Fui eleita para representar o século 20, sendo que não sabia o que ia fazer no século 21. Fizeram esse painel com todas as mulheres e eu lá no meio. De repente, vem aquele resultado no Fantástico, e fiquei com esse rótulo.
Esse rótulo chegou a atrapalhar?
A beleza nunca atrapalha. Abre muitas portas, mas depois não segura em lugar nenhum. Depois cada um que se sustente em seu devido lugar. Não é a beleza que vai te sustentar.
Como lida com a passagem do tempo?
Adoro as marcas do tempo, porque elas têm tudo o que vivi. Tenho meio século de vida, não poderia ter essa idade sem marca nenhuma, com carinha de 20 anos. Pretendo seguir a vida com todos os sinais. O legal é você viver bem cada período.
O que é viver bem para você?
É estar em acordo comigo mesma em todos os sentidos, na ética, na estética. Quando você consegue ter uma vida autêntica, pode deitar à noite e refletir “Vivi de acordo com aquilo que acredito, que prezo”. Porque você consegue jogar limpo com a vida, ser franca consigo mesma. Você precisa estar consciente daquilo que é importante e ser fiel a isso. É isso que faço.
Para o que você está olhando no horizonte profissional?
Sou muito ligada com as propostas, as personagens, quem é que está realizando e quem são os profissionais envolvidos. Isso é um critério para fazer as minhas escolhas. Independentemente se é teatro, cinema e TV. Tenho um filme que vou fazer, mas não posso falar nada ainda. Também vou fazer uma segunda temporada este ano do monólogo Clarice, Ballade au-dessus de l’Abîme, ao lado da pianista Sônia Rubinsky, em Paris.