Em cartaz no CineBancários, no GNC Moinhos e na Sala Eduardo Hirtz, A Paixão Segundo G.H. (2023) é uma nova parceria entre o diretor Luiz Fernando Carvalho e a atriz Maria Fernanda Cândido. Os dois trabalharam juntos na novela Esperança (2002-2003), em episódios das minisséries Capitu (2008), Afinal, o que Querem as Mulheres? (2010) e Dois Irmãos (2017) e em Correio Feminino (2013), quadro do Fantástico que adaptava textos escritos sob o pseudônimo Helen Palmer por Clarice Lispector (1920-1977) — justamente a autora do livro em que se baseia o segundo longa-metragem de Carvalho.
Hoje com 63 anos, ele celebrizou-se por verter obras literárias para a televisão e o cinema. Fez o telefilme Uma Mulher Vestida de Sol (1994), baseado em romance homônimo de Ariano Suassuna, o longa Lavoura Arcaica (2001), versão da obra de Raduan Nassar, e as minisséries Os Maias (2001), que adapta o clássico de Eça de Queirós, e A Pedra do Reino (2007), outro trabalho a partir de um texto de Suassuna, além de Capitu, inspirado no Dom Casmurro de Machado de Assis, e Dois Irmãos, que levou para a TV o livro de Milton Hatoum.
Carvalho não chama A Paixão Segundo G.H. (2023) de adaptação, mas de uma "aproximação" do denso livro de Clarice. O filme traz Maria Fernanda Cândido no papel da mulher que, sozinha em um enorme apartamento de Copacabana, no Rio, tem de lidar com as reflexões e as angústias despertadas pela partida de sua empregada doméstica e por deparar com uma barata no quarto de serviço. "Diante do inseto, G.H. vive sua via-crúcis existencial", diz a sinopse oficial. "A experiência narra a perda de sua identidade e a faz questionar todas as convenções sociais que aprisionam, até hoje, o feminino."
Ao longo de duas horas, Maria Fernanda declama praticamente todo o texto escrito por Clarice, com algumas mudanças na ordem. Variando cenários e enquadramentos, lançando mão de elementos sonoros (a trilha musical, os ruídos) e de recursos da montagem, Carvalho procurou transformar um fluxo de pensamento labiríntico e com pouquíssimos acontecimentos em uma narrativa cinematográfica — no mínimo, em uma experiência cinematográfica, que pode ser entediante ou até exasperante para alguns espectadores, poética e talvez divina para outros.
Na tarde de terça-feira (9), Luiz Fernando Carvalho conversou com a coluna sobre A Paixão Segundo G.H. Falou sobre a valorização da palavra, sobre a polifonia do relato, sobre o caráter de via-crúcis da experiência da protagonista e sobre a visibilidade dada a Janair, a empregada doméstica (clique aqui para ler).
Na quarta (10), Maria Fernanda Cândido respondeu por WhatsApp a três perguntas:
Como foi o trabalho de encontrar as vozes de G.H.? Como descobrir a entonação para os vários momentos?
Acho que é bastante importante a gente entender que existem basicamente três vozes. Uma voz é a dessa mulher que está sentada diante da lente, conversando com o público, dizendo "eu vou contar o que me aconteceu". A outra mulher é a da mulher que estava no dia anterior, no apartamento, vivendo a situação que essa primeira vai narrar. Então, ela é que estava tomando café da manhã, fumando um cigarro, ela que entra no quarto e encontra a barata. E aí a gente tem uma terceira instância que é a da memória, das coisas que ela viveu, dos vários momentos de sua vida, das pessoas que ela encontrou, das festas e recepções que deu na própria casa, do aborto que ela fez, do homem com quem talvez ela tenha se casado. Essa divisão ajudou muito a gente, não só a mim, mas a direção e a equipe, a situar a personagem, a estabelecer uma textura diferente para cada uma dessas vozes.
Qual foi a parte mais difícil na realização do filme?
Não acho que exista uma parte mais difícil, acho que esse filme foi todo um grande desafio enfrentado com muita coragem e com muita confiança, uns nos outros, dentro dessa equipe. Muita confiança minha no Luiz, dele em mim, e em todos os que estavam no set. Trabalhamos com muita paixão e muita entrega, e procurei oferecer tudo o que eu tinha para que o filme se realizasse da maneira que o Luiz sonhava.
A Paixão Segundo G.H. foi publicado 60 anos atrás. O que a personagem, suas reflexões, suas angústias e seus anseios ainda dizem para e sobre a mulher dos nossos tempos?
O livro foi escrito 60 anos atrás, mas, na minha opinião, é extremamente atual, poderia ter sido escrito ontem. Percebo que as mulheres se identificam de uma maneira ou outra com as reflexões, as angústias, os anseios. Isso, 60 anos depois, não mudou. Ainda estamos falando desses mesmos assuntos. Talvez hoje a gente esteja falando mais sobre isso, isso sim, estamos discutindo. Mas a situação em si da mulher e as lutas que ela precisa travar no seu cotidiano ainda são as mesmas.