A pílula anticoncepcional está entre as principais aliadas das mulheres que não querem engravidar, desejam melhorar o aspecto da pele e as cólicas durante o ciclo menstrual. Mas, e se a vontade for deixar os hormônios de lado, seja para tentar ser mãe ou evitar a exposição aos possíveis riscos que o medicamento pode trazer? É nesse momento que as dúvidas costumam tomar conta - o que contribui para o assunto ser recorrente em grupos e fóruns de discussão nas redes sociais.
Por isso, Donna abriu espaço para suas leitoras enviarem questionamentos sobre o tema via formulário no site de GZH ou pelos grupos de Donna do Facebook. Abaixo, as ginecologistas Clarissa Andrade Amaral e Jessica Zandoná, ambas membros da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs), respondem às principais perguntas relativas ao que acontece com o corpo da mulher que decide parar de tomar a pílula.
O que é o jornalismo de engajamento, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que coloca o público como protagonista da notícia, criando uma troca positiva e impactante na comunidade. Queremos abrir ainda mais espaço para que você, leitor, possa participar da construção do nosso conteúdo desde a concepção até o feedback após a publicação.
Como engajamos o público?
Convidamos nossos leitores a participarem da construção do conteúdo pelas redes sociais, monitoramos o que é discutido nos comentários das matérias e publicamos formulários que dão espaço a dúvidas e sugestões.
1. Como a pílula funciona no corpo da mulher?
Primeiro, é preciso entender o funcionamento do ciclo menstrual. Dois hormônios do sistema nervoso central estimulam os ovários, enquanto outras duas substâncias dos ovários ativam a ovulação, explica a ginecologista Clarissa Andrade Amaral:
– Esses hormônios são o FSH, o LH, o estrogênio e a progesterona. Conforme a fase do ciclo, a concentração deles vai variando, e isso faz com que se estimule a ovulação, e o ovário libere o óvulo a ser fecundado. O anticoncepcional vai inibir o sistema nervoso central a produzir os hormônios que vão fazer esse estímulo. Então, a pílula é basicamente um inibidor da ovulação.
2. Há pílulas que contêm hormônios diferentes? Por quê?
A pílula anticoncepcional existe basicamente em dois tipos: a "combinada" ou a "progesterona isolada". Cada uma delas utiliza hormônios específicos que podem, inclusive, aparecer em doses distintas, por isso há tantas opções no mercado e com diferentes impactos no organismo. É preciso ajustar a que melhor funciona para cada caso.
– A combinada geralmente é o etinilestradiol associado a algum progestágeno. Já a progesterona isolada costuma ser são usada para quem tem contraindicação ao uso de estrogênio, ou para aquelas mulheres que estão amamentando – afirma Clarissa.
3. O anticoncepcional faz mal para a saúde da mulher? Há riscos de tomar ou suspender o uso?
Pergunta enviada por Thaís de Borba Bastos, de Alvorada, e Daniela Sacchi, de Porto Alegre
A médica Clarissa é enfática: a pílula não faz mal à saúde da mulher. Porém, assim como qualquer medicamento, há riscos que devem ser levados em conta no momento de decidir aderir ou não a esse método contraceptivo.
– Existe um risco aumentado de evento tromboembólico (trombose venosa e embolia pulmonar) com o uso de anticoncepcional? Sim, existe. Mas, o risco tromboembólico da gestação é muito maior do que o do uso do anticoncepcional, por exemplo. Tem que pesar prós e contras. Tomar pílula é uma decisão conjunta do médico com a paciente – destaca.
Se você faz uso da pílula há algum tempo e decidiu parar, fique tranquila: não há maiores riscos para o organismo ao deixar de ingerir o medicamento. A única mudança esperada é o aumento das chances de engravidar.
4. Quando paro com a pílula sinto alterações na pele e no humor. Por que isso acontece?
Pergunta enviada por Cassia Castro, de Viamão.
O anticoncepcional usado a longo prazo costuma ter efeito antiandrogênico, ou seja: neutraliza os efeitos dos hormônios masculinos no corpo da mulher, como a testosterona. Na prática, isso impacta diretamente na cútis, ressalta Clarissa:
– Diminuindo o androgênio circulante na mulher, vai ocorrer diminuição da oleosidade da pele, do cabelo e, consequentemente, da acne. Tanto que, em algumas situações, o anticoncepcional é considerado tratamento para acne.
Já as alterações de humor geralmente são associadas ao período pré-menstrual, quando ocorrem alterações hormonais que podem causar diferentes reações, como o aumento da irritabilidade e da tristeza. Essa é uma característica do ciclo que acaba amenizada com o uso da pílula, por isso, ao suspender o uso do medicamento é comum o organismo voltar a sentir os impactos.
– Mulheres que usam o anticoncepcional não ovulam, não tem o ciclo menstrual e acabam com esse controle da labilidade emocional – afirma a médica.
5. Como minimizar os efeitos da falta da pílula (tipo oleosidade, espinhas, cólicas)? Esses efeitos podem passar naturalmente ao longo do tempo?
Pergunta enviada por Vivian Vasques, de Porto Alegre
Não há fórmula mágica para minimizar os efeitos da falta da pílula. Toda a vez que a mulher suspender o medicamento, o corpo retorna ao estado normal, e isso traz impactos. Se tinha cólicas intensas antes de tomar o anticoncepcional, voltará a apresentar o quadro, assim como a oleosidade da pele. A dica da médica Clarissa é buscar ajuda especializada de um dermatologista e de uma ginecologista para saber quais medicamentos específicos podem auxiliar na intensidade das reações, embora dificilmente a característica fisiológica do ciclo seja totalmente controlável sem o anticoncepcional. A médica ainda destaca:
– Não é algo que vai piorar no começo, logo após parar o anticoncepcional e, depois, estabiliza. Se eu parar, tudo volta a ser como era.
6. O que acontece com meu corpo se deixar de tomar anticoncepcional injetável trimestral? Há diferença nos efeitos da pílula diária para a injetável?
Pergunta enviada por Kássia Rosa, de Porto Alegre
De acordo com Clarissa, esse método é feito de progestágeno isolado e usado apenas em casos específicos, como mulheres com endometriose, hipertensas e com risco de doenças tromboembólicas. Quando ela para de usar o medicamento, é possível que o ciclo demore até seis meses para normalizar, dada a concentração hormonal do método. Assim como outras opções não injetáveis, esse tipo pode causar ressecamento vaginal, queda na libido e retenção de líquido. Já o injetável mensal, destaca a ginecologista, é feito a partir de uma combinação de hormônios e não apresenta diferença significativa da pílula ingerida diariamente – por isso, a menstruação deve voltar até 30 dias após a suspensão do medicamento.
7. Já ouvi que tomar o mesmo contraceptivo por muito tempo pode aumentar as dificuldades para engravidar. É verdade?
Pergunta enviada por Bettina Sá, de Porto Alegre
É mito! Segundo a ginecologista Clarissa, não há qualquer risco em tomar o mesmo anticoncepcional por décadas. Também não existe comprovação científica de impactos para engravidar nesses casos.
– Só trocamos o anticoncepcional quando há problemas de adaptação - defende a médica.
8. Se parar de tomar o anticoncepcional, posso engravidar rapidamente?
Pergunta enviada por Cristina Santos, de Colniza (MT)
Pode! Há inúmeros relatos de mulheres que engravidaram no mês seguinte à suspensão do anticoncepcional, ou até que esqueceram apenas uma pílula e ficaram grávidas. A médica Clarissa reforça que é mito a ideia de que existe um período de "limpeza do organismo", por isso, é bom ficar atenta assim que parar o método.
9. Existe uma idade certa para parar o uso da pílula?
Pergunta enviada por Rosângela Matusiak Reis e Lisandra Peres, de Porto Alegre, e Maria Borges, de Pelotas
Existe uma idade certa para adequar o anticoncepcional, geralmente por volta de 35 anos, principalmente para quem utiliza medicamentos com combinação de hormônios.
– Se você usa um anticoncepcional combinado, sugere-se que a partir dos 35 anos se suspenda o uso. A partir dos 45 anos, temos contraindicação de uso da pílula combinada porque aumentaria alguns riscos de doença cardiovascular, tromboembólica. É preciso avaliar caso a caso, inclusive se está chegando perto da menopausa – indica Clarissa.
10. Quando devo parar com a pílula de uso contínuo? Quais os principais riscos de não fazer uma pausa?
Pergunta enviada por Elida Carvalho Vieira e Caroline Verlindo, ambas de Porto Alegre
Não há risco de usar a pílula de uso contínuo sem pausas. Entretanto, a ginecologista Clarissa explica que algumas mulheres costumam apresentar "escapes", aqueles sangramentos no meio da cartela. Por isso, a sugestão é fazer pausas a cada três ou quatro meses para diminuir o risco desses sangramentos e garantir a eficácia do método.
11. A pílula pode atrapalhar na perda de peso? E aumentar o inchaço? Ou, se parar de tomar, posso engordar?
Pergunta enviada por Taila Schafer, de Igrejinha, e Stela Ferreira, de Santa Luzia (MG)
Não existem estudos que comprovem que a pílula tem interferência direta no ganho de peso. O que se sabe é que alguns anticoncepcionais favorecem a retenção de líquido, e isso pode impactar levemente na balança.
– Há estudos avaliando se o anticoncepcional pode interferir no metabolismo, mas é uma afirmação ainda difícil de se fazer, não são pesquisas com impacto. Dizer que a pílula engorda não é verdade – diz Clarissa.
12. O uso da pílula está relacionado com casos de câncer de mama?
Pergunta enviada por Vanessa Linke Severo
Não! Clarissa pontua que não existe associação de uso de anticoncepcional com risco de câncer de mama. É mito.
13. Tenho melasma. Se eu parar com o anticoncepcional ele pode aumentar? Ou diminuir?
Pergunta enviada por Daiane da Rosa, de Palhoça (SC)
Alterações hormonais podem funcionar como estímulo para o aparecimento de melasma. Então, o uso da pílula e a própria gravidez podem piorar o quadro. Na opinião de Clarissa, você pode ficar tranquila se parar o anticoncepcional: o melasma não vai aumentar. Na prática, como diminui o estímulo hormonal, ele pode até diminuir, apesar de não ser regra. Mas, desaparecer, só com tratamento dermatológico.
14. Faço uso do anticoncepcional há 11 anos, tinha problemas com acne e fluxo. Quais mudanças podem ocorrer se interromper o uso? Posso voltar a ter problemas tanto com acne como com o fluxo intenso?
Pergunta enviada por Marília Gonçalves, de Serra Negra (SP), e Juliana, de Porto Alegre
Uma das tendências do uso da pílula é a diminuição do fluxo menstrual e, em alguns casos, há também a possibilidade de redução da oleosidade de pele. Ao suspender o medicamento, a ginecologista Jessica Zandoná, que é mestre pela UFRGS e professora da faculdade de Medicina da UPF, avalia que o quadro de acne e o fluxo intenso devem retornar rapidamente.
15. Além da pele, o cabelo pode ficar oleoso se parar de tomar a pílula? E queda de cabelo pode ocorrer também?
Pergunta enviada por Josiane Nunes Laner, de Candiota
Se você já tinha predisposição a ter oleosidade de pele e cabelo e, com o uso da pílula, melhorou o quadro, a tendência é que volte a ser mais oleoso ao suspender o anticoncepcional. Já sobre a queda de cabelo, a ginecologista Jessica esclarece:
– É mais comum nas pacientes que, ao suspenderam a pílula, apresentam um excesso do hormônio masculino. Aí sim pode ocorrer essa queda de cabelo, não é incomum.
16. Após parar a pílula, quanto tempo leva para o ciclo voltar ao normal? Vou ficar desregulada?
Pergunta enviada por Eliege Rosa Bisognin, de Sobradinho, e Cristiane Barcelos e Marília Palmas, de Porto Alegre
A tendência é voltar a menstruar dentro de 30 dias, já no próximo ciclo. Ainda segundo a ginecologista Jessica, mulheres que usaram pílula por um tempo prolongado podem demorar um pouco mais do que um mês, o que é considerado normal. A dica é buscar ajuda médica se você suspendeu o medicamento e o ciclo ficou muito desregulado nos meses seguintes, o que pode indicar outros problemas que merecem investigação.
17. Qual método contraceptivo é o mais recomendado para mulheres que sofrem de endometriose? É a pílula? Parar de tomar pode agravar o quadro?
Pergunta enviada por Natyeli Richter e Márcia Fortes, de Porto Alegre, e Daniela Mallmann, de Palmeira das Missões
Segundo a médica Jessica, diferentes métodos contraceptivos hormonais são recomendados para mulheres que sofrem de endometriose, pois ajudam no controle dos sintomas e na diminuição da dor. Além da da pílula, as opções injetáveis, DIU e implante hormonal também são eficazes.
– A escolha precisa ser de regime contínuo, ou seja, se for pílula precisa ser sem pausa entre as cartelas. A mulher fica preferencialmente sem menstruar para controlar os sintomas. Se parar, vai agravar o quadro – afirma Jessica.
18. Existe um outro método contraceptivo que não seja pílula, injeção ou DIU?
Pergunta enviada por Fabiane Teixeira, de Porto Alegre
Jessica explica que há outros métodos hormonais além desses, como o implante contraceptivo, colocado embaixo da pele do braço, feito à base de progesterona. Existem também o anel vaginal, introduzido uma vez por mês na vagina, e o adesivo transdérmico, colado na pele semanalmente. Outra opção seria o DIU de cobre, que não é hormonal.
19. Pílula anticoncepcional colabora no aparecimento de adenomas hepáticos?
Pergunta enviada por Letícia Soares, de Camaquã
As mulheres que tomam pílula têm um risco maior de desenvolver adenomas hepáticos. Por isso, a orientação, segundo a médica Jessica, as pacientes com adenoma comprovadamente relacionado ao uso de hormônios devem suspender a ingestão de contraceptivo oral. Se for outro tipo de tumor hepático, como alguns tipos benignos, não há problemas em seguir com a pílula.
20. Parar de tomar a pílula pode antecipar a menopausa?
Pergunta enviada por Luciana Esteves, de Porto Alegre
É mito! A médica Jessica confirma que o uso ou não da pílula não interfere na data que a mulher vai entrar na menopausa:
– Essa data é estipulada antes mesmo da mulher nascer. Ela nasce com a quantidade certa de óvulos e vai gastando durante a vida, usando ou não pílula, grávida ou não grávida. Não vai interferir.
21. Uma pessoa que quase nunca tomou anticoncepcional vai precisar de reposição hormonal quando entrar na menopausa? Há alguma relação entre a reposição hormonal e o uso ou não da pílula durante a vida?
Pergunta enviada por Jaqueline A. Palma Camara, de Porto Alegre
A indicação de utilizar a terapia hormonal na menopausa, de acordo com a ginecologista Jessica, é o aparecimento de sintomas, como os calorões, que costumam incomodar as mulheres. O uso ou não de pílula ao longo da vida não interfere na possível necessidade de reposição hormonal.
22. Pílula pode agravar a enxaqueca? Ou ajuda a diminuir o quadro de dor de cabeça?
Pergunta enviada por Gabrielle Passos, de Porto Alegre
Depende. A médica Jessica explica que, primeiro, é preciso avaliar se a enxaqueca teve início com o uso da pílula, se já existia previamente e piorou, ou até se o uso do anticoncepcional não interfere no quadro. Há mulheres que sentem piora nos sintomas quando tomam pílula e, nesses casos, o caminho é trocar o método. Mas também existem pacientes que sentem mais dor quando menstruam, daí a pílula pode melhorar a dor de cabeça.
– Quem tem enxaqueca com aura diagnosticada, aquela que apresenta sintomas anteriores, tem contraindicação para o uso de contraceptivos com estrogênio, então, as pílulas combinadas estão fora de cogitação. Já aquela mulher que tem enxaqueca sem aura vai ter a contraindicação de métodos de hormônios combinados a partir dos 35 anos – afirma Jessica.
23. Se eu parar a pílula, a libido pode aumentar?
Pode, mas é preciso lembrar que a libido sofre influências de diversos fatores. A médica Jessica pontua que a pílula interfere porque proporciona uma queda do hormônio masculino do corpo da mulher, a testosterona, que cumpre um papel no desejo sexual.
– Sempre é preciso avaliar se há outros fatores interferindo, não dá para ter a esperança que suspender a pílula é a solução mágica para o problema da libido – avalia a ginecologista.