Na sexta-feira (9), estreia o último filme da controversa franquia 50 Tons de Cinza. Dakota Johnson e Jamie Dornan retornam na pele do casal Anastasia Steele e Christian Grey para a saga final da história de amor e dominação criada por E.L James.
A convite de Donna, a escritora, filósofa e instrutora de tantra Carol Teixeira faz uma análise sobre o sucesso da franquia:
"Nunca escondi o fato de que não gosto de 50 Tons de Cinza: como literatura não me convence, os filmes também não me agradam e eu teria mil considerações para fazer em relação à trama. Mas ao invés de ficar listando aqui meus motivos para não simpatizar muito com a história, prefiro especular sobre o porquê do sucesso estrondoso que fez, desde o início, a saga de Anastacia e Christian Grey, a despeito das críticas.
Pois isso não posso negar: 50 Tons de Cinza pode não me encantar, mas encanta muitas mulheres. Lembro aqui do que me disse um dominador que conheci num workshop de BDSM no México: "pelo menos agora até as donas de casa estão falando sobre sadomasoquismo". Concordo que esse talvez tenha sido o ponto mais positivo dessa repercussão do best-seller – a inserção de muitas mulheres nesse mercado do erotismo, que até então muitas não consumiam ou, se consumiam, não comentavam muito. Porque mulheres foram criadas sob a ideia errônea (mas muito conveniente para a sociedade patriarcal) de que elas não gostam muito de sexo, "não precisam" dos estímulos do mercado erótico e pornô, de que têm uma libido menos explosiva que a do homem. Então, o surgimento de um romance erótico que seja lido no metrô, comentado tanto em mesas de bar como em jantares de família, de fato não pode deixar de ser aplaudido nessa sua função.
Mas por que esta trama específica e não outra? Um dos pontos é que história tem claramente uma estrutura de conto de fadas, aqueles bem marcados no inconsciente coletivo, o que a torna ser fácil de gostar. Heroína virgem indefesa que é salva de sua vida entediante pelo príncipe (self made man que agrega todos os símbolos de sucesso louvados pela sociedade contemporânea) chegando em um helicóptero. E esse conto de fadas ainda vem com uma heroína que tem uma sexualidade – ainda que apenas autorizada por contrato pelo príncipe, o que torna tudo moralmente mais fácil para a cabeça da dama: não é ela que quer fazer aquelas coisas e sentir prazer, ela quer a nobreza do amor e para isso aceita tais coisas.
Não deixa de ser curioso que em tempos tão feministas, de mulheres superpoderosas & independentes, seja tão encantadora uma narrativa sobre um milionário dominador com dificuldade de criar vínculos – supostamente o oposto do que a visão do senso comum consideraria o cara ideal para uma mulher como nós. O que me lembra uma moça que estava na plateia de uma palestra sobre feminismo que dei. Ao final, ela pediu a palavra e falou em tom de desabafo: “Eu estou exausta de ser forte e empoderada e independente, de pagar minhas contas, cuidar de filho, de homem e ainda ter que ser gostosa, queria mesmo alguém que me sustentasse e cuidasse de mim”. Depois de risos nervosos (de identificação?) na plateia seguidos de um silêncio reflexivo de todas, incluindo eu, ficou a pergunta: estamos cansadas de ter que ser tudo, fazer tudo, ficar botando o pau na mesa, afirmando e reafirmando nosso poder?
Eu poderia aqui entrar numa longa digressão sobre que poder é esse que estava incomodando ela e quais seriam as ferramentas que ela podia buscar para tentar achar um equilíbrio no cenário que ela descreveu, mas como esse texto é sobre 50 Tons de Cinza, apenas concluo que a paixão das mulheres pela saga responde à dúvida que pairou no ar após minha palestra. Sim, talvez as mulheres estejam de fato cansadas do papel de supermulheres e estejam querendo, nem que seja por algumas horas, sem contar para ninguém, mergulhar no conto de fadas de um livro ou filme que conta a história de uma menina inocente que se apaixona pelo milionário dominador que quer justamente tirar seu poder."
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