Ela desce as escadas de casa e logo o cheiro de perfume doce invade a sala. O pai está sentado no sofá e começa a levantar-se lentamente, como se estivesse anestesiado. Os olhos não desgrudam da filha que vem ao seu encontro e faz um rodopio, equilibrando-se no salto alto.
– Estou bonita?
A jovem tem 15 anos e vai pela primeira vez a uma festa noturna no clube da cidade com os amigos, que já estão batendo à porta.
Ele continua mudo. Olha a garota da cabeça aos pés, examinando cada detalhe do rosto, do vestido, da maquiagem, do sapato dourado.
– O que foi pai, não gostou? Pai? Pai?
O homem a fita profundamente, mas seu pensamento parece estar muito longe.
– Mãe, o que o pai tem? Por que ele está mudo? Pai, você está chorando?
Ele não consegue disfarçar – e talvez nem entender direito – a confusão de sentimentos que aflora em seu peito naquele momento. Abraça a filha, ajeita uma mecha do cabelo dela que teima em tapar-lhe o olho e, finalmente, após um suspiro, tenta se explicar.
– É que hoje, filha, pela primeira vez, estou conseguindo enxergar – e aceitar – a bela mulher que você se tornou. Até há poucos minutos você ainda era a minha menininha, aquela que quase passava mal com a surra de cócegas que levava todas as manhãs. Você era a garotinha banguela que tinha vergonha de ir pra aula porque havia perdido os dois dentes da frente, a pescadora que sempre voltava para casa cheia de peixes no cesto enquanto eu só conseguia pegar um ou dois siris...
O pai recorda várias histórias de cumplicidade, dele e da filha única, a companheirinha de todas as horas – até futebol ele aprendeu a gostar porque ela é doente pelo esporte. Vão juntos ao estádio e, invariavelmente, terminam a noite devorando um cachorro-quente com refri.
Ele está visivelmente emocionado com a transformação da filha, em tão curto espaço de tempo. "Vestido justo, maquiagem, salto alto? Quando foi que ela cresceu e eu não percebi?", ele se pergunta.
Os amigos estão na porta, à espera da mocinha.
– Pai, eu preciso ir. Mas daqui a pouco eu volto. Eu não estou indo embora de casa, só vou numa festa, aqui pertinho. Eu juro que não vou te abandonar. Solta a minha mão?
Ele solta. A menina lhe dá um beijo na testa, se despede e sai, feliz da vida. Ele vê no espelho a marca de batom que ela deixou e faz o último comentário da noite:
– Por enquanto, pelo menos, é batom rosa. Quero ver quando for batom vermelho. Aí eu morro.
E foi procurar um livro para ler, porque, pelo jeito, a noite seria longa. Muito longa.