Duas menininhas estão sentadas num banco, naquela praça linda, de grama verdinha e muitas flores coloridas, bem perto do hotel onde estou hospedada.
Saboreiam um sorvetão de casquinha, que derrete mais depressa do que elas conseguem devorá-lo. Em instantes estão com o rosto e as mãos completamente lambuzados.
O marrom do chocolate suja toda a blusa da menorzinha. Mas elas não me parecem nem um pouco preocupadas. Dão risadas, falam alto e se distraem com o doce, enquanto vou chegando mais perto com a minha máquina fotográfica, tentando captar (e congelar para sempre) aquele momento tão singelo, num final de tarde dourado de início de verão. Logo elas me veem, e a maiorzinha me pergunta:
- Oi, tia! Por que você está fotografando a gente?
Chego perto e digo que as achei muito lindas - uma negrinha e outra japonesinha - e que elas estavam engraçadas, assim, lambuzadas de sorvete. Explico que decidi fazer umas fotos porque aquela cena me lembrava de quando eu também era pequena e saía com minhas amigas para tomar sorvete e sentar no banco da pracinha da minha cidade. E que sentia muita saudade daquela época.
Então, Linda, a menininha de traços orientais, longos cabelos pretos, olhinhos puxados e boca que mais parecia um coraçãozinho, me diz:
- Pode tirar foto. Só que nós não somos amigas. A gente é irmã. Ninguém acredita, mas é verdade.
A menor, Carol, faria cinco anos dali a alguns dias. Seus cabelos crespos presos em um farto rabo de cavalo emolduravam um rosto sapeca, onde se destacavam os olhos negros, muito curiosos e brilhantes, e o sorriso de dentes branquinhos. Ela ouvia a conversa, mas estava mais interessada em terminar o sorvete, que, àquela altura, já tinha se transformado em uma calda pegajosa na mão dela.
- Sabe, tia, que nós ganhamos mais um irmão há pouco tempo? - comenta Linda.
Quando eu vou comentar que é muito legal ter um bebê em casa, a menorzinha olha para o lado e grita:
- Olha, lá vem a mamãe!
Uma moça bonita, alta e bem vestida, sai de uma banca de revistas, ali do lado, de mãos dadas com um menino, de olhos claros e cabelos loiros, que usa bermudão e tênis todo colorido. Linda sorri e me diz:
- Esse é o Filipe, tia, que eu falei.
Conversamos um pouco, a mãe me conta que ela e o marido adotaram as três crianças. As meninas, logo após o nascimento. Filipe chegou agora, com oito anos de idade. Foi amor à primeira vista ao visitarem um abrigo.
- Agora acho que minha família, multirracial, como eu sonhava, está completa. E essas duas estão precisando de um bom banho - diz a moça, ao nos despedirmos.
Seguimos em direções opostas, mas percebi que aquele final de tarde acabara de ficar ainda mais bonito e colorido.
Aquela cena me lembrava de quando era pequena e saía com minhas amigas
Viviane Bevilacqua
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