São tempos bicudos para gays, negros, mulheres ou qualquer um que desafie o status quo. Com este entendimento, Ronaldo Fraga vê a moda como um papel em branco para fazer seu manifesto e, ao mesmo tempo, versar sobre a beleza.
No encerramento do quinto dia de São Paulo Fashion Week, nesta sexta (26), ele alvejou de tiros parte de sua coleção, desfilada por negros, 20 dias depois de o Exército atirar 82 vezes contra o carro de uma família no Rio de Janeiro.
Inspirado no painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, Fraga destilou sangue pelos looks tingidos com os tons de azul, vermelho, laranja e amarelo das obras expostas na sede da ONU, em Nova York. Os direitos de imagem foram cedidos a Fraga pelo filho do pintor, morto em 1962.
Nos modelos, alguns conjuntos amplos de blusa e calça tipo Aladdin -larga nas laterais e justa nas canelas- foram forrados com linhas vermelhas, como rastros de sangue deixados por furos de balas pela peça.
Bordadas de cima a baixo, as roupas eram mais refinadas do que as de coleções anteriores do designer. Vidrilhos e folhas metalizadas formavam um camuflado glamoroso costurado sobre vestidos longos, blusas e saias mídi.
A ativista dos direitos humanos e ex-vereadora do Rio Marielle Franco se fez presente nas costas perfuradas de uma camisa branca, também alvejada de sangue. Jesus Cristo apareceu negro, crucificado e com coroa de espinhos.
Os espinhos, aliás, foram aplicados em vários looks. No que abriu o desfile, por exemplo, serviram de estampa para uma gola pingando a sangue.
Fraga produziu metáforas de sua visão do país -uma nação em estado de sítio. Assim, as cabeças do desfile, capacetes militares verde-musgo, foram emblemas do discurso.
Ricamente adornadas com flores e bananas, ao estilo Carmen Miranda, as peças apareciam perfuradas por pombas brancas, metralhadoras, bandeiras do Orgulho LGBT+, peitos de silicone e livros de geografia, como se emulassem a proposta de embate constante, entre guerra e paz.