O desfile de primavera-verão 2014 da Louis Vuitton foi o último sob a direção criativa daquele que já firmou seu nome com um dos gênios criativos do século 20. Marc Jacobs se assemelha a artistas contemporâneos como Damien Hirst: é através de criações com apelo comercial, de cifras altíssimas, que causa desejo de compra instantâneo. Pelo produto, discute o próprio mercado do moda. Na manhã do dia 2 de outubro os convidados foram acolhidos em seus assentos com uma carta do estilista que dedicou a coleção que apresentaria em instantes às mulheres que o inspiram. Não há como negar a importância de ter um americano na Vuitton. Uma espécie de Hemingway, Paris é uma festa para Jacobs. Na carta ainda dizia que não era uma coleção sobre a profundidade de Paris, mas sobre o adorno. Marc Jacobs ainda deixou claro que ele tira das coisas exatamente o prazer que elas dão a ele. O puro prazer do adorno em prol do próprio afresco.
Ao lado da monarquia da moda formada por editoras de óculos escuros, sentava-se na primeira fila do desfile a princesa Charlene de Mônaco. Ainda as irmãs, que não tem título de princesa, mas ares de querubim, Elle e Dakota Fanning. Especialmente convidada pelo setor de relações-públicas da maison francesa estava uma monarca brasileira: a rainha de bateria da Unidos de Vila Isabel, agremiação do grupo especial das escolas de samba cariocas. Diferente da maioria dos monarcas e do próprio modelo de eleições presidencialista brasileiro, Sabrina Sato foi eleita rainha por votos facultativos no ano de 2003.
Quem a viu desfilar o longo casaco de lã Louis Vuitton - conjugado em ousadia discreta com um vestido-lingerie que delinou as curvas da brasileira com olhos orientais - certamente não enxergava a ex-participante de reality show. Sabrina Sato foi eliminada com 60% dos votos em sua oitava semana na terceira edição do Big Brother Brasil. A rainha não é unânime, mas essa é uma das características de todo aristocrata.
Foto: StyleDuMonde, Reprodução
Nascida em 1981 na cidade de Penápolis, interior de São Paulo, Sabrina chegou a fazer parte do corpo de baile mais mal vestido do Brasil, o time do Domingão do Faustão. Passou pelo reality show, onde protagonizou um par romântico, seguiu para as rádios, assumiu a apresentação no programa Pânico na TV e atualmente é contratada pela Rede Record sem nova atração definida. No programa Pânico, a cada domingo Sabrina assume uma nova personagem através de seu figurino. Há sete anos sob a batuta do stylist profissional Yan Acioli, Sabrina desfila em eventos com modelos curtos que privilegiam suas curvas. Mas voltemos a Paris.
A apresentadora visitou a capital francesa acompanhada de jornalistas da revista Glamour e causou furor na porta de entrada do desfile. O fenômeno do street style não é novidade. Sabrina usou uma dobradinha que é comum no corpo de outra voluptuosa famosa, a americana de descendência armena Kim Kardashian. Há quem diga que o truque, útil à fenotipia típica da brasileira, foi instituído por seu atual namorado, rapper e guru do streetwear, Kanye West. Trata-se de roupas justas com casacos por cima dos ombros, formas amplas que criam uma linha vertical no corpo sinuoso das musas étnicas que têm os programas de realidade como propulsores de suas carreiras milionárias.
Sabrina, após o desfile, foi entrevistada pela editora de beleza da revista Vogue Brasil, Vic Ceridono, e por Camila Coutinho, considerada em 2013 a quarta blogueira mais influente do mundo. Nele, a japa que é considerada pela maioria da população ícone de estilo, discorre em comentários irreverentes sobre novidades de passarelas nada fácil de serem digeridas. Despontou comentários sobre Rick Owens e contou como foi recebida com pompa pela equipe de uma das mais tradicionais marcas francesas. O olhar estrangeiro, que legitima o Brasil-não-mais-Colônia, é tradição.
Desde que assumiu a grife em 1997, Marc é um dos principais responsáveis pelo faturamento de cerca de ? 7 bilhões anuais da LVMH, grupo que é dono da LV. Ele sabe falar com as maiorias e criar desejos que não ficam restritos àqueles que têm dinheiro o bastante para adquirir as peças caras. Marc dita também a moda do camelô. E aí, chegamos de volta ao Brasil: o camelô é um fenômeno efervescente da criatividade brasileira.
Quando fui convidado para escrever essa coluna o desafio era redigir uma versão eletrônica e atualizada do texto impecável da seção Nostalgia, assinada por Bruno Astuto na Vogue Brasil. No entanto, era preciso resignificar nossos monarcas. Deixá-los mais divertidos para repensar a história recente dos modos de vestir da brasileira. No final da carta de Marc Jacobs, na sua derradeira mise-en-scène como capitão da LV, pontuou: a coleção é dedicada à showgirl em cada um de nós. Esta coluna também.