Stefanie Cirne, especial
O desejo de ser mãe surgiu cedo para Mariana Xavier de Araújo, a Amora Xavier, 37 anos. Antes mesmo do casamento com o fotógrafo Daniel Moragas da Costa, a jornalista e produtora teatral já sonhava em ter filhos. O que não imaginava era que engravidar seria um desafio dos mais penosos: durante quase quatro anos, Amora e o marido consultaram médicos, fizeram dezenas de exames e tentaram de tudo para que a família crescesse. Nada funcionou – e a causa da infertilidade permanecia um mistério.
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Nesse período, a frustração e a ansiedade da jornalista aumentavam a cada mês. Quando o casal decidiu partir para a reprodução assistida, Amora buscou um escape para tanta tensão. Foi assim que, em maio de 2015, nasceu o projeto Cartinhas para a Cegonha, seguido hoje por mais de 18 mil pessoas no Instagram. Como se estivesse escrevendo a uma amiga distante, a jornalista passou a compartilhar na rede social suas angústias e expectativas para a fertilização in vitro.
– Mergulhar nesta fantasia fez que com, a cada dia, a cegonha se tornasse mais real e a minha espera, menos dolorida e mais colorida – diz Amora.
Sensíveis e bem humoradas, as postagens oscilam entre a confidência e o acerto de contas com a cegonha. O que começou como um projeto pessoal logo se tornou a porta de entrada de Amora para o universo das tentantes – mulheres que, como ela, almejam viver a experiência da maternidade. A jornalista conta ter se surpreendido com a repercussão rápida e positiva da página: identificadas com os relatos, muitas seguidoras dividiram suas histórias e se aproximaram de Amora.
– Recebo diariamente mensagens e e-mails de pessoas que agradecem a forma leve com a qual escrevo, dizendo que minhas cartinhas aliviam muito essa angústia da espera – diz a criadora do projeto.
Localizando a cegonha
Além de elogios e agradecimentos, Amora recebia nos comentários das postagens incentivos para compilar as cartinhas em um livro. A ideia ganhou força durante o acompanhamento médico: nascida em Pelotas e residente no Rio de Janeiro há 16 anos, a jornalista optou pelo tratamento na Fertilitat, clínica de Porto Alegre especializada em medicina reprodutiva. Quando apresentou o projeto ao dr. Alvaro Petracco, coordenador do espaço, Amora recebeu o estímulo que faltava para organizar a publicação. O livro Cartinhas para a Cegonha foi lançado em setembro pela Editora Age, com direito a sessão de autógrafos na capital gaúcha.
Fazendo jus ao título, a obra é estruturada como uma correspondência: além dos desabafos de Amora, traz as respostas da Cegonha, elaboradas com a orientação técnica da equipe da Fertilitat. As cartas esclarecem aspectos clínicos da reprodução humana e oferecem mensagens de conforto às tentantes, para que mantenham o ânimo e controlem a ansiedade.
– O livro é bom tanto para quem quer engravidar quanto para quem já está grávida, porque mesmo quem não passou por tantas tentativas viveu esse mesmo processo – afirma Amora.
A rede de contatos formada pelo Instagram também foi contemplada na realização da obra: a mãe que assina o prefácio, Joice Larissa Hansen, e a ilustradora Luisa Simão se aproximaram de Amora a partir da página do projeto. A autora espera agora ampliar a discussão sobre a infertilidade e amparar outras tentantes que estejam sofrendo em silêncio.
– Por estar atualmente inserida neste universo, fico chocada como este assunto não é discutido, e o problema, vivido solitariamente – observa a jornalista. – Se com o livro, eu conseguir abrir um pouco o diálogo sobre esse assunto, ou, ao menos, arrancar um sorriso de alguma leitora, já valeu.
Entrega para você
Ao contrário do que Amora esperava, o processo de fertilização in vitro não começou na chegada à Fertilitat. Na primeira consulta, o dr. Petracco sugeriu à jornalista que agendasse uma videolaparoscopia – cirurgia que detecta e trata a endometriose, hoje uma das principais causas da infertilidade feminina. Mesmo desconfiada, Amora seguiu a orientação, e finalmente encontrou uma luz no fim do túnel.
– Quando, ao sair da cirurgia, o médico me respondeu que havia encontrado focos de endometriose, não contive as lágrimas de alívio – relembra a jornalista. – É muito mais fácil enfrentar um obstáculo quando sabemos qual ele é, e naquele momento eu tinha descoberto o meu.
Após o procedimento, a doença reincidiu e Amora não conseguiu engravidar naturalmente. Com a fertilização, o encontro com a cegonha enfim aconteceu: em março, cerca de 400 cartinhas depois, Amora engravidou de Noé, que já conta 35 semanas. A chegada do pequeno, porém, não deve encerrar o projeto.
– Imagino que, depois que o bebê nascer, as dúvidas vão seguir e, provavelmente, até aumentar. Como agora somos grandes amigas, eu e a cegonha vamos continuar nos comunicando.
Amora cogita ampliar o Cartinhas para a Cegonha para além do Instagram: a ideia é criar um blog para dar espaço a outras tentantes e facilitar a troca de figurinhas. Com a tão sonhada encomenda entregue, a certeza é de que o projeto deve se tornar ainda mais inspirador.
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