Se tivesse a opção de viajar para algum momento no passado, a única bagagem considerada útil por Leandra Leal conteria suas experiências e o conhecimento que acumulou ao longo de seus 40 anos de vida. Afinal, segundo a atriz, amadurecer com saúde passa por acolher com alegria o que o tempo vai nos agregando.
No auge de sua energia criativa, é justamente um link com suas vivências adolescentes que a projeta, pela primeira vez, como diretora no universo da ficção. Na série A Vida Pela Frente, do Globoplay, a carioca pincela algumas memórias ao lado das amigas e sócias Rita Toledo e Carol Benjamin, com quem assina a autoria da obra. Foram anos de construção até chegarem a um resultado que, revela Leandra, foi além da expectativa.
— Tenho me emocionado com a repercussão, porque recebemos críticas muito positivas, o que é gratificante, mas também retornos pessoais. Depoimentos de jovens e adultos sobre como se identificaram, como a série ajudou em algum processo pessoal. Isso é mágico. Você ver que realmente todo aquele trabalho está tocando alguém no lugar que te toca também. Realmente, estamos conectados. É muito bonito isso — vibra ela.
Relacionar arte e vida é algo quase orgânico para quem sempre viveu em meio a talentos incontestáveis na dramaturgia e na música. Nascida no Rio de Janeiro, onde mora com o marido, o cineasta Guilherme Burgos, 34 anos, e a filha Julia, nove, ela cresceu entre as paredes do teatro Rival, na capital fluminense.
A casa pertence à sua família desde os anos 1970, quando foi adquirida pelo avô materno Américo Leal, e é reconhecida entre os ícones culturais da cidade.
Neste bate-papo com Donna, a artista relata que foi lá onde deu os primeiros passos em direção ao palco. Desde muito jovem, costumava ficar admirada ao observar de perto a forma como ídolos, como Luiz Melodia, desempenhavam seu ofício. E atribui muito do que sabe a personalidades que a inspiram, como sua mãe, a atriz Ângela Leal, a quem considera referência na profissão e na maternidade.
Esses ensinamentos ela busca transmitir à filha, um sonho que idealizava desde menina:
— Sempre quis ser mãe. Desde criança, sabia que esse era um sonho que iria realizar. Quando fiz 30 anos, comecei a pensar de uma forma mais “querendo realizar”, porque a adoção é um processo longo — comenta.
A espera terminou três anos depois, em 2016, para Leandra e o então marido, o gestor cultural Alê Youssef, 48. De lá para cá, questões que envolvem adoção ganharam outra dimensão em seu dia a dia. Nas redes sociais, a atriz alimenta o debate, sob o ponto de vista de mãe de uma criança negra.
Confira a íntegra da entrevista
Que momento profissional você vive hoje?
A Vida Pela Frente é um grande ciclo que se conclui. A gente trabalhou nessa série durante anos, então, foi muito trabalho. Para mim, é um passo muito importante. Foi a descoberta de várias coisas que amo fazer e já imaginava, mas não tinha certeza, como dirigir ficção, atores.
Tudo isso foi rico e um aprendizado gigante. E o lançamento foi o fechamento desse ciclo e início de outras coisas. Agora, tenho mais confiança para outras ideias que tenho.
A vida é bonita nisso. Sempre começa outra coisa. É um momento de muita felicidade, de compartilhar todo esse processo com o mundo.
Como se define na arte?
Ah, eu sou atriz. Essa é a minha formação, é de onde vim, é o que sou, é como penso. Me vejo como uma pessoa que tem ideias - algumas vêm com muita força, me sinto levada - e gosta de realizar.
Ter crescido sob o olhar de artistas consagrados influenciou na formação da sua identidade?
Com certeza. Tive a sorte de ver pessoas muito especiais desde muito jovem. Principalmente, através do Rival, que é o teatro da minha família. Vi shows da Elza Soares, Luiz Melodia, Ivan Lins, João Bosco, Ângela Ro Ro, Beth Carvalho, pessoas muito grandes. Coisas que me formaram artisticamente, me ensinaram muito.
E tive muita sorte mesmo de conviver e de poder vê-las dentro do seu lugar de trabalho. Porque não era só um lugar dessas pessoas enquanto artistas famosos. Eram elas ali trabalhando, em uma relação com seu ofício, de um jeito menos romantizado. Ver a realidade ali foi muito importante tanto para ter a segurança do que eu estava escolhendo como profissão e por poder aprender.
Sei lá, sempre falo isso, uma das grandes lições que tive muito jovem foi em um show do Luiz Melodia. Fiquei muito “de cara” de ver como uma pessoa poderia ser tão confortável em cena. Você ficava assim “gente, como é que ele pode ser assim, tão à vontade sendo ele mesmo, cantando?”. Sempre tive lições nesse lugar.
Maternidade é divisor de águas?
A maternidade é a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Acho que é a maior forma de autoconhecimento também, além de tudo o que a gente fala sobre o amor incondicional, a felicidade que é ver um ser humano crescer. Sobre essa régua no tempo que a criança gera na sua vida. Todo esse impacto gigante de um ser que você acompanha, cria, ama.
Tem um lugar muito seu, de uma revisão da sua trajetória e até da filiação, da relação com seu pai, sua mãe, do que vai jogar para a frente, do que não. É para onde você está indo, como quer contribuir nesse mundo. Uma oportunidade de crescimento. É muito lindo.
Pratica algum aprendizado da convivência com sua mãe?
Minha mãe é uma grande referência para mim. Uma mulher muito forte, muito presente na minha vida e na dela (Julia). É uma avó que está sempre procurando estar perto e tem uma relação superverdadeira com a minha filha.
É muito emocionante ver as duas. São muito amigas.
Nessa jornada, houve algo que nunca imaginou que aconteceria?
Tem tanta coisa que acontece que ninguém fala. A maternidade é um processo profundo, bonito e muito difícil também, né? Não é um lugar só de paz e conforto. É de muitas revoluções internas. Sempre digo que tenho muita felicidade, sorte e alegria de ser mãe da minha filha. Acho ela um ser humano incrível, que me ensina muito.
E todos os nossos momentos juntas me alimentam. Sou muito feliz sendo mãe da Julia e é bonito ver ela com nove anos, já mais menininha mesmo, e como está se relacionando com o mundo. É muito doido. Tem umas coisas que não falam para a gente, mas tem uma que falam e é verdade: passa muito rápido.
E como lida com tantas funções ao mesmo tempo?
Gosto muito do meu trabalho. Então, acaba que esse é um problema, porque acabo trabalhando o tempo inteiro, mas tento e consigo. Tenho momentos que são sagrados com minha filha.
Agora, quando estou filmando, eles são meio que uns tiros, umas corridas. Porque, de repente, você vai fazer um filme, é um mês que fica muito ali, sugada por aquele trabalho, mas, mesmo assim, tem (os momentos com a filha). Minha parada em relação a Julia é que quando estou com ela, estou com ela e não fico fazendo outras coisas.
E acho que a gente precisa estar bem. Tem outras coisas na vida pessoal que me dão equilíbrio para trabalhar melhor. Exercício físico e ter momentos prazerosos, de ócio, de lazer, que fazem com que me torne mais criativa e feliz.
A felicidade é o equilíbrio de muitas coisas. Apesar de amar meu trabalho, tem outras coisas que importam e contribuem para esse equilíbrio, para a felicidade.
Como pratica o autocuidado?
Gosto de fazer exercício, acho muito importante para a saúde mental, e gosto também de meditar. Faço um milhão de coisas.
Faço análise, viu? Se tem uma terapia nova, vou lá e faço. Sou uma pessoa que está sempre ligada no processo de cura. É isso: saúde mental, física e espiritual. Tem que estar em equilíbrio com esses três lados.
Aos 40, como é sua relação com o avançar do tempo?
Acho que é muito importante a gente se sentir bem. E se amar é algo muito difícil quando se é jovem. E é muito doido, porque todo mundo fala que é o auge da sua forma física e tal, mas é quando a gente menos tem essa força, essa autoestima.
É uma coisa que a idade traz para você. Aceitação, amor próprio. Pelo menos, para mim, trouxe. Sou muito feliz com os 40 anos que tenho. É uma coisa boa. Viver e envelhecer é uma delícia. Então, me preocupo, mas acho que o importante é gostar da gente, encontrar esse lugar. Tem sido positiva essa experiência.
Mas e o etarismo? Concorda que as mulheres são mais vulneráveis?
Sim, é bem mais cruel com a mulher a cobrança em qualquer assunto em relação à aparência física. Padrões e limitações que são impostos causam muito sofrimento em todas as idades.
É uma coisa com que realmente a sociedade tem que se adaptar, porque estamos envelhecendo. Teremos uma população no mundo de maioria de pessoas mais velhas e elas são ativas, desejáveis e vão continuar vivendo, fazendo suas coisas, suas escolhas.
A expectativa de vida aumentou, é um momento de adaptação. E, gente, acho o máximo a pessoa viver no mundo. Eu só voltaria a qualquer época da juventude se pudesse voltar sabendo o que sei hoje.
Então, que incrível poder viver no mundo, se relacionar com seus amigos, sabendo as coisas que você tem e que você sabe agora. A única coisa que a gente tem que cuidar sempre é isso que falei antes: a saúde física, emocional, mental, espiritual, para que esse processo seja cada vez mais prazeroso.
Viver.
Se pudesse idealizar um mundo para sua filha, como seria?
O mundo que me esforço para contribuir para que aconteça e pelo qual luto é com mais justiça social, com mais espaço para as mulheres, com menos preconceitos. É difícil (falar), porque a gente repete as mesmas coisas, mas é isso.
E principalmente acho que é um mundo onde seja possível viver. Com um meio ambiente saudável, onde as futuras gerações possam ter as mesmas memórias que a gente teve na nossa infância, de natureza.
Isso é algo que também me preocupa bastante, mas um mundo onde minha filha possa andar e que ela possa ser bem-vinda e se sentir segura nos espaços aonde ela quiser, por onde ela quiser ir. Esse é um mundo que eu estou me esforçando para ter.
E o que vem por aí nas suas produções?
Nesse segundo semestre, vou lançar Justiça 2 (Globoplay), em que a Kellen, minha personagem, é a única que volta da primeira temporada. Ela ela continua sendo essa personagem, né? Assim, supervaidosa e cheia de autoestima, engraçada, muito perspicaz, com um humor ácido, uma lógica própria, muito prática. E a gente vai ver um lado dela mais cuidadoso, empático, maternal. Acho que a Kellen envelheceu superbem.
E vai ter Betinho (Globoplay), em que faço a Irles, que é a primeira esposa do Betinho, mãe do Daniel, filho mais velho dele. É uma mulher forte, uma ativista incrível e é uma honra, uma felicidade ajudar a contar essa história, porque Betinho é um herói brasileiro.
Nasci e me criei no Rio de Janeiro, então, para mim, ele sempre foi uma figura muito importante. Foi uma pessoa que apresentou um conceito de cidadania. É importante que a gente conheça nossa história, para poder construir futuros melhores.